RESENHA: “DESASTRE” DE S. G. BROWNE

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Capa
Capa
Autor: S. G. Browne
Editora: LeYa Brasil
Origem: Americano
Ano: 2010
Edição: 
Número de páginas: 
272
Skoob
Sinopse: Regra Nº1: Não se envolva com humanos. Num mundo onde os sentimentos, caminhos e valores dos seres humanos são comandados por entidades superiores, o destino pode ser traiçoeiro. Conheça Fado, um imortal que designa sinas aos homens, mora num apartamento de luxo em Nova York e veste uma atraente roupa humana. Solidário com seus clientes e apaixonado por uma vizinha, passa a burlar suas tarefas, alterar destinos e bagunçar as coisas no reino dos Céus. Com um texto leve, hilário e muito atual, Desastre vai fazer você repensar suas escolhas, acreditar no poder do amor, e descobrir que até a Morte não é assim tão má pessoa.

Análise:

“Distraídos por seus desejos, sobrecarregados com suas necessidades e carências, eles nunca permanecem nos caminhos que teriam de trilhar. Seus futuros perfeitos. Seus fados mais benéficos.”

—Pág. 8.

 

Saudações, leitores! Quantas emoções, pensamentos e forças externas a nós condicionam a nossa existência? Obviamente muitas, se analisarmos com um olhar bastante atencioso. Somos criaturas fascinantes do ponto de vista intelectual e sentimental, nossas esferas de maior complexidade, pois biologicamente nos parecemos com outros animais. Quem nunca parou para refletir sobre a gama de possibilidades para o ser humano? Quantas vezes paramos e nos observamos como por uma lente de microscópio e ficamos fascinados com o que vemos? Enfim, o que achar de um livro que reflete sobre isso e as consequências que a cultura de auto prazer sem responsabilidades e consumo desenfreado causa nas relações interpessoais e nas nossas experiências? Isso com boas e generosas doses de humor, mas sem perder a qualidade dos argumentos por causa de piadas mal colocadas. Será que esta resenha foi determinada por Fado ou Destino? Sim, há diferença entre eles. Vamos em frente…

A primeira coisa que me chamou muita atenção nesse livro foi a capa, pois, antes mesmo de adentrar nas páginas, ela já me transmitia um elevado sentido, uma ideia que instigava o pensamento. Os braços de sombra tentando alcançar um par de asas parecem uma metáfora sobre a condição que vivemos de sempre estar tentando alcançar algo, seja um objetivo que após ser realizado acaba passando e às vezes sendo esquecido ou um estado emocional que preencha um vazio existencial. Essa busca na atualidade, como é abordada no livro, adquiriu moldes perniciosos, visto que na maioria das vezes consumimos para nos anestesiarmos diante de um medo e evitamos sentimentos profundos devido ao medo de que ele seja também como a ação de consumir, algo fugaz e que só amplia a potência da dor. Sendo como for, vivemos em uma busca contínua, e o caminho mais lógico é que ascendamos, obtenhamos uma compreensão mais clara acerca de nós mesmos, porém quem disse que as nossas ações são sempre lógicas? Quem nunca agiu guiando-se por um princípio equivocado e com pouca consideração pelas consequências? Realmente viver não é fácil como mandar um e-mail ou comprar uma peça de roupa em uma loja virtual. Muitas indagações são provocadas no leitor e volta e meia você vai se reconhecer em alguns exemplos, toquem eles em pontos dolorosos ou tornem mais fortes aspectos positivos em você.

O livro dispensa uma introdução e já começa com a apresentação do protagonista, Fado, um indivíduo bastante pessimista, mas que tem breves momentos de um otimismo vacilante, sendo que isso se desenvolve na trama e o personagem acaba surpreendendo com o desfecho sobre como encara a vida, todavia o humor, ora ácido, ora mais suave, é uma qualidade que diverte bastante e me cativou, assim como deverá cativar os demais leitores. O amargor de Fado é devido ao fato de ser o responsável por designar sinas, condições das quais não se pode escapar, para alguns humanos, restringindo a liberdade deles e, na maioria dos casos, os conduzindo a futuros não muito agradáveis. Essa irritação é alimentada também pela sua relação problemática com Destino, uma mulher lasciva e bela, cuja função é conceder caminhos mais graciosos aos humanos, geralmente os humanos em sua trilha são aqueles que se destacam na vida e possuem mais liberdade nas ações. Nesse conflito de Fado e Destino é que mais dialogamos sobre as implicações práticas de termos o livre-arbítrio e vivermos em sociedade. A liberdade nos permite fazer o que quisermos, mas o bom senso nos cobra frequentemente, além de que alguns sentimentos nos ligam tão fortemente a outras pessoas que abrimos mãos de detalhes em nome de coisas que nos são mais preciosas. Mas o que é ser livre verdadeiramente? Pergunta difícil, mas que muito estimula a nossa mente.

A narração é toda feita por fado, sendo as falas dele e de outros personagens destacas por aspas. Inicialmente considerei a possibilidade de a narração ficar monótona depois de um tempo, afinal acompanhar um olhar tão parcial das coisas e desenvolver um livro com um foco tão pessoal não é tarefa fácil, mas o autor surpreende inserindo vários personagens que causam diálogos sobre inúmeros assuntos. A jornada de Fado é também uma jornada nossa, abordando assuntos de extrema importância e que tanto sono já devem ter tirado de alguns leitores, mas o livro em nenhum momento cai na mesmice de virar um “manual para a felicidade”, mas nos incentiva a viver com mais senso crítico, coragem e abertura a sentimentos verdadeiros e construtivos, pois nem sempre valorizamos o que é mais importante.

S. G. Browne conseguiu criar modos extremamente peculiares a cada personagem e isso é o que move as páginas do livro, dando a impressão de que às vezes estamos acompanhando um seriado, nesse caso cada capítulo nos parece um episódio onde um encontro acontece e uma questão é suscitada, sempre dando a margem necessária para o leitor raciocinar o mais livremente possível. A diagramação é um pouco diferente do comum, ficando o número nas laterais do livro com um recuo maior que as demais margens, além disso não há algum detalhe que deva ser mencionado. Os capítulos são curtos, mas não possuem uma narração abrupta, muito pelo contrário, são dinâmicos e muito bem ligados.

No livro há também uma história romântica, o cerne de tudo, mas que tem moldes atrativos, não é algo que se desenvolve exacerbadamente para o lado erótico, mas também não fica congelado em uma relação sem sabor. O que posso dizer, sem soltar spoilers, é que os dois aspectos são bem dosados e o resultado é o retrato de uma relação madura e profunda, bela e com suas pitadas de humor que só existe entre casais, um tipo de intimidade que deixa muitos instantes tão ternos. O desfecho é perfeito e mostra mais uma vez a originalidade da obra. Duvido algum dos livros antecipá-lo! Dou cinco selos cabulosos! Humor crítico muito bem estruturado!

NOTA: