RESENHA: “Fábulas Ao Anoitecer”, abra as portas e janelas para que a fantasia lhe inunde

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Capa
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Autora:  Georgette Silen
Editora: Giz Editorial
Origem: Brasileira
Ano: 2011
Edição: 
Número de páginas: 160
Skoob
Sinopse: Você sabe o que acontece na escuridão da noite? Que mistérios se escondem sob a luz do luar? Fábulas ao Anoitecer é uma seleta de narrativas fantásticas que têm como cenário principal o manto da escuridão, que assume seu reinado após o pôr do sol. Terror, amor, magia, criaturas fantásticas como fadas, bruxos, dragões, elfos, e até ficção científica surgem de suas páginas. Mitologia e lendas folclóricas mundiais são revisitadas e conduzem o leitor pelo maravilhoso mundo da Literatura Fantástica Brasileira. “Fábulas ao Anoitecer” é para ser lido debaixo das cobertas, com lanternas acesas, num clima de mistério e segredo. Mas tome cuidado com as janelas. Mantenha-as bem fechadas…
Onde comprar? Informações aqui.

Análise:

“—Queremos que termine a história […] Queremos existir, ter um corpo, um começo, um meio e um fim.”

—Pág. 166.

Saudações, caros leitores! A nossa espécie é naturalmente fascinada pelo desconhecido, há quem se acomode e para de buscá-lo, mas este não é o nosso caso. Sempre estamos ansiosos por experimentar alguma coisa nova, por isso que sempre estamos lendo. Mas qual o porquê de sempre estarmos sedentos pelo que é abraçado pela sombra? Como seres que se baseiam em pensamento, além de instinto, será que nos sentimos desafiados a desvendar tais elementos? Ou será que somos como bravos aventureiros? Há muitas respostas possíveis, cada um carrega uma. O importante é que a fantasia sempre foi parte essencial na vida do ser humano, influenciando-o na religião, artes, educação, política, convivência social etc, mas vou me ater ao que é importante no momento: “Fábulas ao Anoitecer”, uma coletânea de contos cuja proposta é envolver o leitor em uma atmosfera cativante com algumas das mais célebres criaturas mágicas em viagens pelo terror, suspense, relatos românticos, épico etc. Querem me acompanhar nessa jornada? Um instante, por favor, Caronte está se aproximando…

Agora, adentre a embarcação, vamos passar os portais para a fantasia.

Até que os anjos nos separem:

O conto começa ao redor de um grupo de amigas (adolescentes) que usam um Tabuleiro Ouijapara descobrirem quem as acompanhará no baile da escola. Alguns já devem estar perguntando-se: “Mas não é banal demais mexer com isto por um motivo tão fútil?” Bem, vamos dar um desconto para as garotas, uma vez que nessa fase os hormônios costumam falar mais alto. Depois o foco se ajusta em especificamente uma das meninas, a típica “Nerd” que se sente desfocada, apesar de andar com pessoas populares. Aquela que se torna a protagonista cria empatia no leitor justamente por mostrar-se vulnerável sentimentalmente. Quem nunca achou que não encontraria alguém que lhe amasse de verdade? Os personagens podem ser aqueles tradicionais de muitos filmes de terror americanos, mas o desenvolvimento e desfecho são narrados de modo ímpar e garante ampla satisfação em um terreno já conhecido.

Olhos do dia e da noite:

Um salto de gênero. Nessa história, a Georgette já passa para o épico, mas é uma oscilação suave em que o cenário se forma lentamente. Nessa situação, o personagem principal (um ladrão) é arrebatado de sua vida comum e jogado em uma aventura maior do que qualquer coisa que esperava. Acredito que esse seja o sonho de muitos leitores, então buscamos em nosso mundo algo que possa equivaler em intensidade. Diante desse contexto é impossível não se sentir impulsionado à leitura. O ponto de virada final é surpreendente, posso dizer apenas que há uma inversão de polos.

O anel e a pérola solitária:

Enxergamos as coisas a partir da visão de uma menina que passa por experiências incomuns, como ouvir vozes em seu quarto à noite. Mas quem ou o que seriam essas coisas/pessoas? Inicialmente não sabemos de nada, sequer recebemos pistas. Cheguei até a cogitar que se tratava de uma coisa (sem detalhes para evitar spoiler), contudo fui surpreendido. É interessante perceber a integração entre a parte mais intimista (protagonista) e pública (cenário) no texto, ficou belíssima.

