
Autor: Gabriel Gaspar
Editora: Multifoco
Origem: Brasileira
Ano: 2012
Edição: 1ª
Número de páginas: 236
Skoob
Sinopse: A obra “O que pensa o homem” trata da história de George Perone. Sua vida encontra-se em meio a uma densa nuvem de comodismo e depressão. Após perder um bom emprego e passar bastante tempo recuperando-se de um terrível acidente do qual herdou um problema permanente na perna, passou a trabalhar como contador de um pequeno comércio. Dono de um enorme poder oculto, uma personalidade forte e de uma inteligência aguda – e por vezes até venenosa – não passou por despercebido pelas pessoas com quem é obrigado a conviver e que ouvem suas opiniões, muitas delas ácidas, sobre o comportamento do homem, tanto de forma individual, quanto em sociedade.
Onde comprar? Livraria Cultura (Impresso), Mercado Livro (PDF).
Análise:
“Você sabe que esse dom da crença sempre foi o mais poderoso dos talentos do ser humano. Com o nome de crença, de fé, de ideologia ou de sonhos, sempre foi a única força capaz de promover reais mudanças na humanidade.”
Pág. 172.
Saudações, caros leitores! Serei franco com vocês, quando me sento em frente ao computador para digitar uma resenha, olhando as anotações que fiz durante a leitura, me questiono: “Será que vou conseguir produzir um bom texto?”, pois algumas obras parecem ganhar um sentido tão grande que dá um pouco de medo o momento de analisar, visto que tememos não fazermos jus. Não se entenda bom texto como algo cheio de termos “bonitos” e uma variedade de palavras tão grande quanto o número de partidos políticos no Brasil, mas sim um texto que consiga atrair a atenção da maioria das pessoas que o leia (sei que a unanimidade nessa situação é de probabilidade mínima) e que o resultado seja algo que eu olhe e pense: “Consegui passar mais ou menos o que senti e percebi…”. Compreendo que é uma tarefa impossível transmitir precisamente a minha experiência com o romance, tendo em vista que cada cabeça é um universo com um leque de vivências que jamais pode ser replicado, mas espero obter êxito em lhes instigar a desbravar este que é o primeiro trabalho do Gabriel Gaspar como escritor.
Pela orelha esquerda do livro, a obra nos é apresentada como uma reflexão acerca da condição humana, assunto abrangente e que costuma causar empolgação nas mentes mais questionadoras, e foi isso que me deixou faminto por estas duzentas e trinta e seis páginas. Tenho uma confissão a fazer: quando o Gabriel entrou em contato com o blog querendo firmar a parceria, busquei informação sobre o livro na internet e, depois de uma pesquisa simples, achei-o interessante, mas não estava com expectativas tão altas. Achava que seria apenas uma aventura de um homem com um superpoder, felizmente pude constatar que é algo excepcionalmente maravilhoso, passando a milhares de anos-luz do enredo mais simples que pensava me aguardar. Se você é alguém que gosta de exercitar o raciocínio e tem apreço pela filosofia, vai sentir-se como uma criança que é presenteada com uma loja cheia dos doces que mais ama.
Depois da sinopse, vocês provavelmente vão concordar comigo, a parte preliminar mais importante é o prefácio, correto? Podem debater isto nos comentários. Então, neste, Luiz Valcazaras – poeta, dramaturgo e diretor teatral – nos fala que o romance é basicamente um jogo psicológico em que o leitor torna-se um personagem que segue ao lado do narrador-escritor e é diretamente convocado – sim, o narrador fala conosco – a pensar sobre uma série de questões que norteiam a nossa espécie.
O que torna o texto ainda mais cativante é como o escritor manipulou a linguagem, conseguindo desenvolver uma espantosa empatia comigo e que ocorrerá com outras pessoas também, assim deduzo. Sabe quando você está conversando com alguém e de repente percebe que você consegue antecipar os pensamentos da pessoa e vice-versa? Inicialmente pode assustar um pouco ter a sua mente aberta de maneira tão fácil, pois imaginar que alguém que sequer você conhece pessoalmente consegue saber o que você sente ou pensa em uma parte do livro é no mínimo “estranho”, mas depois passa a ser divertido. Por ser o primeiro romance do autor é ainda mais louvável tamanha destreza com a escrita.
