De volta ao trabalho
Por Gabriel Mendes
Por volta do meio dia todos estavam prontos. Cada um pegou suas armas, se equipou, recolheu seu equipamento e, depois disso, partiram. Estava na hora de ir investigar a presença maligna próxima a Haggem. Eles alugaram cavalos novos e partiram pela estrada de terra de terra rumo a Oeste. A estrada era uma ravina larga, que separava duas cadeias de montanhas. Ley e Guilherme iam à frente do grupo, afastados do resto, Wanda os seguia 20 metros atrás, Jed a seguia a dez metros de distância e Lily e Gustaff cavalgavam lado o lado logo atrás dele. Gustaff e Lily continuavam a conversa sobre animais de estimação, Jed estava calado e Wanda observava Ley e Guilherme, que estavam conversando.
– Ainda tá puto comigo? – Perguntou Ley.
– Preciso responder? – Retrucou Guilherme, irritado.
– Acabou de me dar a resposta. – Ley conteve o riso. Era muito bom fazer piadas com os amigos.
– Acho que o que você fez foi coisa de filho da puta. – Acrescentou Guilherme ao ver o sorriso se formando na boca de Ley. O Ranger sentia um frio estranho na barriga. Logo a voz conhecida da entidade começou a murmurar em sua mente. Falava mal de Ley, argumentando que ele não era bom amigo ou sequer era um amigo.
– Quando acabarmos aqui, deixaremos Gustaff, Lily e Jed terminarem o trabalho. Você vai demorar pra se recuperar do trauma que é ter a alma devorada. – Ley falava com seriedade.
– Ah! Cala a boca! – Gritou Guilherme. O Ranger parou por um instante. Teria mesmo dito aquilo? Como? Então ouviu o riso zombeteiro de Ley. Aquela risada breve, debochada e arrogante… Que raiva, que ódio!
– Você está pior do que pensei que estava. – Comentou Ley. Parte dele falava sério, a outra brincava. Ele tinha certeza que resolveria a situação, mas quanto mais demorasse mais difícil seria.
E Guilherme era só raiva. Ele queria muito socar aquele baixinho até transformá-lo em uma poça de sangue, tripas e ossos quebrados. E parou para pensar de novo. “O que está acontecendo? Como pude pensar isso?”. E voltou a trucidar Ley em seus pensamentos. Cavalgaram em silêncio por algumas horas, alternando entre passadas e trotes. Por volta das quinze horas, a estrada mudou. A estrada continuava em seu percurso normal, mas uma fenda larga surgiu nos penhascos que cercavam a estrada. O mais estranho era que, mesmo com o Sol incidindo diretamente sobre ela, a fenda continuava escura como a noite.
– É aqui. – Afirmou Guilherme com convicção – Isso é óbvio.
– Obvio demais… – Respondeu Ley.
Os outros logo chegaram até eles e ficaram observando a fenda por alguns minutos. Chegaram à conclusão de que aquela escuridão era causada por magia, o que indicava a presença de magos. A fenda era estreita, tendo dois metros de largura.
– Eu vou investigar. – Anunciou Ley.
– O que? – Espantaram-se Lily e Jed.
– Eu vou com você. – Retrucou Guilherme.
– Não… é melhor que eu vá sozinho. – Afirmou Ley – Eu posso enxergar no escuro e quando estou no escuro… – Ele deixou a frase no ar. Todos sabiam a resposta. Ley era, de longe, o mais poderoso do grupo. Seus poderes eram limitados pela luz do Sol e, quando a noite chegava, ele se tornava mais rápido do que uma flecha, sua espada assobiava morte, sua magia o tornava invencível e nada nem ninguém conseguia vê-lo ou ouvi-lo.
– Eu insisto em ir. – Respondeu Guilherme.
– Então boa sorte me acompanhando… – Retrucou Ley. Uma mão pequena e macia agarrou seu braço. Era Wanda.
– Tome cuidado. – Disse ela, abraçando-o. Ele retribuiu aquele abraço.
