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| · “O Grande Gatsby”, F. Scott Fitzgerald | · “O Grande Gatsby”, F. Scott Fitzgerald |
| · “Um Lugar Incerto”, Fred Vargas | · “Um Lugar Incerto”, Fred Vargas |
| · “The Sense of an Ending”, Julian Barnes | · “The Sense of an Ending”, Julian Barnes |
Quando o ilusionismo falha
Muitas vezes, quando um ilusionista está em ação, você consegue perceber o truque antes que ele aconteça. Mesmo assim, se “mágica” for bem executada, você fica satisfeito. São dois méritos diferentes: a surpresa e a habilidade.
Em “O Grande Gatsby” eu percebi rapidamente qual era o objetivo do F. Scott Fitzgerald. Na verdade, era um processo em cadeia: primeiro eu tinha que ficar curioso em relação ao personagem, depois tinha que ficar desconfortável com a sua superficialidade, aí viria a surpresa em conhecer o seu lado romântico e por fim uma certa pena com o seu final. Resumindo, o autor queria que eu, como leitor, ficasse envolvido de várias maneiras com o personagem.
Não me importei com o truque antecipado, até porque adoro ser manipulado por um bom escritor. O problema é que a execução do espetáculo, a meu ver, falhou.

Vejam bem. “O Grande Gatsby” é um clássico eterno da literatura americana, e como tal com certeza tem muitos méritos. Não ter funcionado comigo não significa que seja ruim, até porque, convenhamos, quem sou eu para determinar a qualidade de um livro que já passou pelo crivo mais importante de todos, que é do tempo.
Entretanto, o fato é que eu não senti nenhuma das emoções planejadas pelo autor. Talvez um pouco de curiosidade pela pessoa de Jay Gatsby no começo, mas à medida que a história foi se desenrolando fui ficando cada vez mais incomodado com certas lacunas que me saltavam aos olhos. O amor dele pela prima do narrador me pareceu artificial. A reação do marido dela, idem. O episódio que causa uma reviravolta no romance me pareceu estapafúrdio (não na concepção, mas na execução). Só o final foi bom, o que me pareceu pouco para um livro tão famoso.
A impressão que eu tive é que a história daria um conto maravilhoso, mas ao ser estendida em formato de romance perdeu força, justamente pela ausência de cuidado em certas passagens e na construção dos personagens. Em um conto tudo serve ao desenrolar de um arco dramático rápido, mas no romance os degraus são mais largos, e devem ser adequadamente percorridos.
Acho que esse é um dos comentários mais abusados que já escrevi de um livro, e tenho a nítida impressão de que quem cometeu erros fui eu, e não o grande Fitzgerald. Enfim, não posso dizer que gostei, mas posso afirmar que vou tentar de novo.
A dama do romance policial
Fred Vargas é chamada por muitos de “a dama do romance policial”. Sua série de livros com o Delegado Jean-Baptiste Adamsberg vendeu milhões de exemplares pelo mundo, combinando suspense, história e um quê de fantástico.
Nada de se estranhar, já que a autora é arqueóloga. Lembro que o primeiro livro seu que li misturava assassinatos com uma possível volta da peste negra à França, em pleno século XXI!
Mas o que me agrada mesmo são os personagens. Adamsberg é delegado em Paris, e possuiu um jeito todo próprio de lidar com a sua equipe e trabalhar os casos. É extremamente disperso, mas tem uma incomum leitura do ser humano. Danglard, seu oficial mais próximo, é o seu oposto. É meticuloso, objetivo, e dono de uma cultura geral inacreditável. É a partir dele que a Fred Vargas dá vazão aos seus conhecimentos de história.

Todos os livros da escritora francesa funcionam muito bem. As histórias são bem amarradas, o toque fantástico é na medida, e os personagens são extremamente cativantes, companheiros de polícia e de dramas pessoais.
“Um lugar Incerto”, o sexto da série, começa com um macabro incidente em Londres, prenúncio para uma seqüência de assassinatos cruéis em Paris e outras cidades europeias. Os acontecimentos evocam uma antiga lenda sobre uma linhagem de mortos-vivos diabólicos, e Adamsberg, como de costume, envolve-se mais do que o aconselhável, despido de qualquer ceticismo.
Não é o melhor livro da autora (recomendo vivamente dois: “Fuja Logo e Demore para Voltar” e “Wash This Blood Clean from My Hands”, sem tradução para o português.), mas é excelente.
O tempo e a falibilidade da memória
The Sense of an Ending” me chamou atenção por ganhar o tradicional Man Booker Prize, e resolvi ler. Curtinho, foi devorado em apenas dois dias, tendo sido a melhor leitura do mês.
O enredo é tão simples que o autor só pode ser um gênio. A história é contada em primeira pessoa, por um homem que relembra alguns acontecimentos do passado, notadamente envolvendo colegas seus de colégio. Lá pelo meio do livro uma antiga namorada surge, e novas lembranças são trazidas ao texto. No fim, o leitor começa a pressentir que vai surgir uma espécie de revelação, e isso acelera ainda mais a leitura.
Amei o livro primeiro pelos personagens. No começo, são jovens garotos extremamente talentosos, curiosos e petulantes. A vida os afasta, claro, e sentimos o narrador já velho oscilando entre o que foi, o que achava que viria a ser, e o que realmente se tornou. É uma delícia acompanhar essa evolução, até porque ela é o tempo todo analisada por quem conta a história.

Parece uma narrativa sobre pessoas, mas é uma fábula sobre o tempo. O livro é aberto com a constatação de que a memória é falha, de que os episódios do nosso passado nunca aconteceram exatamente como nós imaginamos. Como diz narrador, logo na primeira página, “o que você acaba lembrando não é sempre o que você testemunhou”.
E é explorando o tempo todo essas falhas na memória que o romance vai se construindo, com o personagem principal, junto do leitor, preenchendo lacunas e corrigindo equívocos. O fato de ser narrado em primeira pessoa é essencial, porque um narrador onisciente jamais teria as dúvidas que sustentam a história. O fato de descobrirmos tudo ao mesmo tempo que ele é extremamente arrebatador, fazendo com que um enredo banal carregue uma força impressionante do princípio ao fim.
Melhor ainda: comprovando a tese de que a memória é falha, nem mesmo o final traz respostas completas. O leitor consegue inferir a linha geral de acontecimentos (inclusive uma senhora reviravolta), mas vários pequenos detalhes são omitidos, não porque o escritor não quis dizer, mas porque o narrador, que afinal é quem conta a história, também não conseguiu descobrir.
E, convenhamos, não fez a menor diferença.
Onde conseguir?
“O Grande Gatsby” tem várias edições nacionais, inclusive da L&PM e da Penguin. “Um Lugar Incerto” foi editado pela Companhia das Letras. “The Sense of an Ending” é muito novo, ainda deve demorar um pouco para ser traduzido. Mas todos estão disponíveis na Livraria Cultura 😉
E no próximo mês…
Mês que vem pretendo ler: “Bonequinha de Luxo”, do Truman Capote, “Revenge of the Lawn”, do Richard Brautigan, e “The Night Circus”, de Erin Morgenstern. Veremos.


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