Por Alan Cosme
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Na hora e local marcados ele compareceu, sua mulher queria vir junto, mas ele não permitiu. Podia ser perigoso. O encontro se daria em uma casa que parecia acima de qualquer suspeita. Uma casa simples de subúrbio que não havia sido rebocada ainda. Diante da porta de entrada Marcos checava atentamente o endereço no cartão para ter certeza de que não havia se enganado. Estava correto. O lugar era aquele mesmo. O vidente bateu na porta. Quem atendeu foi a figura mais inusitada possível.
Pescoçudo, pele de um cinza quase branco, grandes olhos negros. Aquela criatura batia com a descrição da história que sua mãe lhe contou sobre a abdução de seu pai.
Por sobre o ombro do alienígena Marcos pôde ver que o interior daquela casa não tinha relação alguma com sua parte externa. As paredes eram modernas, futurísticas. Mais parecia o interior de uma nave de filme de ficção científica. E isso tudo nem era o mais alarmante. O que mais chamava a atenção do vidente era a impressão que o interior da casa era maior do que a parte de fora. Muito maior. Como isso seria possível?
– Vai entrar ou não? – Perguntou o alienígena impaciente. Marcos acaba se tocando que estava fazendo papel de bobo, paradão sem falar nada.
– Sim. – Disse Marcos meio sem jeito. – Eu recebi um convite.
– Claro que recebeu. Do contrário você nunca encontraria essa casa. Entre. Me acompanhe, ela o aguarda.
Marcos acompanhou o alien até uma das salas da casa. Os dois caminharam por longos corredores. O vidente calculou mentalmente, nunca que todo aquele espaço caberia naquele bairro. Como se pudesse ler sua duvida, o etê veio com a resposta.
– Esse imóvel usa tecnologia de manipulação de dimensão bolsão. Isso permite que o lugar ocupe bem menos espaço do que deveria. Por isso o lado de fora da casa é bem menor do que o de dentro.
– Ah, tá. – Disse Marcos fingindo compreender tudo.
Durante o caminho o vidente viu várias pessoas das mais diferentes etnias. Algumas delas inclusive faziam parte de algum grupo étnico difícil de se classificar. Marcos nunca tinha visto nada parecido antes. As roupas usadas pelas pessoas também variavam muito. Marcos teve a impressão de que estava em uma festa a fantasia. O gray que o guiava não era o único. Até chegar a sala onde Neide aguardava Marcos viu mais cinco deles.
A porta parecia ter sensor de movimento. Sem maçaneta, abria automaticamente quando alguém se aproximava. Ela deslizava para cima, desbloqueando a passagem.
O gray deixou Marcos sozinho em uma sala onde havia uma série de cinco caixões colocados lado a lado. Não eram bem caixões, eram câmaras de recuperação. O vidente teve essa impressão ao ver por um circulo de vidro pessoas dormindo lá dentro.
Uma das câmaras se abriu. Neide saiu de lá de dentro. Ela estava tão molhada que chegava a pingar. As câmaras eram cheias de água. O vidente não entendia como as pessoas lá dentro não se afogavam.
Por um bom momento Marcos ficou olhando para Neide com cara de bobo. Ela estava perfeita, seu lado direito não estava mais queimado, deformado. A mulher saiu da câmara como veio ao mundo, apesar disso não ficou envergonhada de se expor ao vidente. Ele, por outro lado, parecia bem desconsertado. Parecia também estar hipnotizado por aqueles quadris largos.
Neide foi até um armário ali perto e pegou suas roupas. Se vestiu ali mesmo, na frente de Marcos.
– Você só falta babar.
– Oi? – Se dando conta de sua falta de tato Marcos ficou mais envergonhado ainda. Para disfarçar ele resolveu conduzir o assunto da conversa. Tratando logo do que interessava. – O que é isso tudo? O que são vocês? Vocês sabem o que eu sou?
– Todas essas perguntas têm a mesma resposta. Uma resposta um tanto comprida, mas que irei te explicar.
– Sou um maluco?
– Não.
– Sou um médium? Um vidente? Um profeta? Um enviado de Deus?
– Não.
