RESENHA + ENTREVISTA: “SENTIMENTO FATAL” DA JANETHE FONTES

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Capa
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Autora: Janethe Fontes
Editora: Dracaena
Origem: Brasileira
Ano: 2011
Edição:
Número de páginas: 352
Sinopse: Dividida entre a paixão avassaladora do marido Roberto, que tem um ciúme doentio, e o grande amor de infância de Daniel, que ela torna a encontrar dez anos depois, Adriana Diniz Martinez terá de vencer o medo e reencontrar a si mesma… Lutar pela própria integridade e também pela filha Letícia, pela qual é capaz de tudo, sobretudo suportar a violência do marido, sobretudo suportar a própria infelicidade.
Skoob
Análise:
 
“Por que tudo tem de ser deste modo? […] Por que a vida, o destino, fez isso conosco?”

—Pág. 258.

 

Olá, caros leitores! Sou um leitor que costuma mergulhar de cabeça nas páginas pelas quais me aventuro e quando essa minha característica é somada a uma narração envolvente é certeza que todo o sentimento que vier a ser suscitado pela leitura será intenso. Como confessei em uma resenha anterior minha do livro “Vítimas do Silêncio”, também da Janethe Fontes, não tenho qualquer vergonha em admitir que sou um leitor, salientando propositalmente o gênero masculino, que se envolve facilmente pelas emoções de um livro bem escrito, seja o ódio, tristeza, amor, medo e tantas outras tonalidades do espírito humano. Sim, já chorei com livros. Acredito que se conhecer e admitir o seu próprio modo de pensar, sentir e agir é um importante passo tanto para sermos seres humanos melhores, quanto para usufruirmos melhor de nossas experiências, seja uma leitura, música ou o que for. Portanto, quero dizer, se você aprecia saborear emoções vai querer ler as palavras que tenho a dizer acerca de “Sentimento Fatal”.

Esse é o segundo livro da autora e assim que ele chegou às minhas mãos, enviado diretamente pela própria autora (Obrigado, Janethe), me perguntei: O que será que esta obra me guarda? O primeiro livro da Janethe me agradou muito e confesso que para este segundo o meu nível de exigência aumentou, pois, devido à experiência anterior, já sabia do que ela era capaz e sinceramente, minhas expectativas antes mesmo de abrir o livro eram de uma escrita ainda mais madura e um enredo que me capturasse ainda mais. Posso falar com claras palavras: Obtive tudo o que esperava e mais um pouco!

A trama se mantém alicerçada em uma figura feminina, nesse caso, a jovem Adriana, uma mulher que se vê presa em um casamento que degenerou até um estado doentio, onde o marido a trata como uma posse que pode ter a vontade dobrada à sua. O marido de Adriana, Roberto, a oprime em múltiplos níveis: físico e mental. Essa opressão não atinge somente Adriana, mas também a filha do casal, Letícia, de cinco anos, assim como qualquer um que se coloque na trajetória de Roberto, um homem que move a sua vontade como uma bala, capaz de atingir qualquer um e aparentemente impossível de ser freada. A autora consegue desenvolver a figura de Roberto de tal forma que é impossível não odiá-lo e percebê-lo como um verdadeiro monstro e com certeza a forma mais grotesca e repugnante que um ser humano pode assumir. Com isto já comecei a perceber que a força da Janethe para nos causar extremos de emoções com suas criações literárias foi ainda mais aguçada nesse segundo livro.

Todas as personagens são muito bem trabalhadas, inclusive a pequena Letícia, que pensei que fosse ter um desenvolvimento mais singelo, se prova uma personagem muito carismática, inteligente e que interage muito com os eventos do livro. Foi muito bom a Janethe se preocupar em não mostrar somente a perspectiva dos adultos na história, mas os efeitos em Letícia, pois o tema do qual o livro trata é uma questão que também deixa marcas profundas em uma mente que normalmente sequer está preparada para compreender as intempéries da vida. Essa transferência de perspectiva para a criança também proporciona uma percepção mais ampla do cenário que se forma à nossa frente.