Antes de falar sobre os personagens e os caminhos percorridos, peço a permissão de vocês para comentar um pouco mais acerca do narrador e a estrutura de “O que pensa o homem”. O narrador é uma das peças centrais, inclusive tem um capítulo somente para ele depois do prefácio, uma vez que além de cumprir a sua função esperada, também age como personagem, ora emitindo juízos, ora falando sobre si mesmo, ora nos abrindo uma perspectiva inusitada em alguns eventos. O curioso é que nunca sabemos ao certo quem é o narrador, mas algumas possibilidades apresentadas são: um tipo de consciência coletiva da humanidade, a faculdade de sonhar do ser humano, um “deus”. O desfecho diz algo a respeito da natureza do narrador, mas ainda assim fica em aberto, acredito que cada um poderá dar uma resposta e ainda assim todos estarão corretos nas interpretações. Há uma abertura para o perspectivismo, fascinante.
Falando da estrutura – prometo não ser cansativo, só irei analisar por ser importante –, quero dizer que a obra é dividida em capítulos com várias partes. Cada uma das seções dos capítulos é introduzida pelo narrador que disserta sobre assuntos variados que vão desde como criamos a nossa identidade (personalidade) até como a finitude da vida nos faz experimentar a existência. Em seguida, temos cenas que se desenrolam a partir do que foi abordado.
Enfim, os personagens…demorei, mas cheguei. Primeiro, falarei sobre George Perone, este homem de incrível inteligência, atributo tão abundante quanto o seu humor sarcástico e ousado. Com trinta e sete anos e solteiro, sem alguma grande ligação com outra pessoa ou um objetivo na vida maior do que chegar ao dia seguinte vivo, segue uma vida ordinária, medíocre seria uma palavra que retrataria melhor o seu estado lastimável. Ele trabalha como contador em uma loja, emprego para o qual não demonstra qualquer tipo de alegria, mantém uma rotina rígida, sempre no percurso casa-trabalho-casa com desvios irrelevantes, e, devido ao problema em uma das pernas, é viciado em analgésicos. Entretanto, ao contrário do que poderíamos concluir, a sua mente é uma completa oposição ao jeito decadente em que está mergulhado.
Se por um lado temos um indivíduo evidentemente caído, do outro lado temos um intelecto incisivo que a nada poupa uma crítica. Não achem que o rancor é o que o move, pois estariam incorrendo em erro. Todos os seus apontamentos, principalmente os mais polêmicos (suicídio é um deles), são alicerçados em argumentos sólidos, passando longe de “achismos”. Aliás, vale salientar que vários pensamentos em muito se assemelham aos proferidos pelo filósofo Friedrich Nietzsche – talvez o autor não tenha feito isso propositalmente, afinal algumas ideias são frutos naturais da experiência humana, logo não há um “dono”, mas um sistematizador. Alguém que a organizou para que qualquer pessoa possa compreendê-la com maior clareza.
O que surge para retirar George de sua zona de conforto é Gabriel Assunção, um homem de vinte e oito anos, ar jovial, intelectual e dono de uma habilidade impressionante, mas que representa um tormento. Durante algumas páginas, pensei que ele seria uma escada para o nosso protagonista. Todavia enganei-me redondamente e posso afirmar que se George ocupa o primeiro plano na trama, Gabriel está no segundo e os demais orbitam ao redor deles.
Com a entrada no jogo de Assunção, chega também o Dr. Vincent Carpi, uma figura misteriosa que ao lado do amigo procura mover as coisas de tal forma que o real intuito no contato com George passe camuflado sob o pretexto de uma experiência médica. É nesse ponto que o protagonista assume um pseudônimo (Joe Fontanna) nas consultas para proteger a sua identidade. Virada nos acontecimentos acompanhada de uma mudança de nome do personagem, perceberam o simbolismo? Então, fiquem atentos, há muitas preciosidades nas entrelinhas. A ênfase não é nas características fantásticas, mas nos diálogos, tanto que o autor se atém apenas ao essencial na descrição dos cenários e personagens.
O conhecimento apenas descortina o que está oculto, ou seja, não é um meio que garante sorrisos sempre, afinal a verdade pode tocar onde dói. Falei isto para mencionar um ponto comum aos personagens George e Gabriel. Como citei antes, ambos possuem capacidades anormais, mas um traço que também compartilham é a dependência de analgésicos que representam justamente uma tentativa de proteção contra a dor que provém da verdade. Mesmo que neguemos, todos tentamos driblar essa espécie de sofrimento, seja transformando a dor em uma força para nos impulsionar para uma meta ou recorrendo a um alento (seja um livro, filme, uma pessoa, uma religião etc). Faz parte de nosso instinto, não é algo de que devemos ter vergonha. Agora, lhes indago: como não se identificar com figuras tão próximas do que somos?