Ley entrou na frente de Guilherme, sumindo na escuridão. Guilherme estava desacostumado ao escuro. Após quatro anos em Angband ele havia aprendido a enxergar em breus mais escuros, porém as viagens o desacostumaram a tal escuridão. Continuou a andar pela escuridão quase total até bater de frente com uma parede. Tateou o solo e as paredes à sua volta até descobrir que o corredor virava para a direita naquele ponto. Seguiu seu caminho por mais alguns minutos até enxergar, literalmente, a luz no fim do túnel. Apoiado em uma parede, um vulto humanoide olhava para fora do túnel. Guilherme, a 50 metros da figura, preparou uma flecha em seu arco e disparou. Por um momento pensou ter atingido seu alvo, até ver que sua flecha estava fincada na parede à sua direita e uma lâmina cinzenta, fria e ameaçadora estava pousada em seu ombro.
– Sou eu porra! – Sussurou Ley. Guilherme desejou que a flecha tivesse atingido o alvo. Arrancou-a da parede e foi até o fim do túnel. Ley já estava lá de novo quando ele olhou. Como ele conseguia se mover tão rápido no escuro? Por que ele era tão poderoso? O Ranger invejava muito o antigo amigo, agora de uma forma ruim.
Os dois analisaram a paisagem à sua frente. Era um campo levemente inclinado, coberto de grama verde. Vários porcos pastavam no lugar, uma queda d’água vinda da montanha inundava uma parte do terreno e criava um pequeno lago. Uma horta com diversas hortaliças era cercada por ídolos mágicos que impediam os animais de invadi-la, assim como um galinheiro na parte na alta do terreno. Descendo o terreno, chegava-se à entrada de uma caverna, que era guardada por dois iniciados.
– Eu vou lá. – Murmurou Ley.
– Eu te dou cobertura. – Respondeu Guilherme numa reação automática.
Ley caminhou lentamente terreno abaixo, passando tranquilamente pelos porcos. Chegou até a entrada com uma expressão amigável.
– Bem-vindo ao Laboratório de Pesquisa Mágica da Ordem dos Necromantes de Angband. Meu nome é Rhäynz e este é meu amigo Dörfh. – Saudou um iniciado magro, de cabelos loiros, olhos azuis e sorriso largo.
– Meu nome é Ley. – Ley os cumprimentou – Vim aqui investigar uma energia estranha vinda de vosso lar.
– Energia estranha, senhor? – Perguntou Dörfh, que era mais baixo do que Rhäyz, gordo, careca e tinha barba castanha grande e bem penteada.
– Sim. – Respondeu Ley simulando tristeza e pena em seu rosto – Parece que alguns entre vocês estão sendo corrompidos por uma força estranha, chamada de Mal.
– Eu não entendo, senhor. – Continuou Rhäynz. Dörfh enfiou a mão por dentro dos robes discretamente, pegando sua varinha.
– Uma entidade poderosíssima vem corrompendo os Elementos e é meu trabalho neutralizá-la. Meu grupo ficou na entrada da ravina e eu vim falar com vocês. Preciso entrar e limpar o lugar da influência dessa entidade. – Explicou Ley.
– Eu receio que não possa permitir sua passagem, senhor. – Afirmou Rhäynz.
– Vocês fazem ideia de quem é esse que vos fala? – Perguntou Ley mudando o tom de voz do amigável para o ameaçador.
– Não. – Rhäynz o encarou com uma falsa coragem no olhar. Dörfh estava pronto para sacar sua varinha e conjurar um feitiço.
– Já ouviram falar da Sombra de Mordhoth? – Perguntou Ley, um sorriso orgulhoso surgindo na face.
– Aquele que liderou as tropas de Angband para vitorias impossíveis durante a Segunda Era? – Perguntou Dörfh, que gostava de história – Aquele que salvou o próprio imperador Marvin da morte em combate?
– Aquele que derrotou as últimas tropas da Aliança Elementar em Felagund e subjugou o próprio Rei Élfico das Montanhas do Vento. Sim… – Continuou Ley – Esse sou eu.
Dörfh prostrou-se diante de Ley murmurando pedidos de desculpas. Rhäynz encarou o amigo sem entender. Grandes feitos de uma era remota. A Sombra de Mordhoth deveria estar morta havia séculos. Era um farsante, com certeza.
