Autor: Cirilo S. Lemos
Editora: Draco
Origem: Brasileira
Ano: 2012
Edição: 1ª
Número de páginas: 240
Skoob
Sinopse: Em “O Alienado”, romance de Cirilo S. Lemos, o leitor é trazido a um complexo labirinto de acontecimentos e emoções onde acaba se questionando sobre quem observa suas memórias ou controla o destino das pessoas. Que segredos existem por trás das torres de aço e vidro da Cidade-Centro? Em um mundo de dúvidas, só existe uma certeza: os Metafilósofos vigiam você.
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Análise:
“Penetrar no nada é como mergulhar numa piscina feita de sonho […] Lentamente, o mundo se torna um fantasma de si mesmo até que só reste uma brancura colossal que se parece com pessoas e carros e números e vulcões e animais e tudo e nada.”
—Pág. 216.
Saudações, caros leitores! Essa vai ser uma resenha difícil de escrever, pois tentarei ordenar algo que em uma primeira olhada pode parecer caótico por completo, mas que em um exame mais atencioso se descortina, revelando o nosso próprio mundo, mas de uma maneira surpreendentemente surreal, o que pode deixar leitores despreparados atordoados. A sensação ao concluir o livro foi como se a minha cabeça fosse rachada ao meio e todas as ideias mais impressionantes escapassem, fazendo-me ficar por um longo momento boquiaberto sem a capacidade de formular outra palavra além de “Uau!”. Vamos dialogar um pouco sobre esta obra que é uma subversão à própria realidade (ou seria contra a ilusão que chamamos realidade?), porém tomemos cuidado com os Metafilósofos. Se alguém lhe disser que individualidade não traz felicidade, corra!
Ao contrário do que normalmente faço, nesse caso irei primeiro comentar acerca da parte física do livro, visto que foi um atributo que me conquistou profundamente porque conseguiu manifestar fisicamente algumas ideias do enredo. Por exemplo, o título do livro na capa, como se estivesse saindo de foco, retrata algo instável, um elemento cujos detalhes evanescem, como a individualidade, qualidade vista como uma maldição pelos temíveis homens com ternos alinhados e máscaras de couro (Metafilósofos). As imagens, como se fossem um rolo de filme na frente da obra, transmitem a ideia das cenas como ocorrendo com espectadores, mas nesse contexto a ideia tem um sentido duplo: 1 – O leitor que “observa” aos personagens e 2 – Os Metafilóficos que a tudo observam dentro da trama. Já as imagens na contracapa, que parecem recortes, me passaram uma ideia de fragmentação, algo que se reflete na narração do escritor que ora vai para um passado, ora volta ao presente, ora vai para o futuro e às vezes essas transições são “interceptadas” por trechos do romance escrito por Cosmo Kant, protagonista da história. Vale comentar que em três pontos da leitura somos surpreendidos por algumas páginas de quadrinhos que complementam a riqueza de imagens que criei em minha mente ao entrar em contato com o surrealismo do autor, além de que a segunda “interceptação dos quadrinhos” deixa uma abertura para especulações sobre o seu sentido, mas isso é respondido no final. O Cirilo vai sobrepondo essas coisas muito bem, como um cirurgião que corta a derme de um paciente com uma fria paciência, e cria uma teia complexa e fascinante onde ficção e realidade se misturam. As folhas de guarda (primeira e última páginas) parecem rasgadas e remendadas com durex, o que nos remete a ideia do livro como um processo de construção-desconstrução-construção, ou seja, formulação de um cenário que depois é devastado e em sequência recriado, como acontece com a personalidade do protagonista em sua jornada. As páginas de tom amarelado são as melhores para leitura, meus olhos com certeza estão gratos.
Agora, vou tentar dizer mais algumas palavras sobre o texto. A narração é cheia de simbolismos, o que pede do leitor uma relação atenciosa, portanto, se você quer algo para somente matar um tempinho, passe longe, essa é uma daquelas experiências em que você necessita dedicar-se de corpo e alma, pois somente mediante essas condições é que poderá se deleitar com o banquete de reflexões tecidas pelas palavras. Acredito que uma boa música pode até contribuir para que a atmosfera fique a mais prazerosa possível (eu indico Pink Floyd ou algo semelhante). Sério, essa foi uma obra que chegou a me fazer passar uma madrugada inteira me revirando na cama devido à sua pungência mental sobre mim.
Há uma forte crítica à nossa atual sociedade que procura nos transformar em modelos padrões ou nos reduzir a algo tão pequeno que as nossas singularidades, aquilo que nos torna quem somos de verdade, passam despercebidas. Um exemplo dos esforços do sistema para nos regular é a tão conhecida frase “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” que, apesar de já termos saído do período histórico da ditadura em nosso país tropical, ainda é usada por indivíduos que enxergam nela a sabedoria em forma de signos. O romance, que nesse caso não se trata de uma história romântica, como diria Cosmo Kant, é como uma bomba atômica para esta máxima que pretende nos tornar frios autômatos. O modo como Cosmo se inquieta com as suas indagações perante a realidade estabelecida, pois aqui percebemos que realidade é também uma questão de interpretação, onde muitas forças se enfrentam para dominarem, e não somente de organização da matéria, fez com que sentisse empatia por ele, pois sei quantas vezes já duvidei até de mim mesmo.
Virgílio, um amigo de infância de Cosmo, é a fagulha que acende a fantasia na história e serve de contraponto para o protagonista de pensamentos simples e submissos que se mostra nas primeiras páginas. Achei que a identidade do Cosmo foi bem construída, visto que acompanhamos todas as suas etapas, durante as quais o livro vai abrindo o caminho até o nosso cerne, aquilo em que acreditamos, e a realidade, dentro da obra, se mescla com uma ficção, portanto temos uma ficção dentro da ficção. Como lhes disse, tudo aqui é muito surreal, mas no final das contas fala sobre o que é real depois que fechamos o livro, pois fala sobre ideias, sentimentos, liberdade, questionamento, controle de massas etc.
Essa obra é uma grande “sacudida” espiritual, uma experiência que amplia a percepção dos leitores. Exceto por alguns erros de revisão, a editora e o escritor merecem os meus aplausos, assim como toda a equipe envolvida no trajeto do livro até as minhas mãos. Como vocês perceberam, não falo sobre os acontecimentos do romance em si, mas sobre o que eles despertam, aquilo que é responsável por conquistar os leitores, e faço isso para preservar ao máximo as surpresas que vocês terão, além de lhes estimular a curiosidade. Dou cinco selos cabulosos! Vou deixar uma música que traduz muito bem o espírito de “O Alienado”.
Nota: