Em meu último post aqui no site, falei sobre o famigerado Charles Bukowski, um dos meus poetas marginais favoritos. Mas, uma dúvida pode ter pairado na mente de muitos de vocês, caros cabulosos: “O que diabos é poeta marginal? Será que um poeta que de dia escreve e de noite assalta bancos, assusta velhinhas, molha gatinhos e picha os muros das creches?” Não, não… não é bem por aí – embora o poeta Arthur Rimbaud tenha sido traficante de armas, dado momento de sua vida. Aproveitando a ocasião deixada por Bukowski há duas semanas, esbocemos algumas linhas sobre poesia marginal. E não, não precisa chamar a polícia.
Convém resignificar, em primeira instância, o sentido da palavra “marginal”, ainda bastante aliada a “bandidagem”, “vandalismo” e afins. Nas ciências sociais, o termo “marginal” especifica aquele indivíduo que vive entre duas culturas, de forma conflituosa. Trata-se daquele sujeito que não conseguiu se enquadrar nos padrões ditados como os “corretos” pela sociedade e, desse modo, passa a viver dentro de seu próprio padrão que, não raro é o modelo de alguma tribo urbana – roqueiros, headbangers, punks, surfistas, skatistas, ativistas, artistas liberais, livres pensadores, etc. Marginal, nessa acepção, está longe de ser um insulto, pelo contrário: figura como um elogio que designa aquele sujeito que está à margem, do outro lado, vivendo de outra maneira, de outra forma que não aquela que “deveria ser”. No campo das artes, mais especificamente, ser um artista marginal é ser produtor de uma arte que não se enquadra nos padrões estéticos, mercadológicos e sistemáticos. Os poetas marginais são, portanto, artistas que assumem o caráter de alternativos e independentes – escrevem sobre temas tabus (como sexo, drogas, contra o status quo e toda forma de poder e autoridade), veiculam suas obras fora da grande mídia e do grande mercado, atingindo um status de underground, não nutrem, necessariamente, um interesse pré-formatado pela estética de seus versos, assumindo a liberdade textual e contextual como ponto primordial. Também lançam mão de palavrões, termos crus, incômodos, escatológicos e todo tipo de abominação que é vista com maus olhos pela high society. Por esses e outros motivos são também conhecidos como poetas malditos.
As raízes desse movimento remontam ao período do Romantismo europeu, com autores como Goethe, Baudelaire, Rimbaud, dentre outros. Mas é em meados dos anos 50 e 60, com o advento do movimento beat norte-americano (possivelmente tema do próximo post) que a poesia marginal ganha uma expressividade maior e mais peculiar. Poetas e demais artistas da geração beat levavam uma vida de nômades ou fundavam comunidades de cunho “periféricas”. Eram sujeitos boêmios, hedonistas, cheios de senso político, que celebravam a vida, a criatividade, a liberdade e a não conformidade – tanto é que o termo beat possui alguns significados possíveis: o de “cansado”, “baixo e fora” ou ainda “na batida”. Logo, a expressão beat evidencia claramente o espírito da produção artística marginal: uma arte inconformada com o mundo e de saco cheio das leis até então estabelecidas, uma arte produzida por quem veio “de baixo e de fora”, feita por quem não estava nos outdoors e ainda assim, uma arte cheia de vigor, ritmo e vivacidade. Os beats e demais poetas marginais, foram tidos como os primeiros poetas a darem voz em seus textos aos excluídos, ao bêbados, às prostitutas, a uma realidade social distante do luxo e do conforto dos grandes centros e dos escritores idealistas que redigiam novelas fantasiosas para madames.
Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
(Paulo Leminski)
No Brasil, a poesia marginal foi batizada de Geração Mimeógrafo, justamente devido aos poetas que compunham a cena, praticamente desconhecidos, que produziam suas obras fora do eixo Rio-São Paulo e de qualquer possível mercado tradicional. Eles realizavam cópias mimeografadas de seus trabalhos e comercializavam no boca a boca, por um baixo custo, nas ruas, nas feiras, nas praças. Foi um movimento que buscou a livre expressão poética e ideológica em plena Ditadura Militar. Atualmente há quem diga que a produção poética que se encontra apenas na internet, através de blogs, redes sociais e similares, ou que circula em pequenas editoras e espaços alternativos, também se classifica como marginal – não necessariamente pelo teor de engajamento político, mas por exclusão própria, aliada a motivos econômicos ou por uma postura contestadora perante os mercados e a indústria cultural.
Para encerrar o post, um poema de Nicolas Behr, uma das vozes da poesia marginal brasileira.
RECEITA
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos beatles
Modo de preparar
dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração
leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos de gerações
às esperanças perdidas
corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos beatles
o mesmo processo usado com os sonhos
eróticos mas desta vez deixe ferver um
pouco mais e mexa até dissolver
parte do sangue pode ser substituído
por suco de groselha
mas os resultados não serão os mesmos
sirva o poema simples ou com ilusões
Bendita seja a poesia maldita!
Até a próxima e…
Poetize!

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![[Coluna] Diga o seu nome Montagem com uma pelicula de filme na horizontal, mostrando dois frames, o da esquerda mostra um recorte do postêr do filme "Candyman" que mostra o personagem do título, um homem negro de costas com um casaco escuro e um ganho no lugar da mão e uma abelha pousada no gancho, e o título do filme em amarelo. No frame da direita está a capa do livro "Candyman" da Dark Side Books, onde mostra uma colméia de abelhas no fundo e em primeiro plano o nome do autor Clive Barker e o título do livro.](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Candyman_Vitrine-Coluna-Filme-Livro-Site-696-390-ok-218x150.jpg)


