RASCUNHO: O que não precisa ser dito

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Nem tudo precisa ser dito ao leitor.

O autor precisa guiar a cena, precisa construir o cenário, os personagens, as sensações. Mas existem detalhes que não precisam ser ditos, pois o leitor consegue entendê-los sozinho e quando você fala, a leitura acaba se tornando repetitiva.

E existem também aquelas coisas que é melhor deixar pra imaginação do leitor, porque a descrição pode beirar o ridículo.

Não só detalhes, mas em determinadas situações até grandes informações e cenas inteiras podem ser extraídas do texto para dar espaço para a pessoa que está lendo preencher como quiser.

Isso é especialmente verdade em histórias de terror. Você vê autores como Stephen King e Neil Gaiman fazendo isso, principalmente em contos.

Em “Neve, Vidro, Maçãs”, Gaiman aterroriza você com a recontagem de um clássico dos irmãos Grimm, sem nunca explicar exatamente o que originou tudo aquilo, o que levou as coisas a começarem a acontecer ou sequer a fazer alguma menção óbvia ao nome “Branca de Neve” (apesar desse último aspecto ser um detalhe a parte).

 

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Mas o grande rei do incrível inexplicável é King em seus contos. “Nevoeiro”, “1408”, “O Vírus da Estrada vai para o Norte”, “A Balsa”… enfim… uma longa lista de contos em que Stephen King parece dizer: “Você está com medo? Pronto. Era o que eu queria.” E o conto acaba. Em alguns deles, o personagem principal chega a morrer no meio da história e você, leitor, fica sem saber o que aconteceu.

 

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Essa é a máxima do: às vezes, você não precisa dizer tudo. Uma boa história não precisa obrigatoriamente ter um começo, meio e fim bem mastigadinho pro leitor. Deixa ele imaginar. Tem uma citação (não lembro de quem é) que diz que o leitor é o co-autor da história. E é isso que nós, enquanto autores, temos que praticar: deixar o leitor escrever uma parte da história com sua imaginação.

Mas como eu disse no começo, não só coisas “grandiosas” como também detalhes podem ser omitidos.

Vamos falar sobre Stephenie Meyer. É, eu sei. Apesar de suas inquestionáveis vendas e imensa quantidade de fãs, é meio mal falar de Meyer em um texto onde King e Gaiman já foram citados como exemplos. Mas me acompanhem nesse raciocínio:

Os lobisomens de Stephenie Meyer.

Eles rasgam as roupas quando se transformam. Ótimo. Até aí tudo bem. O problema é que é uma história infanto-juvenil e quando os lobisomens reaparecem na forma humana, eles devem estar vestido (mesmo que na maior parte das vezes sem camisa, mas isso não é o ponto). Quando você escreve uma história dessas você tem que tomar uma decisão: ou você vai escrever uma história livre e aí o camarada vai ter que reaparecer vestido, ou você censura seu negócio e faz como True Blood e o lobisomem eventualmente vai ter correr pelado no meio do mato, mesmo.

 

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Se você quiser censurar, é aceitável. Você está fazendo um texto para todas as faixas etárias. (Lembrando que livro não é filme, então a nudez pode até ser trabalhada com maior liberdade, é só não ser excessivamente descritivo) O que eu não recomendo que você faça é o que Meyer fez e tentar achar explicação pro inexplicável.

O cara reaparece vestido por um único motivo -> Foi a decisão do autor.

Porque se é pra história ser verossímil, ou ele se transforma junto com as roupas (sem rasgá-las), o que é estranho, ou eventualmente ele vai ter que “correr pelado no meio do mato”. O que Meyer fez foi dizer que os lobisomens colocam as roupas rasgadas dentro de um saco, e andam com o saco de muda de roupa amarrado na perna, aí eles se transformam em lobo e em humano e sempre tem roupa perto de si.

Aí você imagina um lobo gigante correndo no meio da floresta com um saco de roupa amarrado na perna.

Eu não sei vocês, mas eu acho isso ridículo.

Além de levantar trocentas outras perguntas:

– Como eles pegam as roupas e colocam dentro do saco depois que viraram lobos?

– Como o saco não rasga no meio da floresta?

– Eles andam com o saco amarrado na perna mesmo na forma humana ou só quando são lobos?

– Se só quando lobos, como eles fazem pra amarrar o saco na perna sem polegares opositores?

Não dizer tudo é uma solução pessoal.

Se ela só tivesse descrito as cenas com o lobo reaparecendo como humano vestido. Um leitor mais ávido ia se perguntar “como ele achou roupas” e ia achar besta, mas, na minha humilde opinião, era um dano bem menor para a verossimilhança da história do que o remendo que ela tentou dar.

Em “Nevoeiro”, Stephen King nunca explica o que aconteceu. Há várias teorias, mas ninguém sabe o que deu origem ao nevoeiro. Aí você pode dizer “Ah, mas aí é fácil, esse não era o foco da história, ele não precisava explicar.” E eu digo “E nem você”.

Você é o autor, você escolhe qual o foco quer dar na sua história. Foque em coisas que você pode ou quer explicar e deixe as explicações que podem se tornar ridículas fora da sua ótica. A não ser que esteja escrevendo um texto de comédia… nesse caso, o espaço é o limite. =)