RESENHA: “SOCIEDADE DAS SOMBRAS: CONTOS SOBRENATURAIS”, UMA OLHADA NO QUE HÁ POR TRÁS DA CORTINA

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Capa
Autor: Vários
Editora: Estronho
Origem: Brasileira
Ano: 2011
Edição:
Número de páginas: 176
Skoob
Sinopse: Sociedade das Sombras – Contos Sobrenaturais é uma antologia que reúne autores que participaram do programa da rádio Digital Rio e/ou se tornaram parceiros do blog Contos Sobrenaturais. Composta por contos dos mais variados, a antologia manterá a ideia do programa, que busca as mais variadas histórias sobre seres lendários ou não, onde o fã de literatura fantástica e sobrenatural pode encontrar histórias e estilos dos mais diversos. Mantendo o foco nos mundos ocultos nas sombras, essa antologia trará em especial, histórias fantásticas onde o segredo da existência de seres sobrenaturais é guardado a sete chaves. Este projeto é organizado por Anny Luccard e Rádio Digital Rio, em parceria com a Editora Estronho e conta com prefácio de Giulia Moon.

Book Trailer:

Análise:

“A partir de hoje, vocês está sob o olhar atento da Sociedade das Sombras e ao ingressar pelo mundo oculto na escuridão, terá privilégios que só o saber pode dar a alguém, como deveres que tal conhecimento te trará. Cuidado a quem revele o segredo dos seres nas sombras, pois não vai gostar de receber uma visita de um dos nossos membros.” 

– Sociedade das Sombras

Saudações, caros leitores! A proposta desta coletânea, segundo as palavras na contracapa do livro, é apresentar ao leitor histórias acerca de uma camada mais discreta da realidade, algo que só vislumbramos às vezes com os cantos dos olhos, – será que o vulto que vimos era uma aparição? – mas que quando conseguimos contemplar em sua totalidade nos traz tormenta, maldição, mau agouro. São relatos de quem teve contato com este nível tétrico da existência e nunca mais foram os mesmos, perseguidos, mortos, levados para algo pior que a própria morte. Os estilos de escrita são os mais diversos. Agora vamos aos contos…

O cemitério de Reggor (Paulo Soriano)

“—Eles são demônios famintos. Violam os túmulos e se alimentam de carcaças humanas. Portanto, prometes-me que zelarás pelo meu túmulo. Não deixes que eles se aproximem.”

—Pág. 15.

Acompanhamos Lucbarr, um jovem que reside sozinho em uma grande propriedade no vilarejo de Shairaff. Ele é neto de uma senhora, deveras supersticiosa, que faleceu com idade avançada e que por meio de um sonho se faz presente para o jovem e com medo em seus olhos sem vida implora para que ele proteja o seu local de descanso eterno contra uma ameaça que paira sobre o cemitério de Reggor. Há duzentos anos uma grande onda de morte passou pelo vilarejo de Reggor, ceifando centenas de vidas, e fez com que os sobreviventes abandonassem o lugar. Lucbarr sofre de tafofobia, o que proporciona um ar mais pesado ao enredo. A história não é dotada de grandes mistérios, tudo fica exposto para quem souber olhar, mas a narração é de uma lapidação espetacular, o que nos acorrenta a este quadro cujos moldes parecem pautados em um estilo semelhante ao de Poe.

O misterioso caso de Ashfield (Adriana Rodrigues)

Em uma Inglaterra com traços clássicos de Sherlock Holmes em simbiose com o horror Lovecraftiano, em que as criaturas habitam muito perto de nós, escondidos, alguns escravizados por nossos governantes que visam evitar um pânico coletivo. É nesse contexto em que Watson, um médico inexperiente na época da narração, recebe um convite de um amigo, Rick Shadow, para visitá-lo. Ao chegar são pedidos os seus pareceres acerca de um caso que se prova mais complexo do que parece e desemboca numa conclusão imprevisível. Um conto que em pouquíssimas páginas nos faz querer mais.

Tratado imortal (Adriano Siqueira)

Um vampiro, senhor do reino de Valaska, visita o reino de uma bruxa, irmã de sua falecida amada, para tratar de assuntos políticos e carrega também outro interesse. O cenário parece uma mescla entre o medieval com as tecnologias do vapor, representado na carruagem que transporta o morto-vivo. O estilo romântico-gótico aliado às possibilidades do mundo do vapor me deixou com um gosto amargo de saudade na boca. Só gostaria que o impacto social/econômico do vapor fosse mais explicado nesse conto.

Barbara está morta (Celly Borges)

Ruas imundas que são as manifestações do espirito de seus habitantes, tanto aqueles que são banais, aqueles que vemos sob a luz da lua, quanto os mais excêntricos, os que se sentem mais confortáveis nas sombras, os filhos soturnos dos pesadelos mortais. Mas serão os monstros mais terríveis do que os humanos corrompidos e corruptores de seus iguais? Será que os males envoltos pelas trevas não são preferíveis à companhia dos vermes rastejantes que se trajam com vestes há muito maculadas e que às vezes glorificam seus supostos status divino? São os pensamentos que vão rondar àqueles que lerem este conto. Acompanhe os passos de Barbara nesta narração de beleza poética escrita com grande talento.

A sala das ampulhetas (Alícia Azevedo)

Qual adversário mais impiedoso, irrefreável e poderoso podem enfrentar os humanos – como disse Tolkien, fadados ao eterno sono –  que não seja o tempo? Você gostaria de saber quanto tempo de vida lhe resta? Qual o peso que a nossa ignorância do devir possui em nossas decisões? Medos e anseios tão familiares deixam o horror destas páginas tangível.

