[Conto] Crônicas do Abismo: Flor do oriente

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Por Youil El-Margi

Na imensidão da criação corro sem rumo ao crepúsculo contornado de rosas, esperando, como sempre, chegar ao meu destino que já a muito havia esquecido.

Passos e passos, a profunda pisada que mancha o vale da criação é o único som que se ouve. Pensamentos percorrem a mente que em confusão não se sabe mais o motivo de continuar a inacabável jornada. A esperança com os milênios se foi, a fé com o tempo se perdeu. Nada resta, apenas seguir em frente.

A noite vem como um manto que cobrira o céu. A gelidez por sua vez apagara até mesmo as mais brilhantes estrelas. Mesmo o fogo da alma se esfria com a desolação onde me encontro, desejando finalmente merecer o eterno descanso, o sono sem sonho que por tempos tanto repudiei.

A alma já não pode mais ser reconhecida, os olhos vazios não são nem uma fagulha do que eram em juventude. O mar vermelho, as rosas que me acompanharam por décadas, se tornaram a amarelada areia de um deserto. O ar que outrora sufocara com sua frigidez agora queimara meus pulmões.

“Do que adianta continuar…” A alma perguntara a si mesma. “Que sagrada relíquia estou perseguindo pela eternidade?” Continuava seu monólogo…

Risos que pareciam sinos foram ouvidos… Risos, risos, risos.

O silencio voltou ao mundo, o lamento por segundos não existira mais. A alma fitava a sua frente uma jovem de cabelos e olhos igualmente negros, com um branco vestido que lhe cobria quase por inteiro, deixando somente seus pés de fora.

“Venha, venha nobre cavaleiro” dizia calmamente. “Ao que parece, merece descansar.”

Um Oasis se abriu diante da atormentada alma, e junto uma grande sombra do nada surgiu para proteger os dois do fogo do que em outra época se chamava de sol.

“Nobre cavaleiro… O que te traz aqui?”

“Nobre… Não mereço ser chamado de tal maneira” Respondera áspero. “Mas me perguntas o que faço em tal lugar? Tenho que lamentar, pois não mais sei o porquê de minha jornada.”

“Errante é o que se tornas-te?” Por sua vez, a voz da donzela continuava serena. Em resposta, a alma somente ficou calada. “Teu passado ainda o persegues…”

“Meu passado é a sombra que devora meu caminho” respondera.

“Caminho, caminho.” A jovem levantou-se e passou a caminhar perto do lago que se estendia deserto adentro. Com um gesto, ela apontou para uma direção e sussurrou ao vento que por sua vez entregou seu recado, “Siga ao oriente, algo de bom lhe aguarda.”

O véu da escuridão novamente cobrira o céu. A solitária alma se reergue confusa ao perceber que sua companhia não se encontrara mais ao seu lado. Invés da fúria do abandono percorrer suas veias, o cavaleiro de armadura acinzentada começa uma nova jornada. “Ao oriente” sussurrou suas palavras, com fé que seriam entregues a musa do deserto. “A esperança de encontra-la novamente… Me manterá desperto nessa jornada, Flor do Oriente, minha amada esquecida.” Repetira incessantemente a frase da razão de sua desolação. Que por eras de trevas lhe apagaram o rosto de sua amada, que prometera por tudo que voltaria para ela no final de sua jornada.

A alma lembrara como se acabara de acontecer. A feição de sua amada, de grandes olhos amendoados, e cabelos tão negros que nem a noite se compara a eles. Seu eterno e sincero sorriso lhe dera a confiança de que ela esperaria sua volta, não importasse o quanto demorasse.

“Lhe prometo por essas terras que irei retornar triunfante”, dissera confiante.

“Não prometa para uma mulher o que não se pode cumprir” Sua amada lhe respondera, censurando-o. “Prometa-me que apenas voltara.”

Na imensidão da criação, corro rumando ao crepúsculo contornado pela dourada areia, esperando, como sempre, chegar ao meu destino, apenas para reencontra-la, minha amada, e pronunciar uma vez mais seu nome… Seu doce nome.

Minha amada.