[Conto] Pai do Rio

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Por Alan Cosme

Sentado na beira de uma plataforma, o garoto mantinha seus pés pendurados submersos no rio. Ele achava o toque da água morna relaxante. De maneira despreocupada, o rapaz manipulava a vara de pescar na esperança de capturar algo que valesse a pena. Muito amador, raramente ele conseguia um bom pescado. Eis que se fez sentir um puxão. A linha começava a ficar tensa.

Em busca de uma melhor base de apoio, o garoto se levantou. Toda a força de seus onze anos foi aplicada na vara. Tem-se início um verdadeiro cabo de guerra entre ele e o peixe. Quanto mais lutava mais a mente do garoto viajava tentando imaginar o que poderia ser sua pesca. Talvez por culpa de seus devaneios houve um momento de descuido. O peixe venceu. A vara de pescar foi tomada das mãos do garoto de supetão.

– NÃOOOO! – Sua reclamação foi inútil, com tristeza o menino viu a vara de pescar de seu avô sendo levada embora. Mais do que pelo bem perdido, ele chorou só em imaginar a sova que levaria por causa disso.

Completando a desgraça do garoto ele ouve uma risada conhecida. Uma risada que zombava de sua tragédia. E logo dela. Eleanor era a primeira paixão do menino, um amor platônico tipico da idade. A garota tinha dezessete anos e ele a considerava como sendo a mais linda da cidade. O rapaz tinha poucas chances, mesmo assim ele nutria alguma esperança. Naquela noite terá um forró na cidade. Há mais de duas semanas o menino imaginava um jeito de convidá-la a dançar. Somente uma dança, até mesmo isso ele passou acreditar que lhe seria negado depois do vexame.

Como prêmio de consolação, o menino conseguiu ver o peixe que quase pescou. Não era bem um peixe, Tuco achou o bicho parecido com um golfinho. Um golfinho de pele rosada. O rapazote nunca tinha visto um animal como aquele. O golfinho ficou por alguns instantes com o foucinho do lado de fora. Tuco podia jurar que o bicho sorria para ele.

No interior do Brasil há uma cidadezinha pequena com um clima bem bucólico chamada Quatro Corações. Quase perdida no tempo, muitos dos seus moradores viviam da mesma maneira que as pessoas de cinquenta anos atrás. Muito contato com a natureza e um estilo de vida mais saudável eram seus principais atrativos. Seu lado negativo era que ali só havia duas formas de um nativo viver: trabalhando em algum negócio familiar ou sendo peão de algum fazendeiro.

No primeiro andar da casa ficava o armazém onde seu avô e sua mãe trabalhavam, o andar de cima servia de residência para a família. De vez em quando o menino ajudava seus parentes no trabalho. Pouca coisa, geralmente servindo como menino de entrega. Como sua família era dona de um negócio, o destino do menino já estava mais ou menos traçado.

– Então, Tuco? Pescou alguma coisa?

Tuco queria passar despercebido, mas infelizmente seu avô estava no meio do caminho, recostado no sofá da sala fumando cachimbo. O avô do garoto era um septuagenário magricela. O homem não tinha a perna esquerda. Tuco achava que sua deficiência física fora resultado de algum acidente na juventude, mas ninguém nunca contava como tal acidente sucedera e Tuco nunca perguntava. Por motivos aparentemente óbvios o velho usava muletas. Porém ele era tão ágil que as vezes Tuco tinha a impressão de que seu avô se viraria muito bem sem elas.

– Quase.

– Pescou ou não pescou? Hei, menino, cadê minha vara de pescar?!

O rapazote chegou a suar frio. Para sua sorte foi dispensado de continuar a conversa por sua mãe que o chamou de seu quarto.

Ela estava acamada, a gripe leve progrediu até chegar a um estado que a deixou incapaz de fazer o menor esforço. Sua cabeça doía, seu corpo não tinha energia para nada. O caso dela era grave, mas ela e seu pai decidiram não assustar o garoto com a verdade. Ela não queria admitir isso para ninguém: sentia que seus dias estavam acabando. Mas antes de partir ela se obrigou a contar um segredo ao menino.

