George R.R. Martin e seu inseparável computador obsoleto

5

Os fãs têm muitas curiosidades sobre seus autores favoritos e os processos que eles utilizam para escrever seus “best sellers”. Como e onde eles escrevem ? Como se inspiram ? Ouvem música ? O que comem ou bebem enquanto estão escrevendo ? 

george-rr-martin
George R. R. Martin

Quem tem o sonho de um dia escrever e publicar seu próprio livro, tem também este tipo de curiosidade e acaba pesquisando e anotando o que os escritores fazem. Dia desses, enquanto realizava minhas “andanças pela web”, deparei com um post no site livejournal.com feito por George R. R. Martin. Ele contou uma de suas preferências de escritor que eu transcrevo abaixo:

Basicamente é o seguinte. Eu sou um dinossauro, como todos os meus amigos irão confirmar. Um homem do século 20, e não do século 21.  Apesar de eu estar usando computador a quase 20 anos, e atravessando recentemente essa onda de internet e web com PC e Windows, eu ainda escrevo tudo em uma antiga máquina que roda MS-DOS e WordStar 4.0, o Duesenberg* dos programas de edição de texto (muito antiga mais insuperável).

Dusenberg, para quem como eu, não entende nada de carros, é uma marca de carros antigos de luxo. Ou seja, o “bom velhinho” de Westeros comparou este editor de textos obsoleto a um clássico do automobilismo. Neste ponto precisamos clarear as coisas. Alguns leitores cabulosos não devem conhecer o WordStar, na verdade os mais novos, não devem conhecer o MS-DOS, portanto pra vocês terem uma ideia do que seja. Eu tenho 2 imagens que eu fiz do WordStar:

Tela de Abertura do WordStar 4 de 1987
Tela de Abertura do WordStar 4 de 1987
WordStar editando um certo texto….
WordStar editando um certo texto….

Fiquei curioso com o fato e descobri que muitos outros escritores ainda utilizam este mesmo editor de texto. O escritor canadense Rober J. Sawyer é um dos fervorosos defensores do WordStar. Robert J. Sawyer é um grande escritor de Ficção Científica, tendo sido premiado com vários prêmios como o Hogo e Nebula. Em seu site pessoal ele revela uma lista de nomes de escritores que segundo ele não abandonam o antigo editor de textos:

Muitos escritores da ficção científica – incluindo eu mesmo, Roger MacBride Allen, Jeffrey A. Carver, Arthur C. Clarke , David Gerrold, Terence M. Green , James Gunn, Matthew Hughes, Donald Kingsbury , Eric Kotani, Paul Levinson, George RR Martin, Vonda McIntyre, Kit Reed, Jennifer Roberson, e Edo van Belkom – continuamos a utilizar o WordStar para DOS como nossa ferramenta de escrita favorita.

Ainda assim, a maioria de nós têm sofrido anos de críticas irracionais por nossa preferência…

Robert J Sawyer_Christine Molendyk
Rober J. Sawyer

A minha primeira impressão é que não importa o editor de texto utilizado. O que importa é como o escritor está adaptado ao seu próprio jeito de produzir conteúdo, sua prática com a ferramenta que ele domina e principalmente o mais importante é ele utilizar o que funciona si mesmo. Mas com esta lista de peso, comecei a procurar entender os argumentos do Sawyer e verificar o que poderia existir de bom e utilizável nesta antiga ferramenta e vou compartilhar minhas opiniões pessoais a respeito. Acredito que existem algumas utilidades para as pessoas que desejam se aventurar no caminho dos escritores.

Observando e experimentando novamente o WordStar, (eu na verdade já o conhecia desda década de 80) notei que o primeiro sentimento que ele transmite enquanto escrevo algo é de facilidade em se concentrar. Exceto talvez Agatha Christie que escrevia em qualquer ambiente e,  segundo a WikiPedia, apenas precisava de uma mesa para sua máquina de escrever portátil. Todos os autores precisam de um certo grau de silêncio e isolamento para se concentrar. Este antigo editor de textos fornece justamente isto: Isolamento visual.

O George R. R. Martin precisa de um computador antigo e portanto separado da internet, pois ele usa o obsoleto MS-DOS para rodar o WordStar. Nada de telas muito coloridas e cheias de ícones. Nada de janelinha pulando na tela com propagandas e nem um irritante som do skype chamando. Você mesmo pode testar este conceito e ver se ele funciona pra você com este editorzinho de texto online: http://darkcopy.com. O aplicativo online tem um botão para ativar em tela cheia e proporciona um certo vazio a ser preenchido. Permitindo, sem distrações, testar o conceito. Na verdade posso testemunhar como um ambiente de trabalho cheio de efeitos pode causar cansaço mental.