– Sou um bruxo?
– Não.
– Sou um ciborgue? Robô? Androide?
– Não.
– Sou um semideus? Uma divindade? Um anjo? Um demônio?
– Não.
– Sou um alienígena?
– Não.
– Sou um mutante? Super herói de quadrinho?
– Não.
– Sou fruto de alguma experiência secreta do governo?
– Não.
– Eu sou o quê então?
– Você é um ômega.
***
Alfa e ômega.
Início e fim.
Três trilhões de anos no futuro. Depois do fim dos tempos. Depois do fim do mundo. Depois do Apocalipse. Paraíso na Terra. Paraíso nas terras. Felicidade suprema.
Ponto ômega.
A nave tinha o formato ovalado, não possuía nenhum sistema de propulsão evidente. Não respeitava nenhuma regra da aerodinâmica, mas voava. A nave estacionou em uma pista de pouso que já a esperava. Funcionários do porto vieram ajudar o piloto a desembarcar. Homenzinhos pequenos e atarracados que eram muito bons em trabalhos braçais.
Logo após acoplar a nave, o piloto saiu de seu interior. Um homem vestido todo de branco, com um cabelo louro comprido. Com exceção do topo e da longa cabeleireira, sua cabeça era raspada. Dando a ele um aspecto que aos nossos olhos pareceria algo meio Punk. Calça branca, blusa branca, jaqueta branca, sapatos brancos… Ele usava tanto branco que chegava a doer na vista.
O piloto era humano, parecia humano, mas tinha algo de diferente. Seu tom de pele e alguns de seus traços físicos o diferenciavam de nós. Suas características são oriundas de um grupo étnico não existente no século XXI. Se andasse por nossas ruas ele conseguiria passar despercebido tranquilamente. Suas diferenças em relação as pessoas do nosso tempo eram bem sutis, só olhos mais atentos enxergariam.
O homem de branco segue até uma sala onde cinco aliens espionavam através de um monitor líquido um gurgel azul modelo 1970 trafegar pelas ruas de seu tempo. – Ele é um bom candidato. – Disse um dos etês para o louro cabeludo.
– Ok, prossigam.
Ficaram famosos através do cinema e das histórias de abdução, eles são a origem do clássico visual de etê: os olhos grandes e negros, a pele cinza. As pessoas de nosso tempo, principalmente os aficionados por ufologia, até deram um apelido para eles: grays. Porém estavam errados, eles não são alienígenas. Os tais grays têm origem na Terra, são nada mais nada menos do que uma das evoluções do homo sapiens. Uma evolução que só irá existir bilhões e bilhões de anos no futuro.
Os grays acionaram um mecanismo com o poder de afetar a vida de uma pessoa que estava vivendo há quase incontáveis séculos atrás. Os falsos aliens abduziram o homem e fizeram experimentos com ele. Tiraram a informação que mais precisavam, o seu DNA.
Cultura diferente, a ideia que os ômegas têm de família é muito distante da nossa. Seus filhos não nascem de uma relação sexual entre um pai e uma mãe. Seus bebês nascem em laboratório. Seus bebês não são responsabilidade de um pequeno grupo familiar de três ou quatro indivíduos. Seus bebês são responsabilidade de toda a comunidade.
Uma forma que os ômegas desenvolveram para captar o conhecimento de todos os tempos é enviar seus filhos para ter uma educação em outro período. Eles chegaram a conclusão que estudar uma cultura de fora não dava para gerar um grande entendimento, só uma visão superficial.
Eles pegam um bebê nativo aleatório e o trocam por um dos seus bebês. Quando o bebê ômega infiltrado crescesse e atingisse a idade adulta ele era trazido de volta, podendo contribuir para a sociedade ômega com o estilo de vida e pensamento que desenvolveu na cultura em que foi criado.
Tal técnica fez os ômegas se tornarem o ápice da evolução.
Muitos saberes e ciências são perdidos ao longo do tempo, os ômegas estão conseguindo recuperar todos.
Uma sociedade fenotipicamente muito variada, você encontraria ômegas de todos os tipos. Que pareciam neandertais, que se assemelhavam a homo sapiens, que pareciam grays, que pareciam homo erectus, que pareciam homo habilis, que possuíam características físicas misturadas desses espécimes citados.
A diferença que tinham entre si era só aparente. No fundo todos eram ômega.
Para o senhor Mignola, o homem que fora abduzido, se passaram dois anos. Para os grays que operavam a máquina tudo ocorreu no mesmo dia de trabalho. Como decidido eles capturaram o bebê, o filho do senhor Mignola. Algo deu errado, não era para o homem ter presenciado a captura do nenê. No entanto, os grays chegaram a um consenso que tal equivoco não seria relevante no panorama geral.
Em uma outra sala o bebê que estava sendo gerado artificialmente já estava pronto. Eles se preparavam para a substituição. Com o DNA capturado do senhor Mignola o rebento foi criado com traços físicos similares. Aparentemente a criança era um homo sapiens como qualquer outro, mas não era.
Entre a vasta gama de habilidades que o falso Marcos Mignola recebera estava o contato maior com tudo o que era imaterial. O falso Marcos foi feito para ter um dom de interagir com o que é considerado por nós como sobrenatural. Definição já superada no ponto ômega. O termo sobrenatural passa a ideia de algo que está acima do que é natural, do que é da natureza. Os ômegas consideram fantasmas, deuses, vida após a morte como coisas naturais. Logo não usam esse termo.
O falso Marcos Mignola é posto no lugar do verdadeiro Marcos Mignola. O pai assisti tudo. Por algum tempo faz indagações e protestos, mas acaba sendo vencido. A pressão da sociedade em que vivia foi muito importante para calá-lo. Como os grays previram o fato dele presenciar a operação não fez diferença alguma.
***
Por toda sua vida Marcos buscou entender o que ele era. Agora que a resposta lhe foi entregue ele sentia um conflito. Parte dele preferia ter sido deixado na ignorância.
– Isso é…
– Eu sei, é um pouco demais para se digerir assim de vez. Mas você logo se acostuma com a ideia.
– Por que vocês não me disseram logo? Eu podia ter sido poupado de tanta coisa!
– Muito mais do que seus genes, são suas experiências que formam o que você é. Preferimos deixá-lo se desenvolver sozinho antes de começarmos a intervir. Parabéns, você se mostrou já preparado. Será aceito de volta entre nós. Onde você pertence.
Marcos pensou um pouco sobre os últimos acontecimentos e chegou a uma conclusão. – A mudança dos meus exames. Vocês têm algo a ver com isso, não é?
– Foi para o seu bem.
– As maiores merdas que fizeram com a minha vida foram para o “meu próprio bem”. Você tem noção do que eu passei por causa disso?!
– Mas isso é passado, não é? Comparado ao que você terá pela frente em sua vida todo o sofrimento vivido vai parecer nada. Sua mente não consegue nem conceber o que te espera. Um nível de liberdade e felicidade inimagináveis. Esse é o fim dos tempos. Esse é o seu local de origem. Esse é o ponto ômega.
– A oferta é tentadora, mas prefiro ficar por aqui mesmo.
– Como?!
– Você ouviu. – Marcos deu sua resposta final enquanto caminhava em direção a saída.
– Estou te oferecendo o Paraíso. Como alguém pode dar as costas para algo assim?!
– Já deixei os outros decidirem por mim durante muito tempo. Já chega. Serei eu a escolher onde vou criar meu Paraíso.
Marcos já estava do lado de fora da casa quando Neide falou sua última frase. – Que bonitinho! Você deseja ficar só por causa dela. Não tem problema, a gente espera. Nós temos todo o tempo do mundo, ela não.
Ele se virou só para pedir que Neide se explicasse melhor. Ao olhar para trás, no entanto, Marcos não viu mais nada. Misteriosamente a casa havia sumido.
***
– O pássaro cuco, cujo nome cientifico é Cuculus canorus, é considerado por muitos como uma ave parasita. Quando a fêmea põe um ovo ela tem o habito de invadir o ninho de pássaros de outras espécies. A fêmea cuco elimina um dos ovos de sua vítima e coloca o seu próprio no lugar. Com isso seu filho passa a ser criado por uma outra ave como se fosse da sua própria prole.
