[Coluna] Bem, “depois a gente vê”

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As coisas estavam se ajeitando. Não por apelos sociais ou do congresso, mas por uma manobra política clássica: a presidenta decidiu se aliar ao senado, para sair da crise interna que passava. E as coisas se ajeitaram. Por algumas semanas. E pelas mãos de Renan Calheiros, veja só. Foi a saída mais cômoda, mas não menos dolorosa. A presidenta se rendendo aos caprichos de Renan para ultrapassar o período delicado que a oposição (e sua própria base) a meteu. A agenda ostentava mais de 20 novas medidas. Dilma teria que convencer muita gente, inclusive do PT. Mas as coisas estavam se ajeitando. Na maneira clássica, que Nelson Rodrigues sempre adiantou: o inimigo do meu inimigo será meu amigo, nas horas mais complicadas. Agora, o PMDB quer mais.

Mas como se portar diante do caos que vivemos naquelas semanas? A indiferença e a inércia não seriam mais soluções. E o problema está aí: a polarização das duas vertentes que tanto me aflita: o “nós” contra “eles”. Quem são o “nós? Quem são o “eles”? Onde fica a população? Muitos nas ruas, sem saber por que gritar. O que pedem? A queda de Dilma. E depois? Depois, bem, depois “a gente vê”. O importante é algo mudar. A famosa solução do ‘se o time não está bem, troca-se o técnico’. E se não funcionar? Bem, depois “a gente vê”.

Grande parte dos jovens que exaltam gritos nacionalistas nos dias de hoje nasceram conhecendo apenas um único partido no governo. A oposição se tornou a direita. O contrário de quem viveu, por exemplo, os anos 90, onde o PT aparecia como a opção mais viável para uma melhor distribuição de renda. O nítido desvio para o outro lado é compreensível, eu acredito, ainda que seja estranho observar tantos jovens pregando muitas vezes em prol de empresários. Entretanto, e quem viveu nos piores períodos do país? Muitos achavam que a esquerda era a solução. Não à toa, o ódio incontido é tão explícito. Boa parte do povo se sente traída.

A rejeição da Dilma não se trata de um nós contra eles, mas de uma constatação muito mais óbvia: o ódio pela ferramenta política como única forma de governabilidade. A rendição aos caprichos do PMDB, das velhas oligarquias, tudo em nome do “é o que se precisa fazer para chegar a algum lugar”. A aproximação do PT, veja só, aos lados conservadores da sociedade; não ao contrário, como muitos encaram. A falta da veia progressista que um dia o partido tomou pra si. Algo que fez com que uma parte considerável da população observasse nos nomes de Plínio Arruda Sampaio, Luciana Genro e Eduardo Jorge uma forma de mudança, nos últimos anos. Para que o pragmatismo não fosse mais do que uma ideia ultrapassada. Essa batalha perdemos. Ele continua intrínseco à política.

Mas não é ele que está sendo julgado nas ruas. Não são clamores por uma reforma radical na política. São clamores gerados por um ódio cego e inaudível. São clamores por uma mudança temporária: a de apenas uma cabeça; de um bode expiatório. Movidos apenas por vingança partidária, a oposição aproveita a brecha e entra nas mentes dos que procuram um novo líder. “E quando chegarem ao poder e ficarem outros 12 anos com as mesmas políticas”, pode-se perguntar o leitor mais crítico. Bem, para muitos, “depois a gente vê”.