– Você acha que isso lhe dá o direito de entrar em nosso santuário? – Zombou Rhäynz – É necessário um mínimo conhecimento de magia para tal… – Ele estava inventando desculpas. E então o ambiente ficou menos claro. Rhäynz não sentia mais seu corpo, não conseguia respirar e via tudo à sua volta envolto em sombras.
– Você tem a audácia de me falar isso? – Zombou Ley, sua voz soava fantasmagórica – Você não faz ideia do que é a Magia, Rhäynz. Não são simples truques ou feitiços que ensinam a iniciados como você. Não… A Magia vai muito além de um feitiço. Você acha que sabe algo sobre isso? – Ley riu sinistramente – Acho que eu não preciso continuar o sermão, não é?
Tudo voltou ao normal. Rhäynz ajoelhou-se ofegante.
– Eu preciso entrar. – Pediu Ley, sua expressão agora era de pena – Não há necessidade de se ajoelharem.
Rhäynz e Dörfh se levantaram. O rosto de Rhäynz estava muito vermelho e se desculpava com o olhar.
Enquanto isso tudo acontecia, Guilherme descia pelo terreno se camuflando e escondendo entre os porcos. Duas flechas estavam presas à corda do arco, prontas para serem atiradas. Ele mirava os iniciados enquanto avançava. Ley conversava qualquer coisa que não lhe interessava com os alvos. E então, pensou ele, tinha três alvos. Mirou o do meio, Ley, e o da esquerda, um iniciado alto e magro, de cabelos loiros lisos cobrindo a testa e cabeça. Pensou em atirar e disparar uma terceira flecha em seguida, mas lembrou-se que Ley não era um alvo, infelizmente. Foi se aproximando com cautela e viu que um dos iniciados agarrava o próprio pescoço e a entrada da caverna estava mais escura. “Uma magia qualquer”, pensou Guilherme. Quando os iniciados se levantaram após o pedido de Ley, Guilherme estava a apenas cinco metros dos três. Saltou para frente “surgindo do nada” e mirando as duas flechas em Rhäynz, que ficou assustadíssimo.
– Que porra são vocês? – Gritou Guilherme. Rhäynz levantou os braços em defesa e Dörfh levou a mão à varinha.
– São uma ordem de magos de Angband. – Respondeu Ley – Não há necessidade d…
– Não perguntei pra você, porra! – Retrucou Guilherme gritando.
– A Ordem dos Necromantes de Angband. – Chiou Rhäynz com a voz fina.
– E quais são os seus objetivos? – Gritou Guilherme – Responda!
Guilherme parou de sentir o corpo. Caiu no chão na mesma posição em que estava, largando as duas flechas e o arco no chão. Não conseguia mexer seu corpo, mas seu olhar passeava por toda parte procurando o responsável pelo acontecimento.
– Ele estava me assustando! E ameaçando meu amigo. – Desculpou-se Dörfh a Ley.
– Foi necessário. – Suspirou Ley. Dörfh usou uma magia que paralisava completamente o corpo da pessoa atingida. Ley usou uma magia semelhante, que deixou todo o corpo de Guilherme molenga.
– Qeûim fô ô maugrrhitho… – Murmurou Guilherme com a boca mole. Era difícil falar sem conseguir mexer a língua.
– Fui eu. – Interrompeu Ley – Não precisava chegar nesse ponto.
Ley desfez sua magia. Guilherme sentiu o controle voltar ao corpo e apanhou seu arco e as duas flechas. Preparava as flechas mais uma vez quando ouviu uma ordem.
– Volte para os outros. – Era Ley – E diga que eu voltarei à noite.
Guilherme o encarou durante alguns instantes, muito tentado a desobedecer.
– Você não manda em mim! – Retrucou o Ranger.
– Você vai me obedecer… – Ameaçou Ley. Dessa vez o vale inteiro pareceu escurecer. A voz de Ley parecia vir de toda parte, exceto da boca; fantasmagórica, sinistra, ameaçadora – Volte para o acampamento e fique lá até eu voltar. E sem brigas ou confusões, ouviu bem? – Os olhos de Ley estavam semicerrados e manchas amarelas apareciam em suas íris.
