Sinopse
“Neon Azul” é uma boate onde habitam os seus mais sombrios desejos e tentações. É um lugar diferente, repleto de acontecimentos estranhos, mas que poderia estar na esquina da sua casa ou no caminho entre o trabalho e o metrô. Enquanto acompanha a história do bar e de funcionários e clientes peculiares, descubra que realizar seus desejos pode ter efeitos colaterais imprevisíveis. Homens de negócio, prostitutas, artistas e boêmios imersos em uma solidão que só quem passeia pela noite já experimentou, um sentimento comum aos que vivem cercados de gente, com um sorriso no rosto e um copo na mão. Nesse jogo de luzes e sombras que revelam a fantasia e encobrem a realidade, está nas mãos do leitor a decisão de acreditar ou não no que lê e decidir quem conta as verdades e as mentiras ao longo da história. Assim como o insone gerente do bar, o leitor terá muito o que lembrar quando deitar na cama e fechar os olhos por própria conta e risco.
Na resenha que fiz do livro Coisas Frágeis I do Neil Gaiman, comentei que o grande diferencial deste escritor para os demais era fazer do mundo real, um mundo de possibilidades irreais. O tom da resenha foi ditado por esta frase. Em poucas linhas estava dizendo “SOMENTE Neil Gaiman consegue fazer isto com maestria. Como estava enganado. Fui surpreendido pelo belíssimo livro que a editora Draco nos enviou: Neon Azul do Eric Novelo. E que deliciosa surpresa!
De início devo parabenizar a editora pelo excelente acabamento. Muitos podem achar simples, mas são nos detalhes que este livro mostra o potencial da Draco. Este é o segundo livro dela que resenho (o primeiro foi Vaporpunk – relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades) e não deixo de me encantar com o padrão editoral desta editora. As folhas são em papel especial (não o simples oficio branco), a cada capítulo o título é deixado numa página toda preta que vem com um desenho (de cor branca) no geral representando algum elemento do conto, isso emerge o leitor no clima sombrio, boêmio e noir existente nas páginas do livro. Sem falar da capa que traz uma das figuras mais emblemáticas do livro O Homem (assim mesmo, com letra maiúscula).
Outro elemento que derrubou outro conceito (ou preconceito) meu foi quanto ao próprio Neon Azul. Não há spoiler em dizer que o título do livro corresponde ao nome do bar no qual todas as histórias se passam. Já havia lido O Cortiço de Aluísio de Azevedo e sempre considerei uma bobagem dizerem que o personagem principal seria o próprio Cortiço, porém se ainda reluto em admitir esse fato tratando-se dessa obra clássica, quanto ao livro em questão não possuo dúvida alguma: o Neon Azul é principal personagem de todos os capítulos. Ao passar dos capítulos, conhecemos mais deste bar com o letreiro azul a luminar uma rua deserta. O Neon não parece querer ser visto. Esta oculto, escolhendo a dedo seus clientes. Não é incomum no livro encontrarmos algum personagem dizendo que “sempre passara ali, mas nunca reparara nele… até aquele dia”.
Sobre a escrita do Neon Azul
São histórias envolventes e a maneira do Eric escrevê-las é um detalhe a parte. Os capítulos são narrados ora em 1ª pessoa ora na 3ª. Os personagens são introduzidos paulatinamente, mas estão conectados. Numa história conhecemos dois ou três personagens, mas só nos aprofundamos no narrador, contudo, no conto seguinte, um daqueles três personagens que nos passou despercebido retorna e somos arrebatados, em muitas ocasiões, com o esclarecimento de certos aspectos que o primeiro narrador relatou na primeira história. Confuso? Vamos a um exemplo prático, mas sem trazer nenhum spoiler. No conto que introduz o livro “Invisibilidade”, conhecemos Oscar, um morador de rua que já fora um rico empresário. Em uma determinada cena, Oscar vê um homem aproximando-se do bar, os seguranças acharam-no embriagado, mas Oscar tinha certeza que o tal bêbado fora esfaqueado e seu relato termina ai, não sabemos nada mais, contudo quem prosseguir nos demais contos saberá quem é e porque ele foi esfaqueado. Isso é explicado por um detalhe que vem escrito na capa “romance fix up”. O gênero fix up é um estilo de narrativa na qual temos uma série de histórias que aparentemente não possuem nenhuma ligação, mas que quando olhamos em sua totalidade percebemos que estão interligadas.
Por isto, se pudesse aconselhá-lo seria dizendo que, não leia Neon Azul de maneira despretensiosa, já que correrá o risco que não fazer os links que são a parte mais interessante da narrativa. Perceber que até o final, apesar da divisão em pequenos contos, estamos lendo o mesmo texto. Daí chamarmos o livro de romance e não de coletânea de contos. Quem já assistiu a filmes do Pedro Almodôvar já deparou com este tipo de construção. Deixo como exemplo o The flower of my secret, um belíssimo filme que segue a estrutura comentada.
Trailer:
Você tem medo?
E não poderia deixar de falar do tom sobrenatural que suas histórias trazem. Sem ser em nenhum momento um filme de terror barato, os mistérios que envolvem o bar são tão intrigantes que nos fazem passar por suas páginas, às vezes, erguendo os olhos para dar uma olhadela discreta para os lados (Sim, eu fiz isto o tempo todo. Eu admito que senti medo). Pois, o clima noir somado aos eventos pelos quais os personagens passam e que em muitos casos eles são as únicas testemunhas trazem uma sensação de perigo constante, mas ao mesmo tempo, de um delírio provocado por algum produto psicotrópico.
Observação:
Como infelizmente estamos num mundo do politicamente correto, é válido dizer que como se passa em um bar noturno, você irá encontrar todos os tipos de personagens da noite: garotas de programas, dançarinas stippers, gângsters, assassinos…, por isso temos descrições de cenas eróticas ou, se assim puder dizê-lo, um erotismo latente em toda a trama. Mas não confundamos com uma história erótica, certo? Esta não é a proposta do livro!
Portanto, não poderia deixar de recomendar Neon Azul do Eric Novello da editora Draco como uma leitura obrigatória, quase uma dívida terrena. Você que gosta de personagens carismáticos, numa trama envolvente, repleta de mistérios e intrigas não poderá MORRER sem lê-lo.
Nota
Trechos que o Lucien gostou:
“Murilo limpou a faca com cuidado. Aproveitou uma beirada da camisa dela para fazê-lo. Que noite quente, não? A boca estava ressecada. O chopinho noturno cairia bem. Fingiu manter a tranqüilidade, mas o fato é que estava excitado com o ataque.”
Pág. 59
“Jéssica dançava sozinha na pista. Holofotes azuis reluziam no vestido cor de prata durante o espetáculo. Homens barbados espalhados ao redor aplaudiam. Lotavam as mesas e cadeiras que de tão cheias pareciam arquibancadas de um campo de futebol. Jéssica retribuía com seu sorriso e seu glamour. A freada brusca do ônibus a acordou. As sacolas estavam no lugar. Ainda iria perdê-las se continuasse cochilando no caminho de volta para casa.”
Pág. 129