Do conflito à tranquilidade – o barroco e o arcadismo na poesia

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Nascido num panorama caótico de paradoxos constantes, imerso em um caldeirão fervente que lhe queimava a alma, absorto em conjecturas de uma dualidade enlouquecedora: eis o homem barroco – o protótipo perfeito do homem esquizoide do século XXI que nos tornaríamos.

g_51Essa personalidade dotada de contrastes gritantes foi reflexo direto do cruzamento tempestuoso que enfrentou a sociedade do século XVIII, período no qual o Barroco ganha vigor. A linha de transição gerada entre os velhos valores morais, o credo e os ditos gerais oriundos da Idade Média, marcadamente religiosa, teocentrista e a ascensão do Renascimento – movimento artístico e científico que abalou as estruturas todas consolidadas. A nova forma de ver o mundo, que se aguçou devido às grandes navegações e aos constantes avanços tecnológicos, colocava o homem como o centro do universo (antropocentrismo) e prezava pela dimensão carnal do ser e do devir. Confuso, eis que emerge o Barroco. Um homem que se situa entre o céu e a terra, continha dentro de si Cristo e Baco, ansioso pela salvação futura, mas também angustiado com a fugacidade das coisas e com as possibilidades de deleite imediato.
Tudo isso resultou numa escrita hiperbólica, cheia de exclamações, clamores, dores e auto piedade dignas de qualquer garoto “emo” da cultura atual. A linguagem empregada nos textos estava imersa em metáforas, rebuscamentos, apelos cultos e um grande jogo de conceptismos. Os temas mais recorrentes no contexto Barroco eram: fugacidade da vida e instabilidade das coisas, morte, expressão máxima da efemeridade das coisas, concepção do tempo como agente da morte e da dissolução das coisas, castigo, como decorrência do pecado, arrependimento, narração de cenas trágicas, erotismo, misticismo, apelo à religião.

Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.

Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.

Ambos de firmes anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constancias iguais, iguais nas chamas.

Mas ai! que a diferença entre nós choro,
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.

(Gregório de Matos)

O Arcadismo traz um vínculo intrínseco enquanto escola literária com a cultura clássica da Grécia, já explícito em seu nome. O termocancion de amor origina-se da palavra “Arcádia”, região do sul da Grécia que, por sua vez, foi nomeada em referência ao semideus Arcas (filho de Zeus e Calisto). Com preceitos delimitados pela filosofia iluminista, o movimento árcade contrastava com o Barroco, uma vez que prezava pelo racionalismo, deixando o sentimentalismo exasperado de lado. Além disso, suas pretensões revisitavam a calmaria dos prados verdejantes, regaços mansos e riachos de tranquilidade que corriam em outrora – ao invés de perecer internamente, afligido pelos males da existência, o árcade prezava por uma vida tranquila, quase estoica, em contato com a natureza (Locus Amoenus) onde o dia e todos seus imediatismos fugazes deviam ser abocanhados, gerando o máximo de gozo presente possível (Carpe Diem).

Uma vida simples, sem maiores perturbações, de cunho silvícola era cantada nos versos dos poetas pastores; os deuses pagãos de uma era distante eram louvados junto à natureza. Isso aplicado aos princípios do Inutilia truncat – a poda dos excessos consagrados pelo movimento anterior. Reflexo estético disto eram os poemas escritos com pouca suntuosidade, emprego quase nulo de metáforas e temas não nocivos ao espírito humano.

Já rompe, Nise, a matutina aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.

Que alegre, que suave, que sonora,
Aquela fontezinha aqui murmura!
E nestes campos cheios de verdura
Que avultado o prazer tanto melhora!

Só minha alma em fatal melancolia,
Por te não poder ver, Nise adorada,
Não sabe inda, que coisa é alegria;

E a suavidade do prazer trocada,
Tanto mais aborrece a luz do dia,
Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.

(Cláudio Manoel da Costa)

O movimento teve características reformistas, pois seu intuito era o de dar novos ares às artes e ao ensino, aos hábitos e atitudes da época. A aristocracia em declínio viu sua riqueza se esvair e dar lugar a uma nova organização econômica liderada pelo pensamento burguês. E nós, burgueses de hoje em dia, penamos trepidantes entre a Arcádia e o barro oco do qual fomos feitos.

Poetize, sempre!