Guilherme obedeceu a ordem, mas com relutância. Parou por alguns instantes antes de guardar as flechas e olhou para trás várias vezes no caminho de volta, pensando se deveria voltar ou não. Voltou para o corredor escuro e percebeu que a maior parte dele era coberta por cima e só o trecho inicial era exposto à luz do Sol. Chegou ao acampamento sem vontade de conversar ou ficar por perto, então pegou seus pertences e montou um acampamento particular no outro lado da estrada, a quinze metros de distância.
Ley entrou na caverna. Desceu pelo corredor escuro, escavado magicamente, até chegar a uma sala. O chão ao longo de todo o caminho e da própria sala era de pedra, assim como as paredes e o teto. O caminho fazia algumas curvas para a esquerda e sua inclinação era leve. A sala a qual Ley chegou era circular, iluminada por tochas penduradas ao longo das paredes. Naquele ponto havia uma trifurcação. Um mago surgiu do caminho do meio, saudando Ley.
– Bem-vindo visitante! – Dizia um homem de cabelos castanhos, porte atlético e princípio de calvície – Eu sou Autman, adepto em conjuração de espíritos. – O homem fez uma reverência – Queira me acompanhar.
Ley permaneceu calado, mas seguiu o homem pelo caminho escuro. Uma pessoa normal não enxergaria absolutamente nada naquela escuridão, não sem uma iluminação forte. Já uma pessoa de Angband não teria muitos problemas. Aquela escuridão era similar à noite de Angband e Ley enxergava alguns metros à sua frente com facilidade. Assim eram todos os caminhos da caverna. Ley e o adepto chegaram a uma ampla sala, sustentada por magia, onde alguns mestres rezavam. Quando o ritual terminou, o mais velho de todos; caolho, de barbas brancas e calvo; pegou seu cajado voltou-se para Ley.
– E nosso deus nos manda o mais ilustre dos visitantes. – Disse o ancião de voz rouca – Ora, se não é ele em pessoa. Ley, A Sombra de Mordhoth! É uma honra. – O velho curvou-se e beijou a mão de Ley como se ele fosse um príncipe. Ley esperava tudo, menos aquilo, de um mago. Como sabia quem ele era? Como previu sua chegada? O que mais ele sabia?
– A honra é minha em visitar um lugar que sobreviveu à Aliança Elementar. – Respondeu Ley em respeito – Nem mesmo minha amada Mordhoth conseguiu esse feito.
– Seu elogio nos deixa orgulhosos, excelência. – Disse o velho – Diga-me, como podemos servi-lo?
Ley pensou por um instante. Aquela atitude era, além de muito suspeita, impossível. Nenhum mago jamais chamaria Ley de excelência, muito menos o chefe de uma ordem.
– Deixe-me rezar a meu deus. – Respondeu Ley – E depois precisarei tratar de alguns assuntos com o senhor.
– Com prazer, excelência. – Disse o velho – Vamos senhores. Vamos dar privacidade ao nosso visitante.
E com essas palavras, todos se levantaram em silêncio e saíram da sala. Nenhum deles se preocupou em dizer a Ley onde poderia encontrar o chefe da ordem. Ley observou a sala por alguns minutos. Era decorada com símbolos e ídolos religiosos, além de instrumentos de pesquisa e objetos mágicos. Um altar erguido para um deus subordinado a Morghoth ocupava toda a parede do fundo. As paredes laterais tinham estantes grandes estantes repletas de objetos e no espaço do meio havia um símbolo de ritual e algumas cadeiras circundando-o. Ley sentou-se de pernas cruzadas no centro do símbolo: uma estrela de sete pontas inscrita em um círculo, o símbolo das Trevas. Meditou por alguns instantes antes de começar a rezar.