Na reta final, a linha temporal da obra retrocede com a finalidade de elucidar mais o jeito de George e acabamos ainda mais simpatizantes dele. No final das contas, o que poderia parecer uma visão amargurada da vida, torna-se um convite a tomarmos o destino em nossas mãos, conscientes de que somos singularíssimos – fique frisado o superlativo –, um mar fervilhante de possibilidades e inquietações. Ao chegar à última página, ecoou ao meu redor: Nunca aceite sem questionar…pense, aja, faça, sonhe, do contrário você é apenas um pedaço de carne animado! Você tem o poder de moldar a sua realidade, mas você precisa acreditar! Foi uma leitura movimentada, prazerosa, transformadora! Sem pestanejar, dou cinco selos cabulosos, levanto-me de minha cadeira e aplaudo!
Nota:

Entrevista:

Olá, Gabriel! Como está? Depois de conhecer George Perone e sua trajetória, estou aqui para entrevistá-lo. Espero que você goste da conversa, vamos às perguntas…ou você quer dizer algo antes?
Gabriel Gaspar: Apenas gostaria de agradecer ao Leitor Cabuloso e a todos os leitores que ousaram mergulhar na mente humana conosco. Um escritor sem leitor é tão útil quanto as ruínas de um castelo antigo – as pessoas até podem olhar por fora, comentar e achar bonito, mas ninguém está efetivamente aproveitando a sua estrutura.
1 – Como foi o seu processo de escrita? Assim que pensou no livro, já tinha o formato como seria escrito em mente?
Gabriel Gaspar: Essa é uma pergunta interessante. O livro demorou cerca de dois anos para ficar pronto, com um ritmo de três páginas por semana. O meu processo de escrita é extremamente lento e envolve uma quantidade obscena de café e música instrumental (que vão desde trilhas sonoras de filmes à Pink Floyd). Quando eu queria escrever alguma cena, procurava a trilha de um filme que tivesse a atmosfera que eu pretendia passar. Para mim, é difícil escrever cenas de tensão se eu não estiver tenso também. O mesmo vale para as cenas alegres, tristes e até as mais leves.
Quanto ao narrador, ele não existia naquele formato até eu estar por volta da página 80. Quando ele nasceu, era tarde demais para um aborto, de modo que fui obrigado a reescrever todo o início do livro. O trabalho era árduo, mas o narrador valia a pena. Se hoje o livro tem esse nível, tenho que agradecer a ele.
2 – Obviamente, o seu romance é um daqueles que termina deixando o leitor inquieto, cheio de perguntas, então gostaria de saber se ao conceber esta obra você já tinha isto como meta ou se foi algo que aconteceu naturalmente durante a criação.
Gabriel Gaspar: Acredito que existam (pelo menos) dois tipos de livros. Os de entretenimento e os chamados “mindfuck”. Eu adoro e valorizo os dois tipos de obras, mas esse livro foi escrito procurando se enquadrar nesse segundo tipo de categoria. Fico genuinamente feliz quando você diz que terminou o livro inquieto e cheio de perguntas, pois o objetivo do livro era fazer com que o leitor, após terminar a leitura, volte (ou comece) a pensar. Para isso, é preciso de um livro que o incentivasse a fazer perguntas – ao invés de um livro que desse todas as respostas. Esse sempre foi o segredo de um bom raciocínio filosófico – desde Sócrates. Ao mesmo tempo, foi um grande desafio tornar a leitura leve, de modo que não soasse como um texto acadêmico.
3 – Para você, o que George Perone significa? Como foi dar vida a este personagem tão intelectualmente estimulante?
Gabriel Gaspar: Foi um ótimo personagem que me conquistava cada vez mais à medida que eu escrevia suas ideias e sua história. Se ele cativar os leitores metade do que me cativou, já me dou por satisfeito.
4 – Gabriel (seu chará) é um personagem secundário que tem um espaço maior que os demais e possui semelhanças com George, logo gostaria de saber como foi o nascimento dele. Você o criou para ser um complemento a George? Aliás, o fato dos dois possuírem a primeira letra como “G” foi uma ação deliberada?
