Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, decidi tentar pagar um pouco da dívida que temos para com Elizabeth Bennet – a protagonista de Orgulho e Preconceito, da escritora Jane Austen. Temos, aliás, uma dívida com a própria Austen, cujas histórias – que falam mais nas entrelinhas que na superfície – são automaticamente associadas com “romance água-com-açúcar” ou, pior, “literatura feminina”. Não vou me demorar explicando a inexistência da tal “literatura feminina”, mas recomendo que vocês ouçam ao CabulosoCast #142 para maiores esclarecimentos. Minha função hoje é tentar pagar um pouco de nossa dívida com Elizabeth.
Em Meryton as moças se separaram. As duas mais jovens se dirigiram para a residência da esposa de um dos oficiais e Elizabeth continuou a andar sozinha, atravessando campo após campo, pulando cercas e saltando por sobre poças d’água, com impaciência, e afinal encontrou-se a pouca distância da casa, com os tornozelos doídos, as meias sujas e o rosto corado pelo exercício.

A impressão que tenho é que Mr. Darcy se tornou, com o passar dos anos, o principal ícone de Orgulho e Preconceito, encaixando-se no padrão do “homem amargurado que precisa ser salvo” tão difundido pela mídia. E embora eu goste bastante do personagem, entendo que a verdadeira estrela da história é Elizabeth Bennet. Dentro de uma narrativa aparentemente construída para “agradar senhoras”, ela introduz uma personagem questionadora que se recusa a se submeter aos caprichos sociais que exigem de uma mulher a candura e o apagamento necessários para não ferir o ego masculino. E não se trata de uma mulher pouco culta e grosseira, mas de alguém que é, a seu modo simples, bastante requintada.
A esta descoberta sucederam outras igualmente humilhantes. Embora o seu olhar crítico houvesse descoberto mais de um defeito na simetria das suas formas, foi forçado a reconhecer que as linhas do seu corpo eram de grande pureza; e apesar da sua afirmação de que as maneiras dela não eram as do mundo elegante, sentiu-se fascinado pela sua encantadora naturalidade.
Não gosto de pensar em Elizabeth como a mulher que salvou Mr. Darcy de sua imensa arrogância, porque isso automaticamente me remete ao pensamento de uma mulher precisa permanecer em um relacionamento abusivo na esperança de que o parceiro irá mudar. E, convenhamos, não é isso que ocorre em Orgulho e Preconceito. Elizabeth não se submete à personalidade de Darcy. Ela não o aceita em sua vida com a esperança de que, em algum momento, por um insight divino ele perceba o quão estúpidas são suas atitudes.

Em outro ponto, está sua própria relação com Mr. Collins, que toma as negativas de Elizabeth à sua proposta de casamento como um tipo “falso desencorajamento” próprio das “moças de família”. E não posso deixar de citar Mr. Wickman, de personalidade animada e expansiva, que se utiliza de mentiras para conquistar a confiança de Eliza e tentar se aproximar dela. Por qualquer ângulo que se olhe, estamos diante de denúncias. Como no conto de Poe, Austen vai nos transportando de uma sala colorida à outra, nos aproximando cada vez mais da cruel realidade que quer mostrar: não a morte, mas a maneira abusiva com que eram tratadas as mulheres à época. Para não ser leviana na minha afirmação, complemento: como ainda hoje são tratadas.
Em meio a isso, a recusa de Elizabeth a se adaptar, a ser dócil, é um bálsamo que todas as mulheres deveriam experimentar. Orgulho e Preconceito, mas que um belo romance, é uma metáfora sobre a batalha diária da vida de uma mulher e sobre como reagir às pressões do mundo. Então hoje, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, lembremos de Elizabeth não como a mulher que dominou o arrogante caráter de Mr. Darcy, mas como a mulher que sempre batalhou para ter, tanto quanto possível, as rédeas de sua vida em suas próprias mãos. E que tomemos Eliza Bennet como exemplo.


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