É importante entender que, diferente da religião cristã, a religião de Ley consistia de um pacto com um deus. A pessoa que fizesse esse pacto deveria procurar um santuário de seu deus para ter contato com ele durante algumas horas. Nesse tempo, a pessoa receberia instruções, poderia pedir bênçãos (ou maldições) a seu deus e (em alguns casos) ter relações com ele. Sete deuses principais formavam essa religião: os Deuses Elementares. Esses deuses agregavam outros deuses a seu Elemento, tornando-se mais poderosos através de deuses menores. Os locais de oração a deuses menores poderiam ser usados para qualquer deus do mesmo elemento e contato com um deus se dava sempre por meio de uma conversa. Esses deuses menores eram de mais fácil acesso, pois estavam mais ligados ao mundo físico do que ao espiritual. Mas Ley não rezava a um deus menor. Ele fazia esse contato diretamente com Morghoth, o Deus das Trevas. Isso era possível graças ao Cristal das Trevas.
Os Cristais Elementares são joias que armazenam em si o poder total de seu elemento. Eles são passados por seus portadores antigos aos novos quando assim são ordenados pelo Cristal ou pelo Deus Elementar. Por ser portador do Cristal das Trevas, e escolhido do mesmo, Ley tinha acesso direto a Morghoth, podendo buscar a orientação ou ajuda dele sempre que precisasse. Ley e Wanda eram os únicos que sabiam disso e Wanda prometera (e cumpriu) levar esse segredo consigo ao túmulo.
“Morghoth, preciso de sua ajuda. Guilherme, meu amigo, está sendo corrompido por uma sombra e eu preciso impedir que isso aconteça” – Ley se via em uma dimensão vazia, de frente para a figura imponente de Morghoth.
“Isso é impossível, Ley. Seu amigo está em estágio terminal. Logo a alma dele será devorada pela sombra e não haverá chance de reverter isso.” – Morghoth estava sentado em um trono de Trevas, olhando Ley de cima. Enxergava seu servo com uma visão fantasmagórica, pois, ao invés de enxergar o corpo físico das pessoas, Morghoth enxergava suas almas.
“E o que eu posso fazer para trazê-lo de volta?” – Ley lamentava pela má notícia, pensando em como dizer aquilo a Wanda.
“Você pode levá-lo a Angband e amaldiçoá-lo” – Respondeu o deus – “Preencha o vazio de seu corpo com Trevas, monte a personalidade de seu amigo de novo. Mas aviso que ele não terá memória alguma, pois isso se vai junto com a alma”.
“Isso é péssimo” – Lamentou Ley – “Outra questão importante: esse lugar”.
“O que tem esse lugar?”
“É suspeito. Sinto que posso ser apunhalado nas costas a qualquer momento.”
“Você está na escuridão, Ley. Nada pode vencê-lo aqui.”
“A Magia pode, senhor. Sou tão vulnerável a ela quanto um homem comum é a uma lâmina de mithril.”
“Confie em você mesmo, Ley. Tenho certeza que o motivo de sua aflição é outro”
“E está certo, como sempre. Estou à beira de um ataque de Rage, me controlando o quanto eu posso, mas não vou poder evitar. Alguma hora terei que matar alguém ou não vou conseguir me controlar. E, além disso, é difícil de distinguir quem aqui está corrompido pelo Mal ou não. A atmosfera aqui camufla as forças dele.”
“Até mesmo eu estou corrompido pelo mal, Ley.” – Respondeu Morghoth – “Vários deuses que eu agreguei e comandei foram corrompidos por essa entidade e agora chegou minha vez. Parte de mim ainda está a salvo, como você, mas a maior parte não está mais sob meu poder.” “Mas tenho certeza que essa não é sua preocupação agora, não é? Pois bem… Lhe darei a habilidade de distinguir as almas que precisam de purificação das outras, que são inocentes.”
“Obrigado, mestre”
Ley sentiu o poder fluir através de suas veias. Quando abriu os olhos de novo estava sozinho. Levantou-se do chão e caminhou pela caverna, entrando em um labirinto de corredores e túneis até chegar ao lugar que procurava: a sala do chefe da ordem. Abriu a porta sem fazer barulho e adentrou a pequena sala. O ancião, chefe da ordem, o esperava. Leu o fitou com curiosidade, pois agora, além do corpo, conseguia enxergar a alma das pessoas. Uma aura colorida que emanava da pessoa, carregando suas emoções e pensamentos. A desse mestre era completamente negra.