– Você gosta mesmo desses documentários, não é?
Marcos Mignola assistia a um documentário sobre vida animal quando sua esposa chegou do trabalho. Lorelei é recebida com uma bitoquinha rápida. Logo em seguida ela vai para o banheiro tomar uma chuveirada.
– Descobriu alguma coisa? – Perguntou a psicóloga.
Antes de responder a pergunta Marcos ponderou se deveria ou não dividir aquela descoberta com sua esposa. No final ele decidiu que talvez tudo aquilo fosse demais até mesmo para alguém como ela. – Sou um vidente. Exatamente como você dizia.
– Que bom. – Com a porta do banheiro entreaberta Lorelei pede para que Marcos a acompanhasse no banho. Ele, claro, aceita.
Marcos e Lorelei não haviam se casado ainda, mas isso era questão de tempo. O casal já estava morando junto. Os dois juntaram suas economias e conseguiram arranjar um apartamento que era melhor do que a casa amarela feia de Lorelei e a casa de três andares onde Marcos fazia suas consultas.
– Amor, acho que está na hora de eu arranjar um trabalho mais estável.
– Como o quê?
Após o banho Marcos pegou uma apostila de concurso público, dessas que vendem em banca, e mostrou para sua esposa. – Mais estabilidade que emprego público impossível.
– E suas consultas?
– Faço no tempo livre. Dessa vez sem fins lucrativos.
– O que você achar melhor.
Juntos no sofá, agarradinhos, o casal assistiu por mais algum tempo o documentário sobre o curioso cuco. No meio do programa o assunto passou a ser desinteressante até mesmo para Marcos que gostava de descobrir sobre as coisas do mundo.
A tevê foi desligada, o casal passou a se ocupar com algo mais interessante.
Começou o vai e vem.
Como de costume, o cenário a volta do casal começou a mudar. Tudo ficou mais bonito. Eles agora estavam em um quarto palaciano tipico de contos de fada.
Na porta dupla que levava a saída do quarto uma batida forte se fazia presente e uma voz imperiosa emanou do outro lado. Seu dono era um velho barbudo que passava a maior parte do seu tempo fumando cachimbo. – Vocês de novo! Saiam da minha casa!
Já acostumados com a situação, Marcos e Lorelei usaram a janela como saída de emergência.
***
Heitor Sacramento pediu para se ausentar da delegacia aquela manhã. Com uma pasta cheia de documentos ele pretendia passar em um cartório para autenticar a papelada. Sua esposa planejava abrir um pequeno negócio. Como um bom marido, ele decidiu fazer esse agrado a ela.
A fila demorava um pouco, como de costume. Enquanto esperava sua vez, o delegado olhava para o funcionário que estava atendendo e teve a nítida impressão de já tê-lo visto antes. Mas onde?
Vestido daquele jeito formal o homem parecia outra pessoa. Heitor estava acostumado a vê-lo sempre com roupas bem diferentes por isso demorou a reconhecê-lo. Uma tatuagem de um olho dentro de uma estrela estilizada de quatro pontas na mão do sujeito fez com que a identificação fosse imediata.
– Filho da puta!
– Bom dia, senhor. Em que posso ajudá-lo?
O sorriso cordial de Marcos era recebido por Heitor como uma afronta.
– Você sempre escapando das coisas que faz, não é? – Marcos se fez de desentendido. – Mas é questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde eu vou conseguir jogá-lo na cela mais lotada e suja. Depois disso vou me certificar de que nunca mais você vá sair de lá.
Ignorando a ameaça, Marcos pegou a papelada na mão do delegado e continuou com seu trabalho. Fez questão de encontrar todos os empecilhos possíveis e de atrasar a burocracia o máximo que pôde.
***
Ele olhou para o seu relógio de pulso. Vinte e duas horas, havia chegado o momento.
Apesar de já ter ultrapassado a casa dos sessenta, dificilmente alguém daria mais do que cinquenta anos para ele. Quando perguntado qual era seu segredo para tanta boa forma ele sempre respondia que eram os exercícios e a alimentação regrada. Mentira. O motivo de seu envelhecimento retardado era bem outro.