Certa vez eu utilizei um software que permitia colocar papéis de parede que se movimentavam em lindos desenhos fractais matemáticos. Como se não bastasse eu ativei nas janelas do meu ambiente de trabalho um efeito que as tornava transparentes. Assim eu poderia ver o papel de parede sempre se movendo.

No final dos dias, minha fadiga mental era notável, eu inclusive sentia muito sono e ficava cansado nas aulas da faculdade. Quando eu percebi que isto poderia estar relacionado com todo aquela poluição visual limpei meu ambiente de trabalho do computador. Retirei todos os efeitos especiais e pude sentir no final do dia uma melhora notável. Fiz algumas experiências para ter certeza e posso dizer que para mim funcionou muito bem retirar toda a “frescura”.

Outro ponto a favor do WordStar é ele não possui nem mesmo interface com mouse e portanto. Você não tira a mão do teclado para nada. Nem para mudar fontes tipográficas e nem para colocar negritos ou itálicos e nem para copiar e colar. Nada. E realmente ficar caçando efeitos de fontes e marcando texto com o mouse é mesmo mais lento e distrativo do que utilizar o teclado. Ainda mais se você for um bom datilógrafo e convenhamos. Escritores raramente “catam milho” ao escrever. Pode parecer radical, mas mentes criativas são hiperativas e desencaminhar do foco pode ser muito fácil.

Fábio Yabu
Fábio Yabu

Para testar este argumento você pode utilizar seu editor de texto preferido sem o mouse. Sei que parece ser impossível, mas existe pouca coisa a ser feita em um texto que necessita realmente do mouse. Os editores de texto atuais possuem atalhos de teclado para quase tudo e decorar e utilizá-los podem aumentar consideravelmente a produção do texto. Existe também o problema da fadiga ocular. Normalmente os editores de texto modernos possuem as cores tela branca com letras pretas. Muita luz nos olhos por muito tempo podem inclusive deixar os olhos ressecados. Podemos experimentar este conceito mudando o tema do seu sistema operacional. Pode-se mudar as cores de tudo. Um fundo preto permite muito mais sossego para os olhos. O seu sistema operacional (Windows, Linux ou IOS) pode mudar as cores de tudo, basta configurar. A ideia é que menos luz é menos cansaço para os olhos.

Sawyer também argumenta em seu site que gosta muito de colocar notas dentro do texto como por exemplo: “Verificar quantos dias tem o ano em Vênus” ou “Arrumar isto assim que possível”. E o WordStar permite colocar comentários no texto que não são impressos com ele. Muitos editores de texto modernos têm um modo de inserir comentários e auditorias e revisões no texto. Por outro lado, talvez se isolar não seja bom para todos. Existe, por exemplo, a criação em conjunto e até recursos da leitura crítica que se baseia em mandar seu texto para conferência e muitas vezes é interessante refazer trechos do texto e até reescrever baseado em anotações e observações do profissional. Dependendo desta frequência de correções uma ferramenta online talvez tenha muito mais vantagens. Pode-se testar o uso de ferramentas online para revisão dos texto e  entregar para um serviço de leitura crítica.

O Fábio Yabu, Autor de vários livros também com o nome de Abu Fobiya, declarou recentemente, em uma entrevista que ele utiliza o editor de texto do Google Drive. Não sei se o Yabu utiliza deste recurso do editor, mas este editor online possui tais recursos de compartilhamento e também permite que seus textos sejam escritos em qualquer computador pois ficam na “nuvem”, leia-se um servidor da google.

Vale lembrar que programas de computador e corretores ortográficos nada disso substitui uma boa estória e um bom escritor. J. R. R. Tolkien escrevia com lápis em qualquer papel. Muitas páginas do Silmarilion e do Senhor dos Anéis foram escritas em folhas soltas e reaproveitadas, foram cartas redigidas diretamente das trincheiras da Segunda Gerra. O Hobbit foi escrito numa folha deixada em branco de uma prova de uma aluno. Onde pela primeira vez fio escrita a primeira linha do que viria a ser a semente de toda uma nova maneira de se escrever fantasia:

Em um buraco no chão vivia um Hobbit.

Para saber mais: