[Coluna] Qual é a culpa dos realitys musicais?

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Nos últimos anos, a decadência do formato dos realitys musicais televisivos ficou escancarada em solo americano. Principalmente com o surgimento dos The Voices ao redor do mundo, cuja iniciativa em trazer astros da música para trabalhar ao lado de amadores era uma ideia interessantíssima, à princípio. Você conseguiria, aos poucos, observar o processo de um artista sendo moldado, entrar numa gravadora e, claro, com a cumplicidade de uma grande estrela, atingir igualmente o estrelato. Como poderia dar errado?

Nos EUA, por exemplo, o formato ganhou uma quantidade considerável de fãs já em sua primeira temporada, após difundir a inesquecível apresentação de Cee Lo Green, Blake Shelton, Christina Aguilera e Adam Levine cantando Crazy. “É assim que criaremos um épico. É assim que se faz. É assim que desenvolvemos parcerias com grandes artistas”, as chamadas do programa apontavam. O resultado na audiência foi formidável.

Aos poucos, o The Voice começou a ultrapassar a audiência do reality musical mais popular da América, o American Idol, fazendo com que os executivos do antigo programa se esforçassem para recuperar o prestígio introduzindo nomes de peso na bancada. O cachê astronômico de Mariah Carey, por exemplo, virou uma grande ridicularização ao redor do mundo.

Mas houve um problema maior.

Nem American Idol, que já havia conquistado um número suficiente de estrelas para servir de vitrine para novos artistas, nem The Voice, que estava apenas começando, estavam mais interessados financeiramente em alavancar e gastar com os vencedores. A carreira profissional, claro, ficava à mercê das gravadoras selecionadas. Assim, se os artistas não vendiam como se esperava no primeiro álbum, a porta da rua era o plano B. Os mais antigos também acabavam entrando na decadência do sistema, já que não eram mais uma novidade.

Alguns persistem. Se aproveitaram da fama inicial, ganharam a base de fãs e seguiram em frente com seus projetos. Daughtry, Kelly Clarkson e Carrie Underwood ainda são nomes importantes no cenário comercial. Outros embarcaram no estrelato em diferentes circunstâncias: Adam Lambert se filiou ao Queen, Phillip Phillips ganhou reconhecimento com sua música aparecendo em diversos filmes, Jennifer Hudson ganhou um Oscar por DreamGirls, Clay Aiken virou político, Jordin Sparks ainda sobrevive dos singles passados e Scotty McGreery é adorado no cenário country. Outros bons cantores, no entanto, sobrevivem de parcerias e disponibilizam covers em canais do youtube. Casos como Haley Reinhart, Casey Abrams, Joey Cook, Paul McDonald e Clark Beckham.

A perda de credibilidade dos reality shows foi algo sintomático, ao menos nos Estados Unidos. Ao supor o que a America quer e produzir seus “astros”, os programas perderam o impacto que desfrutavam em seu início. Quem se lembra da primeira temporada de American Idol, por exemplo, onde os três jurados tinham uma clara preferência pelo esquecido Justin Guarini? O público optou por Kelly Clarkson. Sabemos no que deu. Na última temporada do reality show, não à toa, os jurados Keith Urban, Harry Connick Jr. e Jennifer Lopez se interessam mais pelo que vende ou pode vender no cenário (continuamente, os jurados falam não saber se há lugar para blues ou jazz comercialmente.). Desta forma, é comum em realitys, jovens em fase de crescimento, nos seus 15, 16 anos, sendo colocados em verdadeiros ringues para conquistar a fama. Mas esse seria realmente o melhor caminho?

No início, quando os programas possuíam relevância artística, pessoas com menos de 18 anos não poderiam passar pelo processo. As coisas mudaram. A indústria mudou. E a abordagem mirim, idem. Técnicos, jurados e artistas costumam sempre admirar e exaltar o fato de certas vozes provirem de pessoas com 15, 16 ou 17 anos. Só que nunca apontando para a imaturidade delas. A questão é vozes jovens vendem. Causam comoção e espanto. O mesmo que ocorre com pessoas julgadas por sua aparência.

Nos programas ingleses, principalmente, a tática de ridicularizar um candidato antes dela emocionar a todos sempre foi muito utilizada. Susan Boyle foi um sucesso imediato na internet. Acaba sendo apenas um caminho, nos tempos atuais, entretanto. Um passo a mais. Poucos realitys shows realmente lhe levam instantaneamente ao estrelato, nos tempos atuais, sem um massivo comprometimento com os vencedores.

The X-Factor UK, por exemplo, do produtor Simon Cowell é um perfeito exemplo. Olly Murs, Shayne Ward, One Direction, Leona Lewis, Fleur East, Alexandra Burke, Rebecca Ferguson, Little Mix, Ella Henderson. Todos artistas que foram exaustivamente inclusos nas rádios inglesas. Chegaram até o público. Viraram febres. Não é o objetivo de The Voice, infelizmente, que continua com duas temporadas por ano mantendo seu domínio na programação, porém, apenas servindo como um trampolim para os técnicos lançarem seus novos singles. Sem cobrança com as gravadoras escolhidas. Vivendo somente com números expressivos de charts no ITUNES e na audiência. Por onde andam Josh Kaufman, Nicholas David, Sawyer Hendricks, Craig Wayne Boyd? Os vencedores, ao menos, estão em disputa com suas gravadoras.

Um artigo publicado no Taste of Country, recentemente, denunciava o fato de que muitos artistas que ganhavam os realitys chegavam nas suas novas gravadoras, nas suas novas casas, com ninguém, nenhum empresário, sabendo quem diabos eram eles. Nunca tinham ouvido seu trabalho ou acompanhado o programa. Muitos escolhiam dar as costas aos contratos e se firmarem de maneira independente. Mas o mundo cibernético, com aplicativos como Spotify, também pouco colaboravam com os artistas. E não que produtores acompanhando gerem grandes mudanças publicitárias. (Num parênteses, a última temporada de AI contou com um apoio maciço de Scott Burcheta, quem lançou Taylor Swift, mas que pouco colaborou com a difusão do nome do vencedor e criou atrito com um dos melhores do programa, pois o artista não queria cantar o que o produtor pedia.)

Agora, após 15 anos de hegemonia, em dois meses, American Idol dará seu adeus à televisão americana. Num formato que muito se desgastou através dos anos.  Talvez seja a hora de raciocinarmos sobre o destino geral dos realitys musicais. De como precisamos que as coisas cheguem até nós. Na era da pluralidade, a música também necessita encontrar seu caminho.