Gabriel Gaspar: O Gabriel (o personagem, não eu) pode ser considerado quase um contraponto ao George. Os dois acabam sendo dois lados da mesma moeda já que, em nossa vida, somos capazes de pensar tanto como um quanto como outro. Quanto ao G.G. do nome de ambos, não achei que as pessoas fossem notar (risos). Mas vamos deixar os leitores descobrirem. Se olharem com mais calma vão achar mais detalhes no livro.
5 – No livro, percebi um teor fortíssimo de filosofia, você pode me falar se houve uma leitura de obras deste campo do conhecimento em sua preparação para “O que pensa o homem”?
Gabriel Gaspar: Em parte sim e em parte não, de modo que a resposta mais adequada seria: mais ou menos. Houve um estudo da forma de pensar “filosófica”, por assim dizer. Mas eu procurei nesses dois anos evitar obras de outros filósofos (não que eu seja um) para não ser “contaminado” com suas ideias – já que queria desenvolver meu próprio raciocínio. Assim houve um estudo sobre a forma de pensar e não sobre as ideias. Com certeza, algumas das conclusões tendem a ser semelhantes, já que a matéria-prima da história (o homem) permanece, em sua essência, imutável desde quando nossos ancestrais desceram das árvores.
6 – Você é um oficial do exército, decidiu investir no mundo literário…como essa realização é recebida por você? Como é a emoção que você experimenta?
Gabriel Gaspar: Na Academia Militar, tive os primeiros contatos acadêmicos com a filosofia e a psicologia. Depois disso, já na tropa, tive a oportunidade de trabalhar diretamente com uma massa humana muito vasta, pessoas de diferentes origens e formas distintas de ver o mundo. Estudando as suas diferenças e isolando as suas semelhanças, conseguimos ter um vislumbre (ainda que não mais que um lampejo) do cerne fundamental do ser humano. Assim, posso dizer que minha experiência no Exército foi, de certa forma, fundamental na construção de minha forma de pensar e parte disso sempre acaba respingando no livro.
7 – Depois de ter lido o seu primeiro livro e adorado, a inevitável pergunta que se forma é: Você já possui novos projetos a caminho? Pode nos falar um pouco sobre eles?
Gabriel Gaspar: Já. Estou na criação de um segundo livro – que provavelmente terá dois volumes. Como eu disse, meu processo de criação é meio lento e a previsão de conclusão do primeiro volume (se meu cronograma não atrasar) é para o meio do ano que vem. Esse livro é mais voltado para o entretenimento, embora todo o estudo da psiquê humana no primeiro livro esteja me ajudando no aprofundamento das diversas personalidades dos personagens. E talvez haja um mapa.
8 – Mudando um pouco o foca da entrevista, gostaria de saber qual foi a sua última leitura e o que achou dela.
Gabriel Gaspar: Agora estou lendo o quinto volume das Crônicas de Gelo e Fogo do George R.R. Martin e meu último livro foi, obviamente o quarto volume da série. Os livros do Martin são fantásticos e ele tem um controle absurdo do ritmo da história. Recomendo para todo mundo. Quem quiser saber mais de minha opinião, participei semana passada de um LiteratusCast onde comparamos as obras do Martin com as do Tolkien. Mas fiquem tranquilos que, apesar de ser fã do gênero, meu próximo livro não é de fantasia medieval (risos).
9 – Como é comum nas entrevistas que faço, encerro deixando espaço para o entrevistado falar o que quiser.
Gabriel Gaspar: Quero gradecer novamente o espaço cedido pelo Leitor Cabuloso e pelo carinho com que o site me recebeu desde o início. Gostaria também de convidar os leitores a continuarem a me enviar os feedbacks com suas opiniões – elas são importantes para eu aprender onde a obra atingiu e as sensações que ela despertou. E, se você ainda não leu, aproveito para convidar a embarcar nessa viagem. Mas cuidado, como tudo nessa vida, ela não tem volta.
Gabriel, muito obrigado por doar um pouco de seu tempo para esse bate-papo. Agradeço em nome de toda a equipe do Leitor Cabuloso. Sempre que precisar divulgar algo, pode falar conosco! Abraços e sucesso!
Onde encontrar o Gabriel no ciberespaço?