Empresário dono de uma marca que vale milhões. Marido com um longo casamento sólido. Pai de dois filhos que só dão orgulho. Filantropo que ajuda várias instituições de caridade.
Sua vida era considerada perfeita para os padrões capitalistas burgueses. Por causa disso ele atraia muita inveja. Por causa disso ele tratou de se proteger bem do olho gordo daqueles que queriam estar no seu lugar.
Quando perguntado por terceiros ele dizia que não acreditava nesse “tipo de coisa”. Poder da inveja, energia negativa, espiritualidade. Outra mentira.
Filho de alemães imigrantes, dos seus pais ele herdou a cara fechada, os cabelos quase prateados e a pele bem branca. Seu nome era Filipe Liebcraft.
Assim que seu relógio marcou o horário programado Filipe saiu do seu escritório e foi até um outro ponto da cidade, onde iria começar uma reunião secreta.
Maçonaria, Rosa Cruz, Thelema… Muitos consideram tais grupos como sociedades secretas, estão errados, o termo mais correto seria sociedades com segredos. Todos conhecem a existência desses grupos, logo não são assim tão secretos. Seus segredos são muito mais comuns, mundanos e sem graça do que os mais fanáticos maquinam. Histórias de satanismo ou plano de dominação mundial são pura crendice absurda. Esses grupos mantêm algumas de seus saberes escondidos do grande publico no intuito de não “vulgarizar” seu conhecimento. A população em geral não está preparada para ser apresentada a certas ideias. Por isso tais grupos possuem uma série de níveis que servem para compartilharem seus saberes só com quem está preparado para recebê-los.
Filipe Liebcraft não fazia parte de nenhuma dessas sociedades ditas secretas, ele fazia parte de uma sociedade secreta de verdade.
Ninguém nunca ouviu falar do Culto ao Ômega.
Na lateral do prédio havia uma pichação discreta no canto inferior da parede que passava despercebida pela maioria das pessoas. O símbolo lembrava um U de cabeça para baixo, o símbolo do ômega.
Para a maioria das pessoas aquele prédio era só um centro empresarial qualquer.
Tudo fachada.
O décimo terceiro andar era fechado ao público, os elevadores comuns não tinham acesso a ele. Algumas pessoas se perguntavam o porquê de na numeração de botões no painel do elevador não haver o número treze, pulando do doze ao quatorze. Ninguém nunca se aprofundou muito na duvida. Logo aquela características do lugar virou só uma curiosidade. Alguns diziam que isso era herança americana. Nos EUA é comum encontrar prédios cujo décimo terceiro andar é chamado de décimo quarto. Isso devido a superstição de que o número treze dá azar.
O que poucos sabem, já que ninguém se dava ao trabalho de contar os andares do lado de fora do prédio, era que a construção tinha um décimo terceiro andar. No entanto, para ter acesso a ele era preciso usar um elevador escondido que só tinha aquele proposito.
Um elevador que só os membros do Culto ao Ômega podiam usar.
No térreo havia uma sala com uma plaquinha de “em obras” na porta. Filipe ignora o aviso e entra nela. A reforma daquela sala nunca terminava. Mais uma mentira. A sala só servia para esconder o elevador secreto. O disfarce era tão bom que a porta da sala nem precisava ficar trancada. As pessoas que trabalhavam no prédio e que não faziam parte da ordem simplesmente a ignoravam.
Em uma visão superficial o décimo terceiro parecia idêntico a qualquer outro andar do prédio. Ao entrar em uma de suas salas essa impressão mudava. No local onde as sessões da ordem se desenrolavam havia poucas janelas e muitas cortinas escuras e grossas. O espaço era grande, do tamanho de um auditório. A mesa era retangular e espaçosa, permitindo que trinta pessoas se sentassem nela. A ordem contava com setenta e dois membros, a maioria acabava tendo que ficar em pé. Nesse caso geralmente os mais jovens ou os mais novos iniciados.
As paredes eram ornadas com vários símbolos de diferentes culturas. Algumas das culturas representadas nem mesmo surgiram ainda.