Como de costume Tuco se abaixou perto da cama de sua mãe para permitir que ela fizesse um cafuné em sua cabeça antes de começar a falar.

– Tuquinho, querido. Você está se tornando um homem tão bonito quanto seu pai. Só espero que não puxe o gênio dele.

Desde sempre Tuco viveu com sua mãe e seu avô materno. A mãe do menino o teve muito cedo, com quinze anos. Seu pai ele nunca veio a conhecer. O homem simplesmente sumiu no mundo. Todos os familiares que ele conhecia tinham um tom de pele que variava do pardo claro (como sua mãe) ao negro bem escuro (como seu avô), já ele era exceção. Nascera um galeguinho de cabelo bem liso e preto. A identidade do pai do garoto era um mistério não só para ele, mas para todos na cidade. Alguns diziam que ele era filho de algum romance de festa que sua mãe supostamente teve com algum turista. Outros achavam que ele era adotado, que nem mesmo era filho de sua mãe. Havia também aqueles que acreditavam em uma hipótese mais fantástica.

– Além de bonito e charmoso ele sabe falar o que uma mulher quer ouvir. É impossível resistir a seu encanto. Eu até quis por um tempo sentir raiva dele por tudo o que me fez passar. Mas então percebi que seu modo de agir faz parte de sua natureza. Não sei nem se ele conseguiria proceder de outra forma até mesmo se quisesse.

– Ele é estrangeiro?

– Não, querido. Ele mora bem perto daqui, no rio. Sua mansão se encontra embaixo dessas águas. Provavelmente você já deve até ter se encontrado com ele sem se dar conta. Ele costuma assumir outra forma quando não está atrás de algum rabo de saia.

Tuco mostrou a sua mãe um sorriso triste. Ela estava delirando, deduziu. – Será que é a febre alta? – Se perguntava.

– Hoje tem festa na cidade, talvez ele apareça, Se você avistar um homem todo de branco usando chapéu pode ter certeza que é seu pai. Não dá para confundir.

– Ele é pai de santo? – Tuco tentou fazer graça com a conversa de sua mãe para melhorar o humor dela, porém a mulher continuou séria.

– Caso queira conhecer seu pai você pode ir visitá-lo no fundo do rio. Pode ir despreocupado, como você é filho dele ele não vai deixar que se afogue. Não é desnaturado a esse ponto.

Depois da conversa que teve com sua mãe, a preocupação que tinha em relação a vara de pescar perdida e a festa de hoje a noite lhe pareceu frívola. O resto do dia Tuco gastou em seu quarto, lendo as revistas em quadrinho que seu avô trazia quando viajava para a capital na esperança que as aventuras de seus heróis pudessem de algum modo levar o problema de sua mãe embora de sua mente.

– Menino, já vai começar o forró!

Já era quase seis da noite, o horário marcado da festa começar. Tuco nem se importava mais. Não estava muito para clima de farra.

– Não quero ir mais. Vou na próxima.

Depois de muita insistência de seu avô Tuco foi se arrumar. Colocou sua melhor roupa e usou um perfume que seu velho havia emprestado. Com quinze minutos de caminhada ele chegou à pracinha. A banda já estava começando a tocar. A sanfona era o instrumento mais presente. Enquanto o vocalista cantava letras com um duplo sentido bem juvenil as dançarinas do grupo rebolavam. Casais dançavam na pista ao som de uma música que vagamente lembrava o forró antigo. Apesar de muitos dançarem a maioria ficava parado, fazendo um circulo ao redor daqueles que não estavam parados. Muitas garotas esperavam por rapazes dispostos a convidá-las para dançar enquanto  muitos rapazes esperavam por uma boa oportunidade para fazer o convite.

Tuco era um dos garotos que criavam coragem. Eleanor era uma das garotas que esperavam por um convite. O momento era aquele. Após respirar fundo o menino anda em direção ao seu objetivo, desviando de dançarinos, “estátuas” e bêbados. Tarde demais. Chegaram primeiro.

