DIÁRIO DE LEITURA: SETEMBRO DE 2011

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O que eu pretendia lerO que eu li
· “The Wind-Up Bird Chronicle”, Haruki Murakami· “The Wind-Up Bird Chronicle”, Haruki Murakami
· “Sharpe’s Escape”, Bernard Cornwell· “Sharpe’s Escape”, Bernard Cornwell
· “Poesia Completa”, Florbela Espanca· “Poesia Completa”, Florbela Espanca (metade)

Antes de mais nada…

Antes de mais nada, deixem-me explicar no que consiste a presente coluna. Trata-se de um diário das minhas leituras, em que eu falarei brevemente dos livros que li (ou tentei ler) no mês que passou. Não serão resenhas, longe disso, até porque a maioria dos livros já foi lançada há tempos. Serão meras reflexões sobre a literatura, partindo daquelas experiências em particular para o ato da leitura em geral.

Não, eu não inventei o formato. O Nick Hornby faz isso há anos, e infinitamente melhor, na revista The Believer. A cópia, no caso, é descarada, mas a pretensão é bem menor. Fiquem à vontade para comentar os livros lidos e sugerir outros por ler.

 Um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho

Haruki Murakami, escritor

Eu já aceitei que Haruki Murakami é um dos meus escritores contemporâneos favoritos. O que eu não entendo é como eu posso ler 600 páginas que trazem mais perguntas do que respostas e mesmo assim extrair um prazer imenso da leitura.

Para quem não conhece, Murakami é um autor japonês que vende milhões de livros em seu país e no resto do mundo. Fã de cultura pop, já foi dono de um bar de jazz em Tóquio e tradutor para o japonês de vários escritores clássicos americanos (Fitzgerald, Capote, etc.). Por conta dessas influências, suas histórias se passam em um Japão um pouco mais ocidentalizado, ficando a cultura oriental para um segundo plano.

Seus últimos romances têm uma carga muito forte de surrealismo, o que faz com que alguns críticos o situem em uma espécie de renovação do realismo mágico. “Kafka à beira-mar”, de 2002, consolidou essa impressão, reformulando a idéia que se fazia do autor, até então mais conhecido por “Norwegian Wood”.

Pois bem, feita a introdução. “The Wind-Up Bird Chronicle” é um romance enorme, tanto que foi lançado em 3 volumes no

The Wind Up Chronicle, capas

Japão. A tradução para o inglês condensou tudo em um único volume, infelizmente realizando alguns cortes na história. Resumindo bastante, conta as desventuras de Toru Okada, um desempregado que começa o romance procurando o gato, que sumiu de casa. Sua esposa pede que ele insista na busca, mas logo é ela que some.

O desaparecimento dos dois lança o personagem principal em uma série de encontros que vão, aos poucos, mudando a sua vida. Tem a vizinha May Kasahara, as irmãs Kano, o Tenente Mamiya e Nutmeg e Cinnamon Akasaka. Todos entram e saem da história à vontade, contando episódios de suas vidas e interferindo no caminho de Toru. Há também a construção de um vilão espetacular, irmão da esposa desaparecida, que só aparece por referências mas é muito bem construído pelo autor.

O livro tem dois pontos altos: um são as histórias dos personagens secundários, principalmente o Tenente Mamiya e a Nutmeg Akasaka, que trazem fragmentos do Japão durante a Segunda Guerra Mundial. O outro é a busca de Toru por sua mulher, que é canalizada para um poço seco onde o herói consegue atingir uma dimensão diferente.

Parece maluquice, e de certa forma é. Na verdade, a existência de um lugar onde os limites entre sonho e realidade são anulados é uma constante na obra do Murakami. E o melhor: o autor não dá uma explicação razoável para o que está acontecendo. No caso do “Wind-Up…”, nem mesmo Toru tem certeza do que acontece quando ele desce ao poço. A única coisa que importa é que ele busca algo, e que ele confia cegamente na sua capacidade de atingir esse objetivo.

No fim, independentemente de respostas claras, temos algumas passagens de um simbolismo belíssimo. Sinceramente, para mim, como sempre, bastou o “durante’ da leitura.

 Não há exército como o Britânico!

Bernard Cornwell, escritor

Bernard Cornwell é o autor nerd por excelência, porque consegue atirar para todos os lados e acertar… sempre! Embora suas séries de livros mais conhecidas sejam “As Crônicas de Arthur” e “As Crônicas Saxônicas”, eu tenho um carinho todo especial pelas “Aventuras de Sharpe”.

O carinho é tanto que eu não consigo esperar as traduções brasileiras e já estou lendo em inglês. Esse, “Sharpe’s Escape”, é o décimo (!!!) da série, e é o próximo da lista para ser traduzido.

Sobre o personagem principal: Sharpe é um soldado do exército britânico, que começou a lutar na Índia e depois volta para a Europa para participar das Guerras Napoleônicas. Por conta de seu talento como combatente, somado ao fato de que em um determinado momento ele salva ninguém menos do que Lord Wellington,

Aventuras de Sharpe, capas

Sharpe vai subindo de posto, até chegar a oficial.

