RESENHA + ENTREVISTA: “VÍTIMAS DO SILÊNCIO” DA JANETHE FONTES

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Capa
Autora: Janethe Fontes
Editora: Universo dos Livros
Origem: Brasileira
Ano: 2009
Edição: 1
Número de páginas: 192
Sinopse: Uma garota é vítima de um estupro e tenta reconstruir sua vida. Porém, o criminoso está mais perto do que poderia imaginar e continua perseguindo pessoas que ela jamais gostaria de ver envolvidas nessa história. Quando finalmente ela acredita ter encontrado o caminho da felicidade e esquecido aquela época tão difícil, o passado volta para acertar as contas e ela só tem uma alternativa: encontrar o criminoso antes que ele faça outras vítimas.
Skoob

Análise:

 

“Margarida fez um esforço para evitar que as lágrimas caíssem, enquanto pensava no quanto a vida pregava peças nas pessoas. Pois, há quase oito anos, chegara a São Paulo grávida e totalmente sozinha. Tivera que vender até um precioso bem que sua avó havia lhe dado para que pudesse pagar o aluguel de um velho, apertado e mal cheiroso quarto de pensão […]”

—Pág. 163.

 

Grandiosas saudações! Como estão as leituras de vocês, meus caríssimos amigos? A minha lista de livros para ler só vem aumentando, isso é uma maravilha! Contudo, criei algumas “regras” para definir a ordem em que lerei os livros. Por exemplo: autores nacionais são passados a frente na lista sempre. Acho que esse meu pequeno gesto é uma forma de reconhecer o trabalho dos escritores de nossa nação e estimular a produção literária, além de incentivar o surgimento de novos leitores, em nosso país que lê tão pouco. Vocês talvez estejam pensando: “Mas como um blogueiro que lê e escreve sobre livros pode ter tamanho poder?” Pois vou lhes dizer…quando temos um trabalho reconhecido e valorizado tendemos a nos sentir mais estimulados a trabalhar, correto? Quando conversamos com alguém sobre algo muito bom e que é de nosso próprio país nos sentimos orgulhosos de que algo tão bom seja de nossa nação e muito provavelmente vamos à procura disso, correto? Então, eis o poder dos blogs literários! Como não poderia deixar de ser, depois destas palavras, a resenha de hoje é do livro de uma autora nacional (Janethe Fontes). Sem mais demora vamos às minhas impressões deste livro…

Quero começar comentando sobre a relação da capa do livro com o seu conteúdo, pois foi algo que me chamou demais a atenção. A imagem da capa, antes mesmo que eu visualizasse sequer uma letra de suas páginas, já me fez imaginar que a trama pela qual iria me aventurar deveria ser dotada de uma carga emocional extremamente pesada e de grande sofrimento, contudo quando comecei a dar meus primeiros passos por este livro tive uma surpresa. Apesar de o enredo ter um pano de fundo que é um tema muito sério e complicado de abordar com pessoas que foram vítimas (o estupro), a narração também possui momentos de descrições belíssimas e diálogos que conseguem ir além da tensão do tema a partir do qual o livro se desenvolve, mas que não é o seu foco. A maneira como a autora conseguiu colocar nas páginas momentos de grande tensão lado-a-lado com instantes de profunda doçura e demonstração de sincero amor, sem que as diversas emoções que preenchem as páginas da obra parecessem uma mistura confusa, é prova mais do que suficiente de talento, afinal não é fácil conseguir guiar o leitor por diversos níveis emocionais e ainda conseguir mergulhá-lo em cada um deles, principalmente quando de uma página para a outra ocorre essa transformação.

Nessa história acompanhamos Margarida Esteves, que inicialmente possui 17 anos, uma garota que se mostra nesse primeiro encontro uma figura fragilizada pelo trauma que viveu e que desolada procura fugir do mal que está bem próximo dela, contudo a sombra de seu opressor parece persegui-la onde quer que vá e desta maneira fugir se demonstra como uma tentativa vã de encontrar a cura para si mesma.