Um homem bem mais velho tirou Eleanor para dançar. Ele devia ter mais de quarenta, mas estava em ótima forma. Até parecia galã de novela. Seu porte era altivo, seu sorriso sem falha. Se vestia de um jeito que lembrou a Tuco um sambista. Todo de branco e com um chapéu cobrindo a cabeça. Percebendo que não tinha a menor chance Tuco desanimou.

Além de bonito e elegante o homem dançava muito bem. Dava para perceber que se assim desejasse ele daria um show naquela pista. Porém o concorrente de Tuco não queria exagerar nos passos, para piorar era contido. Gostava de dançar o mais coladinho possível. Tuco não tinha cabeça para procurar por outra parceira de dança, só queria ver até onde os dois iriam com aquilo. O coração do garoto só faltou gelar quando ele viu o desconhecido sussurrar algo no ouvido de Eleanor que a fez sorrir. Discretamente o casal se afastou da aglomeração. Ele ia um pouco na frente, talvez para não atrair suspeitas, ela ia logo atrás.

De uma distância que considerou segura, Tuco seguiu os dois. Eles se afastaram da praça, do centro de Quatro Corações. Caminharam até o rio, um percurso que durou quase dez minutos. Durante todo esse tempo eles não trocaram uma palavra, só olhares. Eleanor o seguia como se hipnotizada estivesse.

De roupa e tudo o homem misterioso entrou na água, Eleanor foi em seguida. Como já havia ouvido histórias sobre isso antes Tuco imaginou que eles iriam transar no rio. Só achou estranho eles terem ido vestidos. O casal caminhou rio a dentro cada vez mais fundo até sumirem de vista.

Tuco de repente lembrou das palavras de sua mãe. Agora sua história não parecia tão absurda. Será que sua mãe estava falando a verdade? Será que aquele homem era seu pai? Tuco pensou em gritar pelo nome de Eleanor. Por alguns minutos hesitou, temendo estar fazendo papel de bobo, atrapalhando o romance dos outros. Depois de quase noventa minutos sem ver sua paixão voltar do rio Tuco teve a certeza de que se não fosse buscá-la ela não voltaria.

Antes de pôr os pés dentro d´água Tuco pediu ajuda aos orixás de sua mãe e aos santos católicos do seu avô. Após respirar fundo e contar até três ele se atira no rio. A água na noite estava ainda mais morna, ainda mais convidativa. Aquele rio para Tuco sempre havia sido acolhedor. Nos primeiros segundos o garoto ainda se esforçava para prender a respiração. Assim que soltou o ar percebeu que não precisava passar pelo esforço. Conseguia respirar naquelas águas tão bem quanto na superfície.

Ao fim do mergulho Tuco nem ao menos molhado estava. Seus pés tocavam um chão feito com a mais alva areia. O menino olha para cima e percebe que ao invés de ver o céu ele enxerga água trinta metros acima. Nada a segurava mesmo assim ela permanecia em seu lugar sem invadir aquele espaço. Como sua mãe havia contado, ele estava abaixo do rio, na morada de seu pai. Olhando para a sua frente o garoto vê uma construção enorme de paredes douradas. Era mais do que uma mansão, parecia um palácio. Não um palácio real de vários séculos atrás, mas sim um de conto de fadas. Um palácio que era simplesmente perfeito demais para pertencer a esse mundo.

Antes que Tuco pudesse macular a perfeição das grandes portas duplas com seu toque suado elas se abrem, convidando-o a entrar. Tapetes ricamente ornados, móveis da melhor qualidade. Tudo era tão lindo que chegava a brilhar.

Diante de tanta beleza Tuco não conseguia sentir medo. Calmamente ele passeou por vários cômodos do palácio. Visitou a cozinha, alguns banheiros, várias salas, um lugar que parecia um depósito. Nesse último ponto do palácio o menino se deparou com a vara de pescar do seu avô. Por um instante ele pensou em agarrá-la e sair correndo dali dando sua missão como concluída. No entanto o menino decidiu por deixar a vara para trás ao se lembrar que tinha algo mais importante a fazer. Todo o palácio era estupidamente luxuoso, de fazer inveja a um marajá.

Após subir dois lances de escada, Tuco inspecionou alguns quartos. Em um deles o menino encontrou uma cena inusitada. O homem que havia levado Eleanor dormia pesadamente em cima de uma grande cama de casal. Ele estava nu, com seu corpo vagamente coberto por um cobertor fino que parecia ser de seda. Tuco se aproximou da cama fazendo menos barulho do que uma brisa de ar faria. Precisava ter certeza. O menino sentiu um alivio ao perceber que sua paixão não acompanhava o sujeito na cama.

Sem querer, Tuco olhou para o topo da cabeça do sujeito. Ele era calvo, possuía uma falha que lembrava o corte de cabelo de um monge franciscano. Até aí tudo bem. O alarmante era que em sua careca havia um orifício. Tuco sentiu um pouco de nojo, mas seu lado traquina suplantou seu bom senso. O menino aproxima a palma de sua mão direita daquele buraco, sentindo a passagem de uma corrente de ar. Anatomicamente não fazia sentido, mesmo assim o homem respirava mais por ali do que pelo nariz.

Ainda mais silencioso do que durante a entrada, Tuco saiu do quarto. Estava decidido a encontrar sua garota. Algo que acabou conseguindo após checar mais três cômodos.

O enorme salão não tinha móveis, apenas gaiolas. Não daquelas usadas para prender passarinhos, as aqui encontradas eram bem maiores. Acolchoadas, até mesmo elas eram confortáveis. Aquelas gaiolas foram projetadas para acomodar um ser humano da melhor maneira possível. Tuco se sentiu em um harém ao perceber que todas as cativas eram mulheres. Algumas bem jovens, outras mais maduras. Algumas eram magras, outras atléticas e ainda havia as que fossem bem cheiinhas. Algumas eram baixinhas, outras bem altas. Morenas, negras, europeias, latinas, asiáticas, mulatas, índias… Desde que fosse mulher, não precisando nem ser de nascença, o homem do rio pegava.

De tão grande que o salão era, Tuco demorou quinze minutos para encontrar quem procurava. – Levanta, mulher! – Passando seu braço fino pela grade o menino deu alguns tapas na cara de Eleanor na tentativa de despertá-la. Ela não dormia, mas estava tão letárgica e alheia a tudo que mais parecia dopada.

Tuco tentou abrir a gaiola que prendia sua paixão, mas ela estava trancada.

Primeiro Tuco procurou pelas chaves. Ele se interrompe ao perceber que sua busca seria infrutífera. Correndo o mais depressa que suas pernas pré-adolescentes conseguiam, Tuco buscou por ferramentas que pudessem ajudá-lo a arrombar a tranca. No depósito de quinquilharias que havia visitado anteriormente o menino pegou um objeto que possuía uma parte feita de metal que era fina, comprida e maleável. Após quase meia hora de briga, a gaiola perde, permitindo que Tuco levasse Eleanor embora.

Apesar de ser quase uma adulta, Eleanor tinha um corpo bem leve. Isso permitiu a Tuco carregá-la no ombro até o lado de fora do palácio. O esforço era tremendo, o menino tirava forças nem mesmo ele sabia de onde.

Tuco só se preocupou em fugir do palácio, assim que saiu ele percebeu que seu problema ainda não tinha terminado. O rio estava tão longe lá em cima. Como ele faria para subir até a superfície? Sem ter como continuar o menino parou no meio do caminho. Tuco sentou no chão deixando o corpo molenga de Eleanor deitado na areia. A moça dormia com o rosto virado para baixo, estava tão chapada que nem ligava para isso.

Tuco esperou que algo acontecesse, após mais de duas horas de espera esse algo aconteceu. Olhando para o rio que pairava acima de sua cabeça, Tuco avistou o golfinho rosa. O “peixe” que naquela manhã havia roubado a vara de pescar de seu avô. Assim que o golfinho saiu da água ele começou a despencar. Antes que o animal tocasse na areia daquela praia invertida seu corpo sofreu uma transformação, fazendo com que ele se convertesse em um homem. O mesmo homem que havia levado sua Eleanor embora. O homem que Tuco suspeitava ser seu pai. Ele vestia a mesma roupa branca e o mesmo chapéu. Tuco se perguntou se ele só tinha uma peça de roupa, algo que não combinava com alguém que morava em uma casa tão luxuosa.