Jack:

Provavelmente, muitos de vocês devem conhecer a lenda do Jack’O, comumente associado ao Halloween. A autora cria a sua própria versão da figura assustadora, mas de uma maneira tão peculiar que faz com que criemos certa condolência pelo miserável que agiu somente por um sofrimento atroz. Porém, a nobreza de sua intenção não o exime de um futuro negro, guiado por forças do além. Sensível e aterrador, duas palavras que podem definir bem o que achei.

A princesa de Mangaleão:

Acredito que já esteja mais do que provado como fartura de bens não implica em felicidade e esta história nos reafirma. Histórias de reis e rainhas sempre estão nos rondando e a obra não deixa esta possibilidade escapar. Em um reino onde a fartura impera e a população vive em paz, os seus soberanos vivem um enorme drama: não conseguem obter um descendente. O enredo é simples, mas cheio de características da fantasia. As coisas mais simples exalam mistério e magia (as lágrimas da rainha criam nascentes de água, por exemplo). A conclusão guarda algo ainda mais marcante.

A senhora do lago:

Aqui está uma recriação da lenda de Arthur, onde a inovação fica por conta do acréscimo da tecnologia nesse cenário já mágico. Entretanto, o conto não foi transportado para os nossos tempos, algo que torna a dicotomia tecnologia-mundo medieval muito intrigante. Confesso que apreciaria saber o que aconteceria depois do final. Será que a autora um dia pode aproveitar a ideia em um romance?

Uma quase tragédia grega:

O próprio nome já nos permite vislumbrar o que iremos encontrar. O mito abordado é uma dos mais conhecidos da Grécia, mas, como seria de se esperar após o que já li, a escritora reveste as coisas com um ar atual. Não precisam temer um desvirtuamento do símbolo mítico, pois estamos diante de um trabalho pensado milimetricamente, ao menos é a sensação que tive. O que me conquistou foi o desenrolar até um ponto da aventura, em que ocorreria uma batalha, mas fica em aberto.

O holandês voador:

Vingança é um tema que constantemente dialoga com obras fantásticas ou não, mas que costuma deixar leitores interessados. Somos dotados da capacidade de criar valores e termos emoções e ambas as coisas guiam a nossa vida, mas o que aconteceria se elas se perpetuassem mesmo após o fim de nosso corpo? Com uma ambientação típica de narrações sobre piratas (taverna, mar, grandes barcos e personagens enigmáticos) somos “colocados na prancha” e caímos em páginas de grande deleite.

A menina dos fósforos:

Esse é um conto baseado em A pequena vendedora de fósforos(clique no título para ver o texto original)deHans Christian Andersen. A Georgette recria o clima do conto original, deixando ainda mais arrepiante o que já era. As singularidades na escrita é o que torna isto uma homenagem ao Hans Christian Andersen, mas também uma demonstração de criatividade, afinal reinventar algo e imprimir o seu “eu” naquilo não é uma tarefa fácil.

Alquimia perfeita:

Este é um conto inspirado na história do alquimista Nicholas Flamel. Fiquei admirado como a resignificação desse personagem histórico, a quem se atribui a criação da pedra filosofal, ficou boa. Apesar de ter achado o conto curto, acredito que daria para explorar mais os personagens, fiquei satisfeito. O final pega gancho nas supostas declarações de que o alquimista foi visto em várias ocasiões ao longo de séculos, querem saber como? Só lendo!

A folha em branco:

Ao começá-lo, já me perguntei: “Estou lendo uma história dentro de uma história?” para em seguida dizer empolgado: “Legal!” Parece-me que a própria escritora se fez personagem nas últimas páginas. No decorrer de seis páginas é como se cavássemos um túnel para o centro da mente de um escritor em crise na sua atividade. Uma vez que escrevo também, senti-me ali retratado nas vezes em que tentava retirar da cartola ao menos uma boa ideia, mas tudo parecia débil demais. Foi um término perfeito para o livro.

O livro conta com ótimas ilustrações, trabalho de Walter Tierno, antes de cada conto e na capa (o dragão espreitando a escritora deixa visível o conceito da coletânea); diagramação perfeita; revisão excelente, não tenho observações a fazer. Enfim, leitura mais que recomendada! Ganhou cinco selos cabulosos.

Nota:

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