Quem está louco?
Por Carlos Henrique
Lucas está na recepção do hospital, folheando desordenadamente um jornal que contem noticias de quatro dias atrás, enquanto aguarda uma resposta sobre o quadro médico de sua jovem esposa. Apesar de ele saber que aquele tipo de convulsão não é tão grave, levando em consideração o estado clinico de Andressa, a imagem de sua esposa tendo uma convulsão está se tornando assustadora a cada dia que se passa. Ele aguarda mais um pouco, até que um jovem enfermeiro o chama da recepção.
– Lucas Albuquerque dos Santos?
– Sou eu!
– Me acompanhe, por favor.
O Enfermeiro encaminha Lucas até a sala do doutor Olavo de Paiva Figueiredo, o médico que cuida do caso da jovem Andressa, desde o dia em que os primeiros sintomas apareceram há quatro meses. Os dois entram na sala. Olavo está sentando em sua cadeira, com a ficha de Andressa sobre a mesa. O médico imediatamente se levanta e cumprimenta Lucas com um forte aperto de mãos. Quando os dois se sentam, o enfermeiro fecha a porta da sala os deixando a sós. Então, o Doutor inicia a conversa.
– O que aconteceu dessa vez, Lucas?
– Então doutor; estávamos dormindo. E em determinado momento, acho que por volta das cinco da manhã, eu acordei com Andressa em pé fora da cama. Ela me balançava e chamava alto pelo meu nome, quase que gritando. Quando eu perguntei o que estava acontecendo ela desabou no chão e dai em diante o senhor já sabe; aconteceu o de sempre. Porém, a convulsão aparentava estar mais forte que o normal, e por essa razão eu chamei a emergência, pois fiquei com muito medo.
– Entendi Lucas, você fez certo. E como foi a noite anterior de vocês? Vocês dormiram tarde? Comeram algo diferente antes de dormir?
– Não doutor. Como ontem foi sexta feira, apenas pedimos uma pizza quando eu cheguei do trabalho e depois assistimos a um filme. Em seguida, fomos dormir cedo.
– Certo. E como andam as alucinações dela?
– Estão do mesmo jeito. Ela continua dizendo que está escutando passos e vozes em casa, durante a noite.
– Entendi. – Na sequencia, o Doutor começa a fazer anotações na ficha de Andressa. Mas logo, extremamente atônito, Lucas o interrompe.
– Doutor, onde ela está agora?
– Fique tranquilo. Ela está na sala de medicações. Já está recebendo o tratamento com as enfermeiras. – Diz o Doutor, enquanto finaliza as anotações. Ele escreve e preenche os últimos campos da ficha, e quando termina, ele passa a dar as últimas recomendações médicas.
– Bom Lucas… eu acho que ainda é cedo para concluirmos sobre qualquer coisa. Mas, infelizmente, ainda não podemos descartar a possibilidade de isso tudo ser o inicio daquela doença mental que conversamos. Pelo que você me falou, está evidente que os sintomas ainda não desapareceram. Então, vamos trocar a medicação dela pelo período de um mês. – Olavo apanha a guia de receitas e passa a rabiscar umas três ou quatro ilegíveis palavras nela. Em seguida, ele se vira para Lucas.
– Quero que você não ministre mais o Amplictil. Porque a partir de agora passaremos a ministrar o Haldol Decanoato.
– Certo Doutor. E qual a dosagem desse medicamento?
– Dez gotas, sempre durante o jantar, ou antes de ela dormir.
– Combinado.
Enquanto isso, não longe dali, Andressa está na sala de enfermaria, tomando uma alta dosagem de Dipirona intravenosa. Aos poucos, ela vai acordando e se lembrando de tudo o que ocorreu durante a madrugada (exceto os momentos da convulsão) e de como ela deve ter ido parar no hospital. Uma enfermeira passa perto do local, e Andressa diz que precisa usar um telefone imediatamente. A enfermeira, prontamente, entrega um aparelho sem fio para Andressa que, com extrema dificuldade, passa a discar para um velho e conhecido número. Do outro lado da linha, uma suave e confortável voz masculina atende rapidamente o telefone.
– Alô, quem fala?
– Pai, é você?
– Alô filha. Sim sou eu? Está tudo bem? – Diz Elias, o pai de Andressa.
– Sim pai está tudo bem. Não fique preocupado. Mas eu acho que eu passei mal novamente e eu estou no hospital tomando medicamentos. Acredito que o Lucas me trouxe aqui.
– Mas está tudo bem filha?
– Sim pai, pode ficar tranquilo que eu estou me sentindo bem. Mas pai, eu quero dizer uma coisa muito séria para você!
– Pode falar filha.
– Você se lembra do que eu te falei sobre o Lucas?
– Sim filha eu me lembro.
– Então… cada dia que se passa ele está ficando pior. Se tiver alguém que está ficando louco, esse alguém é ele! O Lucas está tendo umas atitudes muito estranhas. Ele não acredita em mais nada do que eu falo, sem contar que eu percebi que ele está tentando me dar uns remédios estranhos. Acho que é por isso que eu estou passando mal e … – Nesse momento, o pai de Andressa a interrompe.
– Andressa, fique calma filha. Agente sabe do sério problema pelo qual você está passando. O Lucas me contou tudo também e… – Dessa vez, Andressa é quem interrompe o pai.
– Meu Deus pai! Abra os olhos! Ninguém está acreditando em mim! – A jovem, inevitavelmente, começa a chorar, e seu pai tenta consola-la.
– Andressa, vai ficar tudo bem, fique tranquila. Só peço que você tenha paciência, pois tudo o que o Lucas está fazendo é para o seu bem. Ele não vai fazer nada para te prejudicar. Todos os medicamentes que ele te deu foram recomendados pelo médico.
– Pai, mas porque o próprio médico não fala para mim desses remédios? O tal do Doutor Olavo só fica perguntando besteiras para mim como se eu fosse uma criança de dez anos. Eu não estou ficando louca! Você está me entendendo pai! Eu não estou ficando Louca! – Andressa aumenta o tom de voz enquanto fala com o seu pai, e é rapidamente repreendida por uma enfermeira.
– Moça! Eu deixei você usar o celular para conversar! Não para brigar. Por favor, você poderia desligar, porque isso aqui é um hospital!
– Está bom. Desculpa. – Diz Andressa à enfermeira. Novamente ela coloca o celular no ouvido e, falando baixo, retorna ao dialogo com seu pai.
– Pai eu vou ter que desligar. Mas peço mais uma vez que você acredite em mim. O que o senhor acha de dar um pulinho em casa amanhã para podermos conversar com calma sobre tudo o que está acontecendo? Quero aproveitar para te contar sobre algo muito estranho que ocorreu em casa nessa madrugada!
– Certo filha. Eu vou tentar ir até a sua casa amanhã sim.
– Combinado pai. Vou te esperar. Beijo… te amo.
– Te amo também filha.
Andressa desliga o celular, chorando compulsivamente. Na sua cabeça ela se limita a pensar sobre seus problemas.
– Droga, o que eu vou fazer? Ninguém acredita em mim!
Não muito longe dali, Lucas acaba de deixar a sala do doutor Olavo, e dirige-se para a sala de medicações. Ao chegar lá, ele fica surpreso ao ver que Andressa está chorando.
– O que foi amor? – Lucas estende os braços, e recebe um forte abraço de sua esposa que, chorando muito, se limita a lamentar brevemente sobre o ombro de seu marido.
– Amor, o que está acontecendo com agente?
– Acalme-se Andressa. Tudo vai ficar bem querida!
Terminada a sessão de medicações, o casal deixa o hospital. Andressa está com o corpo extremamente cansado em razão da forte convulsão pela qual passou na madrugada. Isso faz com que eles caminhem bem lentamente até o ponto de táxi. No caminho, Andressa aproveita para questionar seu marido.
– Amor, agora me fale; o que houve com você depois que deixou o banheiro para ir até o quarto ver o que estava acontecendo?
– Como assim? Você está falando ontem, após eu escovar os dentes?
– Não amor! Hoje de madrugada. Quando eu cheguei ao banheiro e vi que tinha… – Com uma parada brusca, Lucas fica de frente para sua esposa, e coloca suas duas mãos nos ombros de Andressa.
– Andressa. Amor, me desculpe. Mas você tem que fazer um esforço para entender que ultimamente você acredita que está vendo e escutando coisas que, na verdade, estão apenas na sua cabeça!
– Não amor! – Andressa volta a chorar. Ela abraça forte o corpo de seu marido, enquanto seus olhos, estupidamente inchados, expulsam lagrimas de desespero. A jovem decide de uma vez por todas desistir de lutar a favor de sua realidade. Ela passa a temer o fato de que quanto mais ela tenta dar explicações, mais seu marido e sua família acreditam que ela está mentalmente confusa e perturbada. Ela se sente como se estivesse sendo devorada por uma areia movediça, que faz com que cada investida em favor da liberdade faça com que mais rápido ela seja tragada para o fundo.
Quarenta minutos depois, o casal já está de volta à sua residência. Silenciosamente os dois entram na casa e se sentam no sofá da sala. Andressa ajeita sua cabeça no colo de Lucas e fecha os seus cansados olhos, enquanto Lucas se limita a fazer um carinho medíocre na cabeça de sua esposa. Andressa dorme. Lucas, ao perceber que sua esposa dormiu, carrega-a em seus braços e a conduz ao quarto no andar de cima da residência. Chegando ao quarto, Andressa é suavemente colocada sobre a cama. Nesse momento, Lucas sussurra umas palavras no ouvido da Jovem.
– Amor. Pode dormir tranquila. Mais tarde, quando eu terminar de preparar o jantar eu te chamo. Pode descansar em paz. – Lucas cobre sua esposa, que deitada sobre a cama apenas resmunga alguma coisa incompreensível. A luz é desligada e Lucas deixa o quarto, fechando a porta.
Continua…