Embora seja capitão (no ponto onde estou, porque provavelmente sobe mais), Sharpe convive diariamente com o desprezo

dos oficiais nascidos em berço de ouro, já que a hierarquia no exército naquela época tinha raízes mais na nobreza do que no mérito, de modo que os postos de oficialato eram na maioria das vezes comprados, e não conquistados.

Por conta disso, Sharpe é para mim o personagem mais humano de Cornwell. Uthred e Derfel são grandes guerreiros, mas se reconhecem como tal. Já o soldado britânico constantemente duvida do seu merecimento em estar em posições maiores no exército, preferindo inclusive a companhia de seus sargentos e soldados.

Mas do que trata especificamente esse livro? Essa é uma história basicamente de uma batalha só, a Batalha de Bussaco, em Portugal. Os franceses estão tentando avançar pela Península Ibérica até Lisboa, mas param no exército inglês, posicionado no alto de uma colina.

Como de costume, além de participar ativamente da batalha histórica (reconstituída nos mínimos detalhes pelo autor inglês), Sharpe enfrenta também um vilão fictício, dessa vez um contrabandista português.

Adoro o autor, a série e o personagem!

 Não viveu! Foi um anjo que passou.

Florbela Espanca, poetisa

O verso acima bem poderia ser o epitáfio de Florbela Espanca, poeta portuguesa do começo do século XX. Muito à frente de seu tempo, ela enfrentou o preconceito da sociedade e os seus próprios dramas, que culminaram no seu suicídio em 1930 (Aliás, fato curioso e mórbido: Florbela Espanca nasceu, casou e morreu exatamente no mesmo dia, 8 de dezembro).

Escritora de poemas belíssimos, a portuguesa conseguia na poesia um equilíbrio que faltava em sua vida. Com as palavras, atingia o romantismo extremado dos que amam demais, mas sem excessos de adjetivos ou de figuras de linguagem batidas. Se fossem esculturas, seus poemas seriam “Eros e Psique”, contornos clássicos dados a formas românticas.

Na minha humilde e inútil opinião, seus sonetos estão entre os mais belos do mundo. E olha que nem gosto de sonetos (só os dela, do Camões e do Shakespeare)! Como não amar “Primavera”, poema com os melhores tercetos, ever:

Também despi meu triste burel pardo,

E agora cheiro a rosmaninho e a nardo

E ando agora tonta, à tua espera…

 

Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos…

Parecem um rosal! Vem desprendê-los!

Meu Amor, meu Amor, é Primavera!…

Aliás, no começo dessa minha edição há alguns poemas da poeta criança ainda. Olha o final de um poema escrito quando a danada tinha apenas 8 (!!!) anos:

A vida e a morte são

O sorriso lisongeiro

E o amor tem o navio

E o navio o marinheiro.

Como assim, Senhor? Com 8 anos de idade?

Quando se trata de poesia, eu gosto (1) de comprar obras completas e (2) de ler o volume de ponta a ponta, marcando os poemas favoritos. Feito isso, de tempos em tempos posso voltar ao livro e abrir ao acaso, revendo o que eu marquei. Esse mês só consegui ler metade dos poemas da Florbela. Em outubro eu termino.

 Onde conseguir?

Tanto o livro do Murakami quanto o livro do Cornwell ainda não estão disponíveis em português. Mas não se desesperem! A Alfagara (selo da Objetiva) publicou alguns romances do escritor japonês, incluindo-se aí os clássicos “Norwegian Wood” (sim, o título é em inglês) e “Kafka à beira-mar”. São duas introduções perfeitas para o universo do autor, diga-se de passagem. “Norwegian Wood” é um romance sem tantas estripulias surrealistas, mas tem uma história perfeita, com personagens extremamente carismáticos. Foi o livro que alçou o Murakami ao estrelato, no Japão e no resto do mundo, então é leitura obrigatória para quem quiser entrar no seu universo. Por outro lado, caso o leitor goste mesmo é de realismo mágico e não se incomode em participar de muitas aventuras com uma turminha do barulho [/sessão da tarde] em um universo que mistura sonho e realidade, “Kafka à beira-mar” é recomendadíssimo.

Não é diferente com a série “As Aventuras de Sharpe”. O romance que eu li ainda não foi traduzido, mas já há 9 (!!!) livros publicados aqui pela Record. E com uma vantagem: a editora brasileira traduz e publica na ordem cronológica dos acontecimentos, enquanto lá fora as histórias são publicadas na ordem em que são escritas, e o Cornwell não peca exatamente pela organização.

Já a Florbela Espanca é facilmente encontrada. Há edições da Martin Claret e da L&PM/Pocket.

 E no próximo mês…

            Mês que vem pretendo ler: “A Redoma de Vidro”, da Sylvia Plath, “Nove Histórias”, do Salinger, e “Um Marido Ideal”, do Oscar Wilde. Além de, é claro, terminar a Florbela Espanca.

Vamos ver se eu consigo!