Recomeço

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recomeçoApós 27 anos de casados, Toninho reunia a família na sala para contar a novidade:

– Sua mãe e eu estamos nos separando.

A princípio, a burburinho foi intenso. Os filhos não acreditavam, os netos não entendiam o porquê de todo aquele “auê” e a esposa ainda estava inconformada de ter perdido os outros 26 anos de sua vida aguentando as reclamações de Toninho para ele simplesmente decidir “sozinho” que era hora do divórcio.

– Mas como será a mudança? E a casa?

– Deixaremos para vocês.

– E qual é o motivo de tudo isso?

– Quero explorar novos territórios. Procurar algum lugar para me encostar sossegado.

– Explorar a Soninha, você quer dizer.

– Você não comece.

Soninha era a secretária que Toninho havia contratado e o motivo pelo qual, a família supunha, nunca mais saiu do escritório cedo.

– Mas vocês passaram 27 anos juntos. Por que agora?

– Porque já passamos 27 anos juntos. Emanuel foi para a universidade, os netos estão bem encaminhados e não há mais muito o que fazer. Esperava somente o momento certo, pois o nosso casamento já estava fadado ao fim há tempo.

– Não dá para acreditar.

– Não dá. Tanto tempo junto e agora isso.

– Nada. Caixão não tem espaço para duas pessoas. No fim das contas, morreremos sozinhos.

– Que mórbido, pai.

Separaram-se naquela semana. Toninho foi arrumar um sítio no oeste do estado; Célia arrumou um apartamento no centro. Encontraram-se anos depois na formatura de Emanuel.

– Como estão as coisas lá no rancho?

– Normais. Sentindo um pouco de falta do velho jardim. Pensei esses dias em ir para lá dar um abraço no pessoal. A vida no campo é solitária. Não acho que tenha sido como esperava. E as coisas no centro?

– Não saio muito. Porém, sem os filhos e os netos, não há quase o que se fazer por lá. De vez em quando, a Verinha aparece para falar mal do marido, mas só por alguns minutos. Como se não estivesse traindo. E não faço muita comida para não sobrar. Você sabe; eu estava acostumada a fazer comida para um bando e…

– Ainda faz o canellone, aquele?

– Fiz uma vez quando o Emanuel foi lá em casa, mas faz tanto tempo que acho até que desaprendi – respondeu risonha.

– Bobagem. Você sempre foi talentosa na cozinha.

Toninho não se lembrava mais do motivo da separação. Tampouco Célia, que nunca entendeu. Quando o filho subiu orgulhoso para pegar o tão sonhado diploma, os dois se deram as mãos.

By Andrey Lehnemann