Estou encolhido sobre mim mesmo, mas sei que não é suficiente. Eu consigo ouví-la. Consigo ouví-la me chamar. Ela diz meu nome com irritação e eu me encolho como se sua voz fosse um chicote a me atingir. Posso ouvir seus passos de minha posição e se destampo meus olhos consigo ver seus pés indo para lá e para cá. Ela me procura e eu sei que será questão de tempo até que me ache, e quando me achar… Não sei o que fiz para merecer esse destino, mas o sofrimento é algo já comum à minha vida. Eu nasci na rua e cresci nela meus primeiros anos. Minha mãe era mãe solteira e precisou lutar para sustentar os cinco filhos, dos quais eu era o caçula.
Ela não podia nos dar muito, mas era o suficiente para que sobrevivêssemos. Pelo menos a maioria de nós. Enquanto eu era bebê dois de meus irmãos faleceram, vítimas da fome. Não sei como eu não sucumbi à ela também, penso que mamãe notava minha condição frágil e me favorecia, mas disso nunca terei confirmação. Foi num dia normal quando a mamãe saiu para mais um duro dia de batalhas e nunca mais voltou. Na época eu ainda tinha dois anos e meu conhecimento do mundo era pífio.
Meus irmãos mais velhos – que não eram tão mais velhos do que eu assim – acabaram saindo em suas próprias buscas e partiram. Eu nunca mais os vi e algo em meu coração diz que eu nunca mais os verei novamente. Daquela época lembro apenas do sofrimento. Pelo menos até esse bondoso casal me encontrar. Eles me deram comida, casa e carinho, e isso era mais do que eu poderia querer. Quando estava com eles me sentia protegido. Se fechasse os olhos era como se pudesse ver minha mãe de novo, aquecendo-me em dias chuvosos, aninhando-me quando eu estava fragilizado. Meus novos pais eram o máximo. Mas claro que há a parte ruim…
Às vezes eles me vestem com umas roupas estranhas e me obrigam a fazer coisas que eu não gosto. Mas tudo bem, eu acho, é o preço que eu preciso pagar pelo amor deles. Mesmo a contragosto faço tudo que eles pedem. Deito na cama. Subo em seus colos. Sento onde não gosto… Mas aquilo ainda é tolerável em algum grau. Já o que querem fazer agora é insuportável. Essa é a primeira vez que me escondo. Não sei por que fiz isso, foi natural. Agora meu medo é duplo, não quero nem imaginar o castigo que terei se me encontrarem.E quando faço essa reflexão, a cabeça de minha nova mãe aparece bem na minha frente. Ela me encontrou.
– Vamos Rex, que saco! É só um banho!Ela me agarra pela coleira e começa a me puxar.Meu Deus, não! Banho não!
by Renato C. Nonato