Faltava meia hora para começar a sessão, os membros já estavam quase todos presentes.
Preparando os últimos detalhes, Liebcraft pega uma vassoura e dá uma varrida no auditório. No mundo lá fora ele podia ser um empresário bem sucedido com vários empregados a sua disposição. Lá dentro ele era só mais um membro. Não tendo regalias, ele tinha que fazer alguns trabalhos braçais como todo mundo. Uma lição de humildade que ninguém se queixava. Até porque se os membros antigos detectassem arrogância ou prepotência em um candidato ele nunca chegaria a fazer parte da ordem.
Zero hora. Meia noite. A sessão tem início.
Como membro antigo, Liebcraft tinha o direito de sentar perto de um dos cantos da mesa.
Na quina, tendo uma posição de destaque, se encontrava o escritor e estudioso Ezequiel Barbosa. Entre suas contribuições para o meio acadêmico estava o lançamento do livro Olhando Através do Véu.
Ao lado de Ezequiel, estava presente uma jovem de vinte e dois anos. A única pessoa com menos de trinta que tinha ganho o direito de se sentar a mesa. Seu nome: Soraia.
– Tem alguém aí? – Perguntou Ezequiel mirando o nada. O auditório estava lotado. O estudioso não perguntava pelas pessoas encarnadas.
Um dos homens em pé sentiu uma tontura e quase desmaia, precisando ser segurado por dois colegas. Uma mulher de quarenta anos sentada a mesa sente o mesmo. Um garoto de dezesseis anos em pé também.
Os três respondem ao mesmo tempo, em uníssono. As vozes que saiam de suas bocas não eram mais as deles. Os três compartilhavam a mesma voz. A entidade que se anunciou era tão poderosa que um médium sozinho não era suficiente para recebê-la. Houve a necessidade de três. E mesmo assim o contato tinha que ser breve. Se o espírito ficasse usando aqueles cérebros por muito tempo eles não aguentariam a carga. A entidade não era uma pessoa falecida, não era um orixá, não era o suposto espírito santo.
Era um ômega.
– Um novo ômega se revelou. Ele recusou o chamado dos seus. Preferiu ficar nesse tempo, nesse plano. Eu o quero para mim.
– Um novo ômega se revelou. Ele recusou o chamado dos seus. Preferiu ficar nesse tempo, nesse plano. Eu o quero para mim.
– Um novo ômega se revelou. Ele recusou o chamado dos seus. Preferiu ficar nesse tempo, nesse plano. Eu o quero para mim.
Ezequiel era o mediador entre a entidade e os membros do Culto ao Ômega. Só ele se dirigia ao espírito futurista.
– Mestre Ayreon, não fazemos ideia de como nos aproximar desse ômega imergente. Nem sabemos ao certo quem ele é e…
– Todos vocês ganharam muito devido ao meu suporte. Dinheiro, sexo, poder, influência. Por um momento acharam que minha boa vontade veio de graça? Vocês são meus criados e quero ver resultados de nossa relação. Se não puderem me ajudar terei que procurar por outros funcionários mais capacitados.
Em uma atitude ousada Soraia toma a palavra. Não era permitido a ninguém, fora Ezequiel, trocar ideias com o ômega que era o patrono daquela casa.
– O nome dele é Marcos Mignola. Eu o conheço muito bem, nós já fomos namorados inclusive.
Ezequiel olhou para Soraia com um olhar fulminante. – Existe alguém nessa cidade que você não levou para cama?! Cala boca, sua pu…
– Deixe ela falar. – Cortou Ayreon usando três bocas e uma voz que beirava o gutural. – Ao menos ela demonstra ser útil.
– Nós não somos mais namorados, mesmo assim ele continua confiando inteiramente em mim. Para ser mais clara: ele está na palma da minha mão. Basta eu estalar os dedos e ele vem correndo.
– Excelente! Faça os preparativos necessários, peça o que precisar. Se você conseguir atraí-lo a mim eu te darei essa linha temporal inteira como prêmio.
Com essa última frase a entidade vai embora deixando três médiuns com uma enxaqueca infernal e Ezequiel com uma imensa dor de cotovelo.
Continua…