Poesia não vende, só rima (e rende).

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cartaz-destaqueHá alguns dias vi o escritor Gabriel Viviani declarar em seu twitter que “precisamos de mais leitores e menos escritores.” De fato, a todo tempo paira a sensação de que, enquanto estes crescem em proporção geométrica, aqueles surgem em progressão aritmética. Todavia, os números mostram o contrário. Pesquisas recentes mostram que a venda de livros  físicos no país cresceu no último ano, a despeito do cenário dos e-books estar cada vez mais ganhando destaque. Aliás, se mesmo as vendas de livros digitais somadas aos inúmeros downloads gratuitos de obras disponíveis na internet forem levados em conta, acredito que teremos um número final bastante animador. Segundo os dados do Instituto Pró Livro, metade da população é leitora – fator socialmente ainda insuficiente, mas significativo em termos de mercado. As pesquisas apontam ainda que, os títulos mais consumidos pelos leitores são internacionais e passeiam dentro de gêneros que vão do fantástico e erótico ao biográfico.

De fato, basta olhar ao redor – perguntar àquele amigo ou amiga da escola, bater um papo ou ver os comentários em algum grupo do facebook e até mesmo navegar nos Trending Topics do twitter para perceber o que a galera anda lendo. Em geral são romances de diversos tipos: fantasia, romântico, mistério, erótico, comédia, investigação, terror… e quase sempre de leitores novos ou consagrados do panorama estrangeiro. Outro detalhe facilmente perceptível é de como outras mídias tais como o cinema, a televisão, os quadrinhos e os games imprimem e configuram novas leituras e novos leitores – obras que são adaptações ou adaptadas de/para outros formatos caem nas graças do público, especialmente da fatia mais jovem, aumentando as vendas e acelerando o ritmo do mercado literário. Em parte, tal elemento contribui para que o consumo de livros em prosa seja maior, ficando em segundo plano as vendas do trabalho de poetas. Em um mundo onde existir exceções é a regra há os casos que controvertem essa hierarquia mercadológica. Exemplos recentes são as vendas estrambólicas de produções poéticas de nomes como Charles Bukowski, Paulo Leminski (cuja antologia figurou como a mais vendida, superando até mesmo “Cinquenta Tons de Cinza”) e Manoel de Barros (poeta mato-grossense ainda vivo, inclusive). Obviamente, dizer que a preferência do leitor pelos romances à poesia ou outros gêneros se dá apenas pelos fatores supracitados é demasiado reducionista e leviano. Há de se considerar a existência de fatores vários que influem nessa escolha; fatores de ordem social, econômica e até mesmo psicológica. Todos esses âmbitos são relevantes nessa investigação, e espero poder debatê-los de acordo com a conveniência. Mas, para agora, quero esboçar aqui algumas conjecturas que me assaltaram a mente depois de uma experiência.

mendigo-424x282Participo de um grupo de leitores no facebook. Dentre os vários existentes, esse é um dos maiores – conta com mais de três mil membros e aumentando. Lá é possível conhecer novos leitores, saber quem está lendo o quê, compartilhar ideias, fazer novas amizades e muito mais. Os membros, em sua grande maioria, correspondem ao perfil que foi levantado nas linhas anteriores. E isso ficou ainda mais evidente quando eu, certo dia,  publico um post perguntando se algum membro no grupo gostava de ler poesia, se era fã de algum poeta e porquê achava que a poesia é pouco vendida. Estava convicto de que dali suscitariam discussões acaloradas (no bom sentido) sobre o assunto, pois, além do grupo ser grande, os membros são muito interativos. Era praticamente impossível que não aparecesse ao menos meia dúzia de leitores fãs de poesia, pensei. Mas, enganei-me. Passaram-se duas horas, dois dias, duas semanas e agora, dois meses e a postagem não recebeu nenhuma resposta, no máximo uns quatro ou cinco “curtir” unilaterais que não responderam uma pergunta maior. Será, então, que ninguém ali gosta de poesia? Fiz outro teste. Lancei uma enquete perguntando qual livro de fantasia (gênero do qual sou grande fã) era o favorito dos membros. Em poucos minutos pipocaram respostas animadas, defesas fervorosas às sagas favoritas e declarações apaixonadas a personagens diversos. Como não poderia deixar de ser, novamente, as respostas se enquadraram nos critérios de preferência já mencionados (livros de prosa de autores internacionais, etc). Pus-me a pensar.

Talvez uma das várias e vastas explicações possa ser obtida se pensarmos que a poesia não é fácil. Ela não vem dada, pronta, nua, entregue e revelada plenamente ao leitor. Seja uma epopeia imensa, um verso curto ou uma “figura” concretista, a poesia é uma donzela que deve ser despida aos poucos, ter seu corpo doce ou vorazmente percorrido até se atingir o gozo final, deleite maior.

“A poesia é um presente que cabe apenas ao leitor tirar da caixa.
O papel do poeta é papel de embrulho.”
(Elton SDL, Poesia para os Mortos)

É preciso que o leitor de poesia também seja um pouco poeta. Não é preciso que ele também escreva versos ou tenha alguma obra publicada. Mas é necessário que ele tenha a sensibilidade de percorrer as palavras e além delas, decodificar símbolos, acasalar com metáforas, parir neologismos, antíteses e hipérboles – cavoucar no chão íngreme e suave em busca do tesouro que o poeta guardou tão bem para o êxito e glória da descoberta triunfante do leitor. Tem que ver e entender com as artérias as imagens pintadas sem quadros, nas telas das palavras. Nas entranhas das entrelinhas estranhas.

“O que é um poeta senão um garimpeiro
que vive em busca incansada da palavra-ouro?
Palavra essa que, se juntada a tantas outras, vai dar origem a um baú ou arca com o mais valioso tesouro.
Entretanto, esse tesouro não será escondido em alguma ilha.
Será um tesouro público.
Talvez o único tesouro que está ao alcance de todos,
um tesouro não-egoísta.
É certo que, alguns precisarão de mapas.
Mas, não será algo impossível.”
(Elton SDL, Ofício)

A narrativa prosaica também emprega elementos poéticos em seus textos (especialmente a prosa poética). Poesia não é algo que está apenas nos poemas. A questão é: muitas das obras tão consumidas hoje em dia já entreguem para o leitor o texto de forma mais direta, objetiva. Decerto há o desafio de percorrer caminhos e caminhos, construir elos mentais, decifrar ligações, mergulhar em contextos e viajar junto ao personagem na narração até o desenlace final. Mas essa é uma outra estrutura, uma outra forma, um outro descobrir – diferente do descobrir dos poetas. Em uma história de aventura, o personagem provavelmente seria descrito como “um homem magro, silencioso e triste que caminha para o trabalho.” Um poeta diria que “um traço no horizonte carregava sua sombra sem palavra, arrastando-se livremente para a prisão.”

Porque, então, poesia não vende? Preço não pode ser. Dados comprovam que leitores pagam um valor mínimo em torno de R$ 50,00 pelos best-sellers de fora.

Para o poeta pouco importa, apesar de tudo e de todos. Enquanto houver quem ainda leia e precise de versos (e acredite, sempre haverá) existirá poesia. E, sobretudo, o maior dos motivos: enquanto houver a necessidade visceral e insaciável de fazer poesia, poesia haverá. Se venderá, é outra história.

Poetize!