– O que era aquilo que tínhamos para tratar? – Perguntou o ancião.
– É sobre a Ordem, senhor. – Respondeu Ley, sentando-se em uma cadeira.
– Qual o problema?
– Eu detectei uma presença estranha neste lugar. Uma energia maligna que está corrompendo seus adeptos e aprendizes. Preciso de sua ajuda para neutralizá-la.
– E o que essa “presença maligna” tem de especial? – Zombou o velho.
– Ela está corrompendo a vocês e seus discípulos imperceptivelmente. Preciso que você reúna todos os membros da ordem para que eu tire essa energia deles. – Pediu Ley – Você não faz ideia de quão perigosa é essa entidade.
– Entidade? Você estava falando de presença maléfica.
– Sim. É causada por uma entidade chamada Mal. – Explicou Ley. O ancião mexeu-se em sua cadeira com o olhar pensativo.
– Muito bem! – Disse ele – Tomei uma decisão.
O chefe da ordem chamou dois adeptos: Autman e Stank. Ambos eram corpulentos e calvos. Ley olhou para os adeptos esperando a ordem do mestre. Algo lhe dava um mau pressentimento.
– Autman, Stank… – Dizia o velho quando se interrompeu. Conjurou um feitiço que fez Ley desmaiar imediatamente, uma magia de sono que foi potencializada pela maldição – Levem esse miserável para a sala de prisioneiros.
– Sim senhor! – Responderam os capangas em coro.
Ley acordou. Coçou os olhos enquanto se lembrava do que aconteceu. Sua visão clareou e ele se viu dentro de uma jaula. O aposento onde estava tinha mais três jaulas, que estavam vazias, e várias tochas o iluminavam. Percebeu que estava em uma espécie de anfiteatro. Calculou que o que o aguardava era alguma espécie de espetáculo e, já que estava em um laboratório de pesquisa, seria cobaia de alguma experiência. Um adepto surgiu na entrada do anfiteatro, muitos metros acima. Desceu as escadas até Ley e o olhou através da cela. Era Autman.
– Que diabos vocês estão fazendo? – Perguntou Ley com a voz falhando. “Apunhalado nas costas por um mago” – pensou – “Eu não posso deixar que isso aconteça de novo”.
– Um espetáculo, não é obvio? – Zombou Autman – Você será nossa principal estrela.
– Por que tudo isso? – Perguntou Ley apontando para algumas mesas repletas de ferramentas de estudo, no outro lado do palco. “Droga. Tiraram minhas armas de mim”.
– Nós queremos descobrir como se cria um Necro e você é a cobaia perfeita para isso. – Respondeu Autman.
– Mas essa magia, além de antiga, é conhecida por todas as ordens de magia de Angband.
– O único que sabia dessa magia, Mestre Rholy, foi morto por mestre Omung há muitos anos. – Explicou Autman.
– Típico de magos… – Disse Ley. “Então essa ordem sobreviveu à Aliança Elementar isolada aqui e o Omung assassinou o antigo mestre para usurpar o poder” – pensou Ley – “Eu me pergunto há quanto tempo isso aconteceu”.
– Você deve estar se perguntando muitos “comos” e “por quês”, então eu lhe darei uma resposta. – Disse Autman. Ley olhou para o mago – Você nunca vai saber porque morrerá nas próximas horas!
Autman gargalhou. “Muito engraçado” – ironizou Ley em seus pensamentos “Onde será que estão minhas armas?”. Autman olhou para Ley mais uma vez para ver o sofrimento do prisioneiro. Último erro que cometera em vida. Ley o olhou de volta nos olhos e usou uma magia para ler os pensamentos do adepto. Autman e Stank o levaram até aquela sala, tiraram-lhe as armas e colocaram em um baú ao lado do palco. Ley desfez a magia.
– O que você fez? – Perguntou Autman quando voltou a si.
– Nada. – Respondeu Ley fazendo cara de incrédulo.
– Como assim “nada”? – Insistiu Autman – Porque eu esqueci o que aconteceu nos últimos segundos?