A escolha (Nazarethe Fonseca)

Uma jovem com dezoito anos de idade opta por dar fim à própria vida após uma decepção amorosa, contudo um encontro inusitado causa uma revolução em sua perspectiva. A oportunidade de presenciar um prisma precioso da existência a faz questionar o limite de nossa liberdade e a natureza qualitativa da vida. É uma história que constrói uma argumentação valiosa: compreender a morte nos permite aproveitar mais a vida.

O inferno pode esperar (Carla Ribeiro)

Um anjo caído com uma missão clara e inegociável interfere no rumo de algo para o qual sequer deveria ter dedicado muita atenção, uma vez que não era algo de sua alçada, todavia um único olhar foi mais do que suficiente para jogá-lo em uma punição. Tudo é contado belamente. Mostra como um capricho pode ser tão fatal.

O regresso (Fábio Ventura)

Viverem isolados de toda a balbúrdia e efemeridade da civilização, eis o desejo de um casal de apaixonados. Entretanto uma mensagem inesperada os separa. A mulher, conforme os dias vão passando, se sente cada vez mais solitária e se pega cada vez mais sonhando com o retorno de seu amado. Em um dia tão repentino quanto a sua partida o homem regressa, porém completamente modificado, com um jeito demoníaco. Esta é uma metáfora sobre como o espirito humano se molda de acordo com suas experiências.

Monstro (Kampos)

A vontade de vingança de um camponês contra o rei tirano que ordenou a sua execução o faz aceitar a proposta de um ser misterioso sem pensar duas vezes. O final é surpreendente e o jeito maquiavélico daquele que ajuda o prisioneiro é também expressão de um refinado humor negro.

Férias encantadas (Louise Cardoso)

“O que você faria se de repente descobrisse que possui poderes mágicos e está destinada a salvar o mundo de forças maléficas?”

—Pág. 121.

Admito que essa ideia na qual a trama tenta se alicerçar me fez torcer o nariz, não por um pré-julgamento e sim pela saturação do tema explorado em tantas histórias até a exaustão nos últimos anos. Estas palavras de abertura do conto no mínimo deixa subentendido que na trama seremos testemunhas de um embate de forças antagônicas de grande poder, uma vez que para dominar o mundo, sem dúvida alguma, é necessário um alto nível de poder. Contudo o que vemos são personagens superficiais, inseridos na trama e mal apresentados, sem antecedentes suficientes ou descrições físicas para lhes conferir profundidade. A história não possui pontos altos e quando achamos que teremos uma cena boa tudo acaba rapidamente. O conto ainda termina em um momento que deixa o enredo mal amarrado. Meu único conselho para a autora seria que reescrevesse o conto, dando mais profundidade aos personagens (descrições físicas e peculiaridades de personalidade).

A vida oculta (Kane Ryu)

Dois irmãos gêmeos, sendo uma mulher e um homem, criados pela mãe que se separou há alguns anos do pai deles, acabam de completa 21 anos e na sexta-feira seguinte ao aniversário a mãe, que alega precisar fazer uma viagem de negócios, diz para eles não saírem à noite, mas contrariam a ordem e segredos familiares são revelados. Um conto que mostra que até mesmo os tipos mais improváveis possuem uma família e será que toda família também não possui os seus segredos?

Urbanos (Gabriel Arruda Burani)

Uma garota com uma personalidade completamente urbana, com uma casa grande e luxuosa e formação educacional nas melhores escolas particulares, descobre que possui um dom e procurando respostas percebe que mesmo na selva de pedras a magia persiste. O conto fala sobre a fraqueza da magia (entenda-se inteligência imaginativa) na nossa sociedade tão técnica e a falta de propósito na correria do dia a dia.

Espectro (Bruno Pereira)

Todo bom pai de família almeja conseguir uma boa moradia onde seu casamento possa prosperar e a criação de seus filhos seja a melhor possível. Mas como agir quando algo parece não se encaixar nesse quebra-cabeça? O desfecho é de deixar o queixo caído e o suspense é bem desenvolvido.

Entra a caça e os caçadores (Viviane Fair)

Uma caçadora de vampiros que mantém uma relação de amor e ódio com seu arqui-inimigo que é um vampiro representante da linhagem atualmente em moda, sedutor, metrossexual, jovial. O texto é entediante, ao menos se você não for uma adolescente que sonha com príncipes encantados dotados de corpos perfeitos e que a cada segundo exalte a sua beleza até o ponto desse gesto se tornar um fastio. O vampiro com jeitão canalha não convence para leitores que já provaram de clássicos como “Drácula” e “Entrevista com o vampiro” e a caçadora, com 29 anos de idade, mais parece uma adolescente com os hormônios em pleno furor. Com tantas coisas que poderiam ser descritas, enriquecendo o enredo, a autora prefere gastar tempo cobrindo o vampiro de elogios. Um texto muito cansativo.

A coletânea realmente é muito boa, a minha única observação de ponto negativo é a escolha do conto para fechar o livro, acho que em meio a tantas pérolas “Entra a caça e os caçadores” poderia ter uma melhor posição no inicio ao invés de no término. Estou habituado com livros que aceleram conforme suas páginas avançam e esse último conto foi uma freada muito brusca. Mais uma vez obviamente devo elogiar o trabalho brilhante de diagramação e a arte na capa e ao longo das páginas do livro. A estronho mais uma vez me proporcionou uma excepcional viagem pelas letras! Dou três selos cabulosos.

Nota: