RESENHA: “SOMBRAS DE UM CRIME” DA VAL MCDERMID

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Capa
Capa
Autora: Val McDermid
Editora: Bertrand Brasil
Origem: Inglesa
Ano:2011
Edição: 
Número de páginas: 504
Skoob
Sinopse: A psicóloga Fiona Cameron dedicou a vida a capturar criminosos para impedir que outras pessoas morressem de forma tão brutal quanto Lesley, sua irmã caçula que fora estuprada e assassinada. Contudo, jurou jamais trabalhar para a Scotland Yard novamente, uma vez que agiram contra seus conselhos e, como resultado, destruíram uma investigação.

No entanto, ao descobrir que há um assassino à solta liquidando escritores da mesma forma como as vítimas são mortas nos livros, ela não consegue deixar de suspeitar que seu namorado, o premiado autor de suspense Kit Martin, seja um alvo em potencial, e decide investigar.


Análise:
 
“A diferença, ponderou ele, é que sabia que o que estava lendo era ficção. Não importava que não tivesse resolvido o crime ao apagar a luz. Seus assassinos não iriam matar novamente até que estivesse preparado para eles.”

—Pág. 39.

 

Saudações, caros leitores cabulosos! O livro resenhado hoje chegou até minhas mãos por uma pequena ajuda do destino. Vou lhes explicar isso melhor. Foi o seguinte: um vizinho meu costuma receber alguns folhetos de propaganda de livros de diversas editoras e com isso de vez em quando acaba descobrindo alguma obra atraente. Então, foi em um destes folhetos que o nome Val McDermid surgiu e com um livro que já atraiu a atenção por causa da sua capa que retrata um cenário sombrio cuja simples visualização já nos remeteu a ideia de que ali estava uma obra de potência extrema, um maravilhoso banquete de suspense. A minha curiosidade foi ainda mais aguçada pela promessa de originalidade no modo como a autora desenvolve a figura do assassino e por isso mesmo fui exigente durante a minha leitura, afinal sou um leitor muito familiarizado com o estilo. Agora, sem mais demoras, vou começar a tecer minhas impressões.

O enredo começa de uma forma não muito original, devo admitir, com uma personagem (Fiona Cameron), cuja força motriz é a morte da irmã caçula. Isso é um exemplo claro de uma personagem que não teve o impulso para a “ação” ou motivação heroica, como preferir chamar, vindo de si, mas de um fator externo. Exemplos que seguem esse caminho não faltam, seja no cinema ou na literatura, mas Fiona nos apresenta originalidade em sua forma de pensar, principalmente no que se refere a como conduz seus estudos das mentes psicopatas. Normalmente em minhas leituras o que vejo, acerca de psicólogos traçando perfis criminais, é um grupo de pessoas tentando elaborar um perfil de vida (infância, adolescência) condizente com os crimes em questão e a partir disso caçar pessoas que se encaixem nesse molde. O que acompanhamos em “Sombras De Um Crime” é um processo de investigação inovador, contudo ele não parte de princípios arbitrários que só fazem sentido nas condições apresentadas pela escritora. Tudo é muito coerente e alicerçado em uma minuciosa explanação sobrea a razão das coisas serem de tal forma, isso passa credibilidade para a autora, uma vez que demonstra que além de possuir uma mente criativa, também realizou um extenso trabalho de pesquisa. Uma pesquisa é fundamental para se produzir um bom livro de suspense, considerando que a maioria deles parte de princípios reais, e ficar divagando sobre coisas que você desconhece acaba diminuindo a atratividade da narração.

Outro personagem que ganha um grande destaque no livro é Kit Martin, esposo de Fiona e famoso escritor de suspense. Kit é uma pessoa cujo humor é tão grande quanto o sucesso de seus livros, porém isso não chega ao nível de pastelão fazendo com que a trama caia em momentos que destoem da atmosfera do livro. Não estou dizendo que o livro é uma tensão ininterrupta, mas que em nenhum momento o sentimento de apreensão chega a abandonar o leitor e isso é o que justamente faz as páginas passarem em um ritmo constantemente, um fator muito apreciado entre os leitores mais vorazes de suspense e pessoalmente não aprecio livros que fiquem fugindo da proposta do enredo. Kit é o elo de confronto na trama, visto que nas circunstâncias da história se vê ameaçado por um embate entre a ficção que ele próprio “vive” ao gerar suas histórias de suspense e ter de mergulhar por alguns momentos, controlados, dentro de terrenos sombrios com o intuito de criar os personagens mais aterradores, que não deixam de ser uma possibilidade do ser humano, vários casos já aconteceram na história da humanidade e servem como prova, e a realidade crua e visceral de um desconhecido que talvez possa mata-lo e fazê-lo viver o terror que já fez, por meio da escrita, outras “viverem”. Achei muito interessante esse contraste que a Val McDermid criou, pois quem ama o terror ou suspense, como livros ou filmes, obviamente anseia por tramas em que os personagens vivam as coisas o mais intensamente possível, entretanto é evidente que isto não é algo que desejamos para a nossa vida, ou seja, temos uma fascinação pelo medo controlado, necessitamos de uma adrenalina para sentir que estamos vivos ou para evitar o confronto com coisas que ocasionem desprazer. Sinceramente, acho que somos uma espécie fascinante, a mente humana oferece mesmo muitas dúvidas para serem analisada, refletidas e respondidas ou não.

A presença do assassino como alguém para quem algumas páginas são cedidas para expressar seus sentimentos e pensamentos demonstra um refino em seu modus operandi, mas alguns detalhes nos fazem ficar intrigados e confusos quanto aos seus reais motivos e como encara verdadeiramente as suas ações. É uma mente extremamente incomum, dotada de um sistema lógico a principio incompreensivo, mas que vai sendo elucidado, sem qualquer pressa, como um aperitivo que visa nos instigar a ir para o final, a refeição principal. O assassino não é do tipo carismático como o famoso Dr. Hannibal Lecter, mas nos cativa pela complexidade de seus pensamentos.

A autora também soube como conduzir histórias paralelas, sem deixar a atenção do leitor oscilar e essas partes acabam criando um cenário ainda mais completo para a obra e serve para deixar a narração dinâmica. Praticamente todos os personagens secundários têm a sua função no fluir da história e isso com certeza evitou cenas desnecessárias que nada acrescentassem à obra. A grande sensação que fiquei ao terminar este livro foi que se tratava de um estudo romanceado sobre a psicopatia. Genial e mesmo já tendo lido diversos romances de suspense, me senti respirando um novo ar e com certeza Val McDermid está agora entre os melhores livros que já li. O desfecho soa como uma redenção para Fiona e percebemos o quanto mergulhar em certos mistérios pode ser perigoso, pois quando se olha para o abismo, ele pode olhar para você. Por isso, este livro irá ganhar cinco selos cabulosos e palmas em pé! Abraços e até outro momento!

 

NOTA: