CONTOS: O caos começa na face d’água

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ÁguaO CAOS É UMA FACE NA ÁGUA…

A pluma de algodão despenca no ar, silenciosa e esguia, maleável ao vento. O feixe de luz no fim de tarde parece aquecê-la, pois ela para no ar por um instante sendo iluminada e aquecida naquele momento ímpar. Como num puxão de brisa é arremessada de um lado para o outro, fazendo o percurso, e deixando atrás dela imagens bucólicas do ambiente presente. Vai esvaindo, descendo e descendo, um riacho está embaixo dela, parado feito a outra face do tempo-e-espaço refletido, nesse espelho um pássaro se soergue e a água continua intata, até que…

Os cantos das superfícies da pluma tocam aquele mundo parado, aquele-espelho-portal…

O céu escurece e ninguém vê, os pássaros todos gritam nas árvores, porém ninguém ouve, é o CAOS, em imperceptíveis segundos, que provoca duas ondas compassadas naquela superfície de riacho, ondulações que circundam a pluma recém-caída e afundando; que provoca uma tragédia no lado oposto de qualquer lugar, quem sabe outro mundo…

… A pluma toca a água e um ônibus vira, as pessoas lá dentro são chocalhadas e tudo bruxuleai como um feitiço, pedaços ficam pra trás, lembranças e corpos cuspidos pela janela…

… A pluma perde a força e vai se enrijecendo, quer afundar… Lágrimas pequenas, mas que pesam uma saca de lamúrias, são derramadas e caem ao chão abrindo crateras, antigas árvores, hoje são caixotes, sarcófagos, tomam a cena e pela última vez são tocados pelo feixe de luz do sol, as últimas imagens, as mãos que conduzem o caixão logo o empurrarão para o escuro, para o seco da terra-mãe, ‘Ao barro tornarás’, para a clareira no fim do caminho…

… Afunda sem mais relutância, sem mais interesse pela luz e pelo calor, adentrar outros mundos é o que quer, é o troco e sem mais delongas é o que vão fazer.

Lembra? É um portal…

Danillo Mendes