Margarida ao longo do livro enfrenta muitos dissabores, mas também encontra refúgio ao lado de boas pessoas que de uma forma ou outra lhe ajudam a se desenvolver e os personagens secundários não são realmente secundários. Okay, vou lhes explicar melhor. É o seguinte: normalmente as pessoas tendem a considerar os personagens secundários como figuras de pouco destaque nas tramas dos livros, mas a Janethe conseguiu criar personagens secundários que tem tanta importância quanto a própria Margarida e que são fundamentais para o fluir das páginas nos brindando com pensamentos e lições de alto valor. Um excelente exemplo é William, um jovem que depois de um acidente em um salto de paraquedas ficou paraplégico. William, que antes era o ânimo para a vida em pessoa, se sente preso para sempre à sua atual condição e sua falta de perspectiva para a vida acabou lhe arrastando para um estado de constante de desânimo, porém a terna Margarida será como um raio de sol na vida de William e desempenhará um papel fundamental na sua transformação. Achei tão belo como a situação entre William e Margarida nos mostra que há coisas que não acontecem por acaso e que coisas muito ruins também podem nos conduzir à contextos que nunca imaginamos e uma vez dentro deste contexto temos a oportunidade de gerar uma mudança para o bem na vida de uma pessoa. Obviamente que o mal nunca é algo desejável, porém uma vez que sofremos uma injustiça ainda temos o poder de extrair lições que nos tornaram seres humanos melhores e capazes de amar verdadeiramente os nossos semelhantes.

Quando tudo parecia bem na vida de Margarida, o fantasma de seu passado retorna e dessa vez ameaça pessoas que lhe são próximas e muito amadas, assim ela percebe que fugir nunca foi a solução para o seu problema e com determinação opta por enfrentar o monstro que a persegue, olhar em seus olhos que refletem um abismo pérfido e pôr um fim em sua maldade. Nesse ponto Janethe conseguiu narrar cenas de uma sensibilidade tão grande que me fizeram lacrimejar e algumas vezes fechar o livro para me recompor. Sim, eu admito, às vezes choro com livros. Não acho isso uma demonstração de fraqueza emocional, mas um sinal de que a história é tão bem escrita que pode, mesmo sendo uma ficção, gerar apreensão em nossos corações e uma tristeza autêntica. Muitos leitores, estou falando especificamente dos homens, não confessam que se sensibilizam com livros, alguns acham que isso é uma declaração de fragilidade e que assim estão se equiparando com seres fracos. Acho uma bobagem pensar assim, mas infelizmente o nosso mundo está tão bruto e sem amor devido a pessoas que pensam que ter sentimentos é ser um homem inferior. Janethe, parabéns! Você conseguiu me fazer chorar com seu livro.

Paralelamente ao caso principal do livro, a autora conseguiu narrar alguns eventos que por contrastar drasticamente com os momentos de beleza do livro mostram de forma tão explícita como o ser humano pode ser seu próprio lobo e como o homem pode ser o maior dos monstros, há personagens pelos quais o leitor não conseguirá sentir outra coisa além de ódio e torcerá pela punição deles.

O livro não é unicamente um alerta sobre como a violência à mulher é um mal que deve ser combatido pelas pessoas que acreditem em um mundo melhor, mas também é uma história sobre superação, sobre como o amor pode ser uma força construtiva indispensável para que as pessoas se curem, sobre como é fugir de algo nunca é a solução, devemos sempre enfrentar nossos demônios, e sobre como acreditar e lutar por um final feliz é possível mesmo em um mundo em que o sol nem sempre brilha para todos. Recomendo este livro! Boa leitura a todos! Até outro momento! Pela maravilhosa surpresa que foi descobrir esta autora, vou conceder cinco selos cabulosos!

NOTA:

Entrevista

Janethe Fontes

Janethe, antes de qualquer coisa quero agradecer a gentileza de me conceder uma entrevista e a atenção e tempo que dedica a este simples blogueiro e leitor. Bem, agora vamos às perguntas…

1 – A primeira coisa que penso quando leio um livro é “Como esse escritor produziu este livro”, então quero lhe perguntar: Como foi o processo de escrita de “Vítimas do Silêncio”?

O processo de desenvolvimento do meu primeiro livro, Vítimas do Silêncio, aconteceu em etapas, ou seja,em fases. Primeiro, surgiu a vontade de escrever. Depois, fui imaginando uma história. A princípio, as idéias vinham de uma forma meio caótica, mas depois fui conseguindo organizar o enredo. Demorei um pouco para colocar tudo num papel, porque o tema abordado demandava muita leitura, muita pesquisa e dedicação. Obviamente, a produção de um livro demanda algum tempo, mas como não sou advogada, não sou médica e não fui vítima de nenhuma violência sexual, tive de pesquisar muito para construir as personagens e as cenas de uma maneira verossímil. Depois de compor tudo isso mentalmente é que passei a redigir o livro.