– Vai ver você está apaixonado pelos meus olhos hipnotizantes. – Brincou Ley. Autman o fitou mais uma vez, furioso. Então viu que os olhos de Ley eram realmente hipnotizantes: várias tonalidades de negro, organizadas de forma que quem os olhasse sentisse sua alma sendo sugada para dentro daquele espiral de Trevas.
– Maldito seja! Eu vou rir muito quando você morrer.
– Veremos… – Retrucou Ley. Seu sorriso de boca fechada voltava à face.
Duas horas depois, vários magos começaram a entrar no anfiteatro. Autman, Stank e Mestre Omung estavam no palco, esperando que todos se acomodassem. Uma mesa com vários instrumentos de estudo de magia e uma maca haviam sido colocadas no palco. Quando o aposento se encheu, Omung começou um discurso.
– Irmãos… É com muito orgulho que lhes digo: que hoje iremos dar mais um passo em nossa escala de conhecimento. Todos nós sabemos que o conhecimento de ressuscitar uma pessoa plenamente foi perdido há quase 200 anos, quando Mestre Rholy morreu devido à idade avançada… – “A uma magia sua, velho maldito” pensou Ley. Sentiu um frio na barriga, sua visão escureceu por um instante. “Agora não” repetia ele em seus pensamentos, tentando conter um ataque de Rage. Todas aquelas pessoas, ali, à sua frente, prontas para serem mortas. Sangue, muito sangue. Era nisso que Ley pensava -… Mas hoje, tenho o orgulho de dizer que esse conhecimento será restituído, pois este homem preso na jaula é um Necro. Ele foi ressuscitado em forma plena e nós descobriremos a magia para isso hoje!
Uma salva de palmas inundou o aposento. “Onde estão Rhäynz e Dörfh? O que pensam disso? Sangue”. Autman e Stank abriram a jaula. Ley levantou-se.
– Colabore conosco, não queremos machucá-lo – Dizia Autman, cínico.
Ley o olhou uma última vez – Não. – Respondeu.
Todas as tochas se apagaram ao mesmo tempo, uma escuridão mortal preencheu o anfiteatro. Em um instante Ley estava na cela, no outro, abria o baú com suas armas. Vestiu o cinto de adagas e pendurou a bainhas nas costas. Alguns magos já faziam magias para iluminar o local. Sangue. Ley não conseguia se conter. Dane-se quem era e quem não era corrompido, a única coisa viva que restaria lá seria ele. Col Ryper pareceu surgir na mão de Ley e ele desapareceu. Alguns magos iluminavam o lugar e outros tinham cajados e varinhas preparados. Então um sibilo agudo, vindo do nada, correu o anfiteatro. Alguns puderam ver e ouvir quando Mestre Omung simplesmente caiu no chão, cortado em sete pedaços. Autman e Stank tiveram destino semelhante, mas a morte dos três se deu em um único segundo. No segundo seguinte, todos puderam ver Ley se aproximando com velocidade e sumir em seguida.
As íris de Ley estavam completamente amarelas. Sua espada dançava pelo ar, banhando-se no sangue dos magos e absorvendo as almas de cada um. A chacina durou quinze segundos. Todos os magos que estavam no aposento, cerca de cinquenta, foram mortos nesse período de tempo. Ley se desmaterializou usando a magia Viagem nas Sombras. Percorreu cada centímetro da caverna matando cada pessoa que aparecia, fosse idoso, adulto, criança ou bebê, sem se preocupar se estava corrompido pelo Mal ou não. Terminada a caverna, saiu para o vale onde ficavam o lago, a plantação e os animais. Alguns magos ainda estavam lá, alheios à chacina dentro da caverna. Ley sorriu para eles um sorriso psicopata. Carregou uma magia na espada, incendiando sua lâmina com fogo negro. Correu até o meio do vale enquanto os magos ainda estavam surpresos e cravou a espada na terra, liberando uma onda de fogo negro que devastou o vale completamente.
Acalmou-se, olhou para o céu, era noite. Já não pensava mais em sangue. Entrou pelo caminho sombrio que o levaria ao acampamento do grupo. A lâmina da espada estava completamente tingida de vermelho e ele ensopado de sangue.