Em meio à turbulência que se tornou a existência de Adriana é justamente a filha a única coisa que a mantém ancorada na realidade e que lhe motiva a ainda viver, pois, com tanto sofrimento, ela não se sente capaz de extrair felicidade de outra fonte que não seja a sua garotinha. Constantemente me questionei sobre as razões que fariam uma pessoa suportar tantas e tamanhas agressões, mesmo sabendo que as emoções às vezes são elementos intempestivos que nos posicionam em situações que acabam criando uma vida própria da qual só saímos com muita dificuldade. Foi inevitável sentir certa irritação com Adriana por se manter tão submissa a um homem que a tratava como qualquer coisa, menos como um homem deveria tratar a sua esposa, pelo menos segundo os conceitos mais belos expostos nos votos matrimoniais. Esse começo foi perfeito e tornou a revolução de Adriana ainda mais poderosa, além de que a situação de degeneração do matrimonio e qualquer mínimo respeito ao outro é uma condição, infelizmente, mais banal do que gostaríamos e que alcança milhares de lares. Garanto que os leitores conhecem ao menos um caso assim. Admiro essa preocupação da Janethe em erguer uma obra tão empenhada em debater com os leitores sobre uma moléstia que aflige tantos lares e espalha tanta dor por milhares de vidas, pois essa energia ruim às vezes fica retida nas pessoas envolvidas e acaba afetando o resto de suas existências em qualquer lugar. O que me deixa ainda mais fascinado pela escrita da Janethe é o fato dela saber narrar de uma forma que, mesmo abordando um tema pesado, o leitor se sente completamente à vontade nas páginas e a leitura se mantém num nível de atratividade constante.

As coisas começam a mudar de cor com o surgimento de Daniel, a grande paixão da vida de Adriana. Está é outra característica que me cativou nas obras da autora: a maneira como, apesar de aparentemente clichê, os enlaces amorosos conseguem adquirir seus contornos de originalidade e surpreendem. Não esperem uma relação plena, pois mesmo sendo frutos de uma obra de ficção, as personagens são demasiadamente verídicas e conflitos de pensamentos acontecem portanto, a coisa não funciona na base do “se encontraram, permanecem unidos, lutam juntos contra o mal e são felizes para sempre”. Há algumas surpresas ao longo do livro, mas garanto que o final é muito bom e não deixa nada a desejar.

Uma característica que me chamou a atenção nessa obra da Janethe é que, ao contrário de “Vítimas do Silêncio”, onde a violência sexual era o eixo, neste livro ela se detém mais sobre a relação do casal formado por Adriana e Daniel. Acredito que isso se deva justamente ao fato de no livro anterior o sexo representar a fonte do trauma para a protagonista, mesmo quando o afeto vem de uma pessoa em que ela confie. Para superar verdadeiramente isso, a protagonista de “Vítimas do Silêncio” demora bastante tempo. As cenas mais intimas do casal não são descritas de forma vulgar ou desnecessária, como um apelo pela atenção do leitor, mas com um jeito tão poético que as ações em si não são o mais importante, mas o simbolismo que elas carregam, pois para um casal que se ama de verdade, fazer sexo não é unicamente um processo físico, mas uma integração de mentes, espíritos, uma espécie de jornada em que se pode por um momento sentir-se mesclado ao outro, um único ser que se sente pleno por encontrar naquele instante a razão do universo. Sei que pode soar um pouco exagerada essa visão, mas é a melhor maneira como este humilde leitor acha que pode retratar a beleza da poesia que a autora consegue alcançar nesse romance. Adriana é uma personagem que se desenvolve tanto durante o livro que é impossível não admirá-la como exemplo de pessoa forte que, após muitas provações, lágrimas e sangue derramados, não recua quando se encontra de frente para o perigo em um momento decisivo. Recomendo este livro para todos os leitores! Emocionante e engajado, duas qualidade belíssimas! Por isso, dou quatro dos cinco selos cabulosos para “Sentimento Fatal”.

NOTA:

Entrevista

Janethe Fontes

Olá, Janethe, esta é a segunda vez que a entrevisto, mas a emoção em poder de dialogar com você é a mesma. Como cada livro é uma nova aventura e até mesmo releituras geram experiências diferentes, pois mudamos constantemente, a conversa com uma escritora não segue regra diferente. Muitos livros depois, me encontrei com uma nova obra sua e acho necessário mais uma vez conversarmos. Primeiro, quero agradecer pelo seu carinho com os leitores e em ceder mais uma entrevista.

 
Agora vamos às perguntas…

 
1 – Obviamente a primeira pergunta não poderia ser outra que não: Como foi o processo de escrita nesta segunda obra?

Sentimento Fatal é o meu 3º livro, pela ordem de criação; então, quando comecei a escrever, ou melhor, a digitar a história, já me sentia um pouco mais segura do trabalho que queria realizar. Lógico que depois de iniciada a redação do livro, tive de interromper o processo para mais pesquisas/atualização; afinal, o assunto abordado, violência doméstica, demandava muita informação para deixar a história condizente com a realidade atual. Também tive de rever a obra por causa da Lei Maria da Penha, que foi promulgada pouco tempo depois da história ter sido encerrada.

2 – Como você já passou pelo nervosismo e expectativa do primeiro livro, em que pouquíssimas pessoas já conheciam a Janethe Escritora, como foi a sensação que o seu segundo livro suscitou?

Sinceramente, a expectativa não foi tão diferente… Acho que ainda não posso dizer que me habituei ao ritmo “angustiante” que se dá antes da publicação do livro (correção ortográfica (várias vezes), aprovação da capa, confecção do material de divulgação, organização do coquetel, etc, etc). Quem sabe no lançamento do meu 50º livro eu já esteja acostumada? (rsrs)

 

3 – Nesse livro se manteve a trama construída a partir de uma figura feminina que tem de romper com um tipo de opressão, contudo o seu modo de escrever mudou bastante e uma coisa que me chamou a atenção foi justamente você trabalhar mais a questão do sexo de um jeito tão poético, como mencionei em minha resenha. Gostaria de saber o que a levou a fazer isso. Você percebeu que os leitores ansiavam por tramas com mais paixão ou isso foi algo completamente natural?

Foi algo natural. Acho que o sexo fluiu de acordo com a própria história da personagem. No meu primeiro livro, onde foi retratada a violência sexual, o sexo, por motivos óbvios, era algo difícil para a personagem; o avanço tinha de acontecer lentamente para não fugir à realidade.

4 – Como mencionei na pergunta anterior, a personagem feminina tem de romper com algo que a oprime, nesse caso, o amor doentio do marido. Como foi criar a Adriana? Você conversou com mulheres vítimas de abusos domiciliares? Confesso que achei todas as personagens do livros demasiadamente reais.

Nossa, é tão bom saber disso (que você achou as personagens demasiadamente reais)!! …Você nem imagina…

Criar a Adriana não foi uma experiência muito fácil, justamente por causa da preocupação em torná-la bem real… com todas as inseguranças e aflições que atingem as vítimas de violência doméstica. Para criá-la, eu tive de ler muuuito sobre o assunto, procurar por boletins de ocorrência e pesquisas na internet, acessar inúmeros sites/blogs cujas vítimas relatavam suas experiências. Que bom que tudo isso deu à personagem uma “aura” de verdade!

5 – Em seu novo livro (“Doce Perseguição”) você muda ainda mais os contornos de seu texto, ao menos é o que parece pela sinopse, e a trama começa a puxar para uma história policial. Isso é o início de uma mudança de gênero literário ou você é uma autora que está querendo mesmo experimentar as várias possibilidades de texto? Quais as suas expectativas para esse novo trabalho?

Como disse um amigo meu (César Magalhães Borges, poeta e escritor) “a ferramenta fundamental é a palavra e as formas de expressão são infinitas”. Além disso, eu adoooro livros policiais!! Acho que esse é um gênero que realmente empolga o leitor… No meu caso, por exemplo, fico fascinada quando tento descobrir o assassino e, no final, sou surpreendida pelo escritor. Isso é maravilhoso! Tentei fazer o mesmo em Doce Perseguição. Espero ter conseguido.

6 – Por último, cedo um espaço para você deixar um recado para os leitores do blog e seus leitores, caso queira compartilhar alguma novidade sinta-se à vontade.

Quero agradecer de TODO o meu coração a todos aos meus antigos e novos seguidores e, sobretudo, aos meus leitores. Agradeço também aos que estão prestigiando meu trabalho através deste blog. Muito, mas muito obrigada mesmo, Galera!!

Janethe, muito obrigado pela nova conversa e por sua amizade. Te admiro mesmo por fazer uma literatura engajada. Meus parabéns, abraços e lhe desejo muito sucesso!

Eu é que agradeço pela divulgação do meu trabalho. Não há nada que pague isso. Por isso, conte comigo sempre!