2 – Uma coisa que me chamou a atenção foi que em dois pontos importantes da trama (quando Margarida sugere que William volte a fazer a fisioterapia e quando ela diz para William que está grávida) a biblioteca da casa de William serve como cenário. Isso foi proposital? Caso tenha sido, qual o motivo?

Geralmente, quem tem uma biblioteca em casa, procura o local para se isolar, refletir, ler, estudar. É um local onde você está só e ao mesmo tempo acompanhado com seus “amigos livros”. A biblioteca reflete um pouco da personalidade do William no início da história.

3 – Quando, como e por que você decidiu ser escritora?

Na realidade, a vontade de escrever aflorou cedo, ainda na adolescência, mas somente aos 28 anos de idade criei coragem suficiente para seguir meu coração e comecei a escrever Vítimas do Silêncio. Sou muito crítica comigo mesma e com meu trabalho, sou o meu pior algoz, acho que por isso levei tanto tempo para me encorajar.

4 – Achei muito interessante como você conseguiu conciliar momentos belíssimos no livro com instantes de tensão ou tristeza profunda, então gostaria que você deixasse alguma dica para quem deseje seguir esta carreira, afinal muitos leitores do Policial da Biblioteca escrevem seus textos e nutrem o desejo de um dia publicar um livro.

Para publicar um livro no Brasil, a pessoa precisa ser muito perseverante, pois não é nada fácil. Aliás, é complicadíssimo! Mas se o desejo de publicar for forte o suficiente para enfrentar toda a batalha que se tem, siga em frente!!!

5 – Pesquisei um pouco sobre seu outro livro “Sentimento Fatal” e pude perceber que a figura da mulher oprimida que busca superar algo está presente também nessa obra. Gostaria de saber se isso se deve à influência de algum outro escritor.

Influência direta não, pois na literatura brasileira ou mesmo na literatura mundial é difícil encontrar escritores que abordem a violência sexual e doméstica, exceto em livros autobiográficos. Mas, sabe de uma coisa? Acho que indiretamente o escritor acaba sim sendo influenciado.

6 – Pegando gancho na pergunta anterior quero lhe perguntar quais são seus autores favoritos e qual o motivo deste amor por eles.

Acho que vou decepcionar algumas pessoas ao responder isso (rsrs). Sou muito eclética em termos de leitura. Gosto de vários autores. Entre os brasileiros, posso destacar Érico Veríssimo (me impressionei bastante com o livro Olhai os lírios do campo) e Machado de Assis (com Dom Casmurro). Mas curti muito também, principalmente na minha fase de adolescente, os livros de Sidney Sheldon e Agatha Christie.

7 – Quero saber se você poderia conceder alguma pista para o Policial da Biblioteca sobre seus futuros trabalhos. Já tem algo sendo produzido?

Sim, tenho 2 livros “engavetados” e meio mundo de histórias em mente (rsrs). Mas, se Deus quiser, o terceiro livro (Doce Perseguição) sai ainda neste ano. Já mandei a obra para algumas editoras e estou aguardando a resposta.

8 – O que você está achando do sucesso que seus livros estão fazendo?

Obviamente, é muito bom ver meu trabalho sendo reconhecido. Mas não me deixo enganar, pois sei que ainda preciso “quebrar muita pedra” para conseguir conquistar espaço no meio literário.

9 – Por último gostaria de saber se você tem planos de fazer o lançamento de algum livro na região nordeste. Moro em Alagoas e infelizmente aqui há raríssimos eventos assim.

Claro que sim! Tenho muita vontade de fazer lançamento ou sessão de autógrafos na região do nordeste, minha terra natal. Afinal, eu nasci em Pernambuco, e apesar de ter vindo para São Paulo com 6 meses de idade e quase toda a minha família morar em Sampa ou no Paraná, tenho muita vontade de conhecer melhor essa região. Além disso, muitos dos meus leitores são nordestinos e sempre reclamam que há poucos eventos por aí.

Gostaria de lhe agradecer pela entrevista, dizer que achei seu livro maravilhoso e lhe desejar muito sucesso! Abraços!

Eu é que agradeço pelo carinho, por suas palavras tão gentis. Foi um grande prazer fornecer esta entrevista! Grande abraço.