[Manifesto] Preto e Branco

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por Andrey Lehnemann

Quando se é solitário, o mundo é só preto e branco. Não há o cinza. Só que a depressão não conhece a segunda cor. Tudo é visto com melancolia, nostalgia. Muitas construções textuais são frutos das mais inimagináveis utopias. Atingimos uma certa paz provisória quando se damos conta de nosso isolamento.

Se morreremos sozinhos, por que se preocupar?

Acho que é porque somos uma raça de compaixão. Como o nome diz, humana. Queremos evitar essa solidão até o último momento e buscar mesmo que um conforto momentâneo nos braços de alguém que você acha ser o certo ou que lhe entenda. Eu aceitei a minha condição quando tinha uns 17 anos. Nunca fui feliz. Quer dizer, é claro que fui. Muita coisa boa aconteceu em minha vida profissional, cheguei em lugares que nunca imaginei chegar com minha idade, comecei a pensar que uma marca minha seria deixada no mundo. Mas nunca possui alegrias na vida pessoal. Nasci de um erro de dois jovens. Uma mulher de 16 anos com o mundo pela frente veio a se tornar uma mãe inexperiente e um pai de 17 veio a se tornar um fugitivo de suas responsabilidades. Fui “abandonado” aos nove anos e vivo com meus pais adotivos até hoje. Duas pessoas maravilhosas que me acolheram como um filho, mas que esqueceram de acolher a si próprios. Uma relação de mais de 20 anos que acabou por prejuízo financeiro. Literalmente: um amor que foi vítima de um crime.

E é aqui que vou dar o exemplo mais belo que tive nesses anos:

Após uma escolha errada feita por minha mãe, vítima de estelionato, o meu pai cuidou dela em cada passo dado durante a sua chegada no hospital. Não lhe interessava o que havia acontecido, mas os seus votos. A mão foi estendida em um momento de necessidade. Claro que a palavra tão amedrontadora – separação! – deu as caras na vida deles logo depois. Mas escrevo isso enquanto meu pai está internado se recuperando de uma cirurgia e está sendo cuidado passo a passo pela sua companheira. A mesma que recebeu a mão, agora lhe deu a mão. Não há como encarar isso como um quitar de dívida, mas como um exemplo de compaixão. De nossa bondade. Claro que nosso caixão será individual, mas o luto pode ser coletivo.

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Há muitas questões em um “boa noite”. Pode significar o fim ou apenas o começo. A tristeza, o partir ou, simplesmente, o amor. Deixo-lhes o meu boa noite, seja ele qual for.