[Coluna] “…” Os três pontinhos

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Nunca consegui reagir sabiamente a narrativas curtas, mas os três pontinhos de uma conversa é o que mais me deixa enlouquecido. O instante em que a língua trava e você não consegue proferir mais que um resmungo. E é justamente o mais importante.

“Quer me beijar?”

“…”

A nossa infância é o auge dos três pontinhos.

Sua inexperiência jogando todo tempo ao seu desfavor, deixando-lhe sem saber quais saídas ou entradas tomar. Não me lembro o autor, mas sei que havia um monólogo que descrevia que um mundo mais justo seria aquele em que começaríamos velhos e aposentados, aproveitando as pequenas coisas da vida, descobrindo-se, passaríamos o período adulto com muito mais disposição e conhecimento, e chegaríamos a adolescência/infância sabendo como aproveitá-la. Somos completamente ocos para descobrir todo o campo que podemos percorrer no período estudantil. Não sabemos como depositarmos aquelas horas do seu dia, após o estudo, claro. Mas os três pontinhos estão ali, rondando o seu tempo, reduzindo-o.

“O que fez ontem?”

“…”

Mas ninguém lhe prepara para os três pontinhos da juventude adulta, quando você descobre o que são relacionamentos, o que seus amigos estão fazendo e o que se espera que você faça: amar alguém. Dividir suas paranoias, discursos, atenções e alegrias com uma única pessoa, e que, de preferência, não tenha lhe trocado as fraldas. As reticências tornam-se muito mais perigosas que antes. Quando você deve consentir, o quanto se expor e o quanto se doar. Às vezes ser reticente pode ser um mistério, claro, mas na maioria é desconforto. Ou falsa segurança.

Em períodos de relacionamentos virtuais e teorias conjugais por exposições cibernéticas, é muito mais complicado desvendar as reticências. Como saber quando articular o ‘q’ incentivador, o toque delicado, o desejo. O instante em que a pessoalidade interfere na impessoalidade. O problema da juventude adulta é que começamos a compreender as reticências, mas poucos conseguem usá-las numa narrativa promissora, romântica e primorosa.

Não existem certezas. A suposição do “não” é uma fraude. Você nunca pode presumir o que o outro ou a outra lhe dirá. Até você agir, a vida pode ser uma eterna reticência…