Todo o dinheiro do mundo (All the money in the world, 2018) | Crítica

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Baseado no livro Painfully Rich: The Outrageous Fortune and Misfortunes of the Heirs of J. Paul Getty de John Pearson – que chega ao Brasil neste mês pela HarperCollins – o filme “Todo o dinheiro do mundo” conta a história do real sequestro do neto do homem mais rico do mundo na época, J. Paul Getty (Christopher Plummer), conhecido como o rei do petróleo e a luta de sua mãe (Michelle Williams) para convencer o matriarca a pagar o resgate.

Todo o dinheiro do mundo será marcado pelas polêmicas. Primeiro, a acusação de abuso sexual contra um menor feita a Kevin Space que levou o diretor Ridley Scott a refilmar as cenas substituindo Space por Plummer; o que acabou levando a outra polêmica, devido as refilmagens, Mark Wahlberg exigiu 1,5 milhões para voltar aos sets, enquanto Williams só recebeu mil dólares (Sim, você leu corretamente, apenas mil dólares).

Isso fez com que se criasse uma certa expectativa em seu público, já que, segundo dizem, Plummer teve apenas dez dias de filmagens e a equipe de montagem e o continuísta tiveram que montar um novo quebra-cabeças para não fazer o filme virar uma colcha de retalhos no qual algo sempre se perde, como vimos em “Rogue One”, onde as refilmagens prejudicaram a construção dos personagens. Contudo, Scott sabia o que queria de seu filme e isso fica evidente quando assistimos a Todo do dinheiro do mundo.

Um filme que sabe onde quer ir

Sem perder o fôlego, o filme cria duas linhas narrativas. Na primeira, acompanhamos a biografia e análise do magnata do petróleo J. Paul Getty, o personagem polêmico cujo ator foi substituído, colocando assim o filme em foco até de quem não liga muito para bastidores e pré-produção. Claro que nunca saberemos como seria a atuação de Kevin Space, porém adianto ao leitor que não acho que Space pudesse dar a profundidade que Plummer o faz, logo a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante é merecida.

Getty não é um vilão ou um monstro: é um homem complexo que não consegue deixar de ser o que é, um negociador, um investidor. Quando a nora aparece para pedir que pague o dinheiro do resgate, o modus operandi dele o faz tratar toda a situação como uma negociação financeira na qual ele deve sempre sair lucrando, sua famosa declaração de que “tem 14 netos e se pagasse o sequestro de um teria 14 possíveis sequestros” é fria, cruel, mas embuida de uma verdade pertencente apenas a homens que mexem com dinheiro além do imaginado. Como ele diz em uma entrevista relatada no filme: “se você conta dinheiro, não é um bilionário”.

Na segunda linha narrativa, temos todo o esforço de Gail, casada com J. Paul Getty II (Andrew Buchan), para livrar o seu filho J. Paul Gatty III (Charlie Plummer) do cativeiro. E por falar em Gail, personagem interpretada com vigor por Michelle Williams, ela é o oposto de Getty e isso é marcado em dois momento decisivo na trama. Gail decide arriscar tudo mesmo não tendo nada, Getty percebe a sua fraqueza quando ele, um homem que tem tudo não deseja perder nada. Williams constrói sua personagem em várias camadas. Como um mãe que nada mais quer do que manter a família unida, como uma mulher que sabe que precisa lutar contra um império (frase que é dita no filme e que está em um dos pôsteres), ela usa as armas que tem em mãos para afetar Getty sem sucumbir aos caprichos daquele.

De um lado, as cores frias do ambiente de Getty (Plummer), do outro as cores quentes de Gail (Williams)

Destaque para a fotografia de Dariusz Wolski (imagem acima) que cria um bom contraste entre a frieza e a solidão do universo de Getty, com cores que lembram o azul e o cinza; e a vivacidade e calor humano da casa de Gail em tons de amarelo e vermelho. Outro destaque vai para a própria direção de Scott que estabelece outra oposição quando escolhe mostra a mansão de Getty em sua imensidão, repleta de obras de arte, mas carente de afeto; enquanto a residência é filmada em planos mais fechados, onde vemos fotos e objetos que transmitem uma sensação de lar e aconchego.

O ponto fraco de Todo o Dinheiro do Mundo

Os demais atores estão bem, com exceção do Mark Wahlberg, que interpreta Fletcher Chase, ex-agente do governo que trabalha para Getty como negociador. Ele tem um arco pouco convincente. Num momento o vemos negociando de forma fria e imparcial com  Árabes, num outro o vemos afetuoso e complacente com a causa de Gail. Fora que apesar de ser “o negociador” de um dos homens mais ricos do mundo, ele pouco negocia durante a trama e há um momento chave entre o bilionário e Chase que deveria ser uma cena memorável, mas Wahlberg não convence.

Baseado em fatos não tão reais assim

Caso seja desejo do leitor pesquisar a veracidade por trás da ficção, encontrará uma série de fatos inverossímeis, é um último ponto a ressaltar, mas fica a cargo de cada um fazê-lo. Este fato não diminuiu minha avaliação sobre o filme, muito pelo contrário acabou sendo uma boa aula para compreendermos o que significa o “baseado em fatos reais” que muitas vezes vemos em outras películas. Entender que a realidade pode ser dramatizada faz do cinema o que ele é: uma forma de arte.

Conclusão

  • Todo o dinheiro do mundo, tem uma direção forte que sabe o que quer do produto final, mesmo com as polêmicas em seus bastidores, não permite que o filme se perca.
  • Tem atuações marcantes que conseguem levar a história do começo ao fim, incluindo o trabalho magistral de Christopher Plummer, que vai concorrer ao Oscar 2018 na categoria de ator coadjuvante. Ele merece.
  • Tem o Mark Walhberg que não está no seu melhor momento.

Nota:

Avaliação: 4 de 5 selos cabulosos

Dados do filme

Direção: Ridley Scott

Ano: 2018

Orçamento: 55 milhões

Bilheteria: 44 milhões (até a escrita desta crítica)

Sinopse: O sequestro do herdeiro John Paul Getty III (Charlie Plummer), neto de 16 anos do magnata do petróleo americano Jean Paul Getty (Christopher Plummer). Desesperada a mãe de John, Gail Harris (Michelle Williams), pediu ajuda financeira ao avô do menino, que recusou. Os sequestradores então decidem enviar à imprensa uma orelha do menino para obrigar a família a acelerar o pagamento do resgate, no valor de 3 milhões de dólares.