Seguindo a festa para Jack London…alguém aceita uma resenha? O bolo já acabou. Para quem aceitar a oferta, aqui está uma análise de O chamado da floresta, feita pela Cristine!
Bio: Meu nome é Cristine, moro em São Paulo, sou analista de sistemas, dando os primeiros passos na área editorial como preparadora/revisora de textos. Mantenho o blog printStackTrace(), em que escrevo sobre meus principais interesses – ou vícios: livros, cinema e corrida -, e o Cafeína Literária. Tenho também um outro blog, Hora do pão, no qual publico algumas das receitas mais consumidas aqui em casa.
![Capa](https://leitorcabuloso.com.br/wp-content/uploads/2013/01/O_CHAMADO_DA_FLORESTA_1231003308P.jpg)
Desde criança tenho um fraco por filmes “estrelados” por animais. Confesso, ainda hoje gosto de assistir, contudo mais pela nostalgia da infância do que pela qualidade dos roteiros. E foi através de um filme cujo principal coadjuvante é um cão que conheci a obra de Jack London. Não sabia da existência do livro homônimo à época em que assisti pela primeira vez a Caninos brancos – a versão de 1973, de produção europeia. Mas quando assisti à versão produzida pela Disney, de 1991, com Ethan Hawk no papel principal, já tinha conhecimento disso e foi o que me levou a ler o livro de London. Li também O chamado da floresta (o assunto desta resenha), ao descobrir que se passava no mesmo ambiente, mas cujos eventos eram anteriores aos de Caninos brancos.
Sinopse:
Jack London (1876-1916), que tentou a vida no garimpo em 1897, narra neste romance as aventuras de Buck, o privilegiado cão doméstico de uma família californiana. Em meio à febre do ouro, Buck é roubado de seu ambiente e contrabandeado para o Alasca. No caminho, sofre uma série de maus-tratos, até que encontra refúgio em uma irmandade de cães e, assim como os corajosos garimpeiros, vê-se na necessidade de se adaptar à vida selvagem. Buck entra em contato com sua natureza primitiva, em uma jornada de autoconhecimento, e redescobre seus instintos.
Antes de mais nada, é necessário destacar que a estória é narrada do ponto de vista de Buck, o cão. Não, ele não é um animal falante. O livro não é narrado em primeira pessoa, mas em terceira. O que quis dizer é que o narrador, mesmo onisciente, acompanha os passos apenas de Buck. Os fatos são narrados de maneira simples, objetiva e direta – do modo como um cão os enxerga, sem firulas. Frases curtas, poucos adjetivos e advérbios. O texto de London é seco, rústico, sem excessos, por vezes quase rude. Fez-me lembrar de uma observação feita por Caetano Galindo, o responsável pela versão mais recente da tradução Ulysses, de James Joyce. Ele comentou que Joyce, ao escrever Ulysses, acreditava que o texto deveria servir à estória. Não apenas ser uma ferramenta da escrita, mas sim complementar e enriquecer a narrativa. E, sem dúvidas, London atinge esse objetivo. A forma servindo ao conteúdo.
É interessante notar que Caninos Brancos percorre caminho inverso ao de Buck. Enquanto o primeiro é um lobo – que alguns conjecturam ser descendente de Buck – que passa por vários donos até tornar-se um animal doméstico; o segundo é um cão doméstico, criado por uma família californiana abastada, que é raptado, vendido, passa por vários donos enquanto sente aumentar dentro de si o instinto animal de seus antepassados lupinos. E, enquanto acompanha as “aventuras” de Buck, o leitor é levado a meditar sobre conceitos como lealdade, liberdade, selvageria, civilidade, amizade. Aparentemente influenciado pela corrente literária que consagrou Émile Zola, o naturalismo, o autor explora um tema recorrente na época: hereditariedade versus ambiente, natureza versus educação. Até que ponto a alteração drástica no ambiente em que Buck passa a viver é responsável por sua mudança de comportamento? Ou será que a parcela maior de responsabilidade recai sobre a herança de seus antepassados lobos?
Há algo de contraditório na jornada de Buck. Ele sai da casa do juiz Miller, onde não tinha nada a fazer além de passear com o juiz e seus filhos, era bem alimentado e podia dormir sempre que quisesse. Enfim, praticamente o paraíso. E vai para o que parece ser o inferno, onde apanha, passa fome, é obrigado a fazer trabalho pesado todos os dias e briga com outros cães para se manter vivo. E, nessa transição, ele deixa de ser o cão bonachão e sossegado e passa a ser um animal valente, destemido e temido. Contudo, ao mesmo tempo em que Buck se embrutece e crescem nele a selvageria e a agressividade, imprescindíveis nesse ambiente tão inóspito, crescem nele também a sensação de liberdade e a confiança em si mesmo.
É um livro de leitura rápida, mas nem por isso pouco intensa. Para quem gosta de cães e para quem não gosta também. Afinal, a jornada de Buck é similar à de qualquer outro herói de livro.
“Soava um chamado das profundezas da floresta e, tão frequentemente quanto ouvia esse chamado – que emocionava e seduzia de forma misteriosa – sentia-se compelido a dar as costas para a fogueira e a terra batida ao redor dela ao mergulhar na floresta, cada vez mais longe, sem saber para onde nem porque; nem com isso se surpreendia, pois o chamado soava imperiosamente, nas profundezas da floresta”. (p.83)