Há que se destrinchar a fina linha de arremate da tecelagem dos conceitos de verso e prosa quando o objetivo do estudo é definir os elementos que integram esta última modalidade textual em sua relação de diferença com a primeira. Tarefa nem sempre fácil, uma vez que o próprio texto literário convergiu de um ponto mais ou menos heterogêneo para uma fase conglomerada ao percorrer os caminhos do tempo-espaço. Até que ponto uma prosa pode ser poética e um poema pode ser prosaico? Ora, evidências literárias que vão de clássicos universais como “Os Lusíadas” de Camões até a narrativa moderna e subversiva de Charles Bukowski, repleta de poesia inata, circulam pelas mãos do público e da crítica esbanjando confluências de estilos, onde a poesia e a prosa se confundem mais do que se desvinculam. A qual elemento, então, apegar-se para que uma dissecação precisa seja executada acerca das desinências textuais levantadas? Se no conteúdo há essa amálgama estonteante que se comunica de maneira constante, cabe à forma o papel de recurso último para tal finalidade.
Deve-se ressaltar que, ainda na forma há a possibilidade da ocorrência de engodos tantos que podem levar a análise a caminhos errôneos. Isso, pois, a estrutura textual foi anarquicamente abalada na história da “evolução” literária – leia-se o termo entre aspas num sentido histórico, temporal e não estritamente no sentido qualitativo. O trabalho subversivo dos modernistas, beatniks, concretistas, escritores e acadêmicos contemporâneos corroborou para com a fragilidade formal do texto, fazendo assim com que as distinções sejam cada vez mais intricadas. Amostras claras são observadas em poemas de Allen Ginsberg, Bertolt Brecht e Carlos Drummond – versos compostos estruturalmente numa certa ordem, possuindo divisão por estrofes, obedecendo ou não a rimas, mas que contam essencialmente histórias, casos, fatos; não raro assumindo aspecto de crônica. Do mesmo modo muitos textos “Lispectorianos” dariam excelentes matérias para poesia, caso fossem transformados de romance para poema.
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai vem chegando. […](Fragmento de Caso do Vestido – Carlos Drummond de Andrade)
Por fim, tanto na essência quanto na aparência, há poesia na prosa e há prosa na poesia. É praticamente inconcebível que um exista sem o outro. Prosa de ficção sem poesia vira inventário, mero texto acadêmico-científico. Poesia que se preze, conta, ainda que intrinsecamente, algum relato sob a perspectiva do eu-lírico. E toda boa produção textual é assim: reflexo do que foi observado no plano geral pelo individuo, produto do “eu” após a degustação e evacuação do “eles” ou “nós”. Ainda assim, mais por questões quantitativas do que por fatores qualitativos – que divergem em mensura a todo o momento – se faz possível afirmar que a prosa de ficção possui alguns constituintes comuns (em número suficiente) que tornam possível sua classificação.
A prosa ficcional possui: enredo (podendo ser este linear ou não-linear), personagens (redondos, semi redondos, protagonistas, antagonistas, etc), espaço, tempo (psicológico ou cronológico), formas textuais, linguagem e divisão peculiares que, novamente vale ressaltar, podem estar igualmente presentes no texto lírico. No entanto, o nível de frequência e as formas como serão empregadas em um e em outro é que vão gerar os balanceamentos de diferenciação.
Poetize!