– Quem se atreve a levar o que é meu?!

Tuco ficou sem palavras, seu corpo tremia. Nunca antes ele tinha ficado tão assustado.

– Como conseguiu chegar a essa fundura do rio sem minha ajuda? – Tuco não respondeu a pergunta. Nem precisou. Após uma olhada mais prolongada no rosto do menino o homem golfinho deduziu a resposta. – Ah, tá. Claro. “Filho de boto afogado não morre” é o que dizem.

– Você é mesmo meu pai?

– Provável. Sei lá, menino. Tive mais de dois mil filhos ao longo de minha vida. Você não espera que eu me lembre de cada um deles, não é?

Os olhos de Tuco começaram a ficar marejados. Durante sua vida ele lutou contra a ideia de que seu pai era um aproveitador que havia usado sua mãe como mero objeto de prazer. O menino gostava de imaginar bons motivos para a ausência de seu pai. Talvez ele estivesse ocupado salvando vidas como os heróis das histórias em quadrinhos que Tuco tanto gostava de ler. A verdade atingiu os sonhos do garoto como um tiro. Seu pai era um mulherengo mesquinho como tantos outros. Só que em escala bem maior.

– Hei, garoto! O que foi?!

– Ela você não vai usar. Ela não. – Disse Tuco enquanto segurava com força a mão da inconsciente Eleanor.

– Que bonitinho! O mancebo está apaixonado! – O tom zombeteiro do homem golfinho fez com que Tuco sentisse ainda mais raiva. Como resposta ele apertou o braço de Eleanor ainda mais forte. – Tudo bem, se faz tanta questão dela pode levar. Como você já deve ter percebido, tenho muito mais com o que me distrair.

– Tarado!

– Está me julgando?! Espere só até você entrar na puberdade e seu lado boto começar a falar mais alto. – Com um gesto de mão o homem do rio fez com que a água que se mantinha lá em cima fosse ao chão e engolisse Tuco e Eleanor. O jovem casal é pego por um pequeno maremoto que os carrega até a margem do rio. Tuco se levanta com dificuldade, estava encharcado. Eleanor não muito melhor. Agora que ela estava longe do homem golfinho o efeito de sua influência havia passado. Ainda preocupado, Tuco vai até a moça perguntar como ela estava. Devido ao modo afoito do rapaz, Eleanor julgou mal sua atitude. – Me larga, moleque! – A garota vai embora logo após matar o amor de um menino de onze anos. Aquilo não ficaria sem consequências, depois daquela noite, aos olhos de Tuco, Eleanor deixou de ser uma moça atraente.

Com passos desanimados Tuco caminhou de volta a sua casa. Ele foi recebido por seu avô que abriu um sorriso ao notar que seu neto retornava tão tarde. Na certa ele imaginava que o menino havia se dado bem. Não podia estar mais enganado.

– Como foi o forró?

– Uma merda. – A resposta seca do jovem não afetou a alegria do seu avô, que parecia não conhecer desafio.

– Pelo menos você ganhou experiência!

Antes de dormir, Tuco passou pelo quarto de sua mãe. O menino esperava que ela estivesse dormindo, mas estava bem acordada. A mulher parecia examinar um pedaço de pano vermelho bem velho e encardido. Um olhar mais atento revelou que aquele pedaço de pano na verdade era um gorro. Um gorro vermelho.

– Mãe, eu encontrei meu pai.

– Que ótimo! Então o que achou dele?

Tuco guardou aquela resposta para si, não queria insultar os ouvidos de sua mãe com os palavrões que achava que seu pai merecia. O menino então resolveu mudar de assunto.

– O que é isso que você está segurando?

– É de seu avô. Ele usava quando era mais novo.

– Na época em que perdeu a perna?

– Ele nunca perdeu perna alguma. Ele sempre foi desse jeito. Acho que estou te devendo contar a história de seu avô. Tuquinho, seu pai não é a única pessoa peculiar da família.

Fim?