[Coluna] Hazel Grace não é só uma modinha

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Há um termo bem comum – e bem equivocado – rolando entre os amantes de livros contemporâneos: “livro modinha”. A expressão faz referência a livros populares, em geral de fácil leitura, que atraem um grande número de pessoas. Bom, nesse caso, além dos “livros modinhas” mais conhecidos – Série Twilight, Série Fifty Shades, Série Hunger Games, etc. – também podemos considerar como modinhas os queridinhos Harry Potter, Game of Thrones e – pasmem – até mesmo Senhor dos Anéis. Afinal, esses livros também arrebataram centenas de pessoas e estiveram no top of mind das publicações por muito tempo.

Essa introdução é necessária porque entre os meus mais queridos livros está um que é considerado “modinha”. Super modinha, aliás. Escrito por Jonh Green e publicado no Brasil pela editora Intrínseca, A Culpa é das Estrelas conquistou os corações de muitas pessoas – o meu incluso.

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Quando o li pela primeira vez ele ainda era, por essas bandas, um livro desconhecido de capa bonitinha. E, confesso, eu o comprei por causa da capa. Mas a história me arrebatou de tal forma que já passa de vinte as vezes que o reli. A leitura coincidiu com uma época da minha  vida em que eu – assim como a protagonista – descobri ter o corpo habitado por uma doença crônica. Nada tão trágico quando o câncer terminal de Hazel Grace, mas igualmente complicado por impôr limitações semelhantes: amigos se afastando, mudanças no estilo de vida, idas ao hospital com dor, exames, exames e mais exames. E a maneira como Hazel encarava suas limitações (bem diferente da maneira como eu encarava as minhas) me encantou.

Sempre que você lê um folheto, uma página da Internet ou sei lá o que mais sobre câncer, a depressão aparece na lista dos efeitos colaterais. Só que, na verdade, ela não é um efeito colateral do câncer. É um efeito colateral de se estar morrendo. (O câncer também é um efeito colateral de se estar morrendo. Quase tudo é, na verdade.)

Hazel poderia ser mais uma típica personagem de sick-lit: ela poderia ser extremamente otimista. Ela poderia dispender seu tempo tentando salvar o mundo – ou a parte dele que se encaixasse em seu universo pessoal de doença. Ela poderia admirar o universo tolamente até seu último suspiro. Mas não. Hazel sabe que está morrendo. Sabe que não pode fazer nada sobre isso. Sabe que mal tem forças para ajudar a si mesma. E sabe que tudo o que ela tem é aquilo que está ao seu redor e que precisa se agarrar a isso enquanto pode, da maneira que pode. Hazel não tem a intenção de ser uma heroína: com seu humor ácido, seu jeito irônico e a consciência (e frustração) por sua doença ela é uma pessoa normal. Como eu seria na situação dela. Como você seria, muito provavelmente. E a prova disso é que seu livro favorito é sobre uma garota morrendo de câncer que quer ajudar pessoas morrendo de cólera (justo!)

Não era nem pelo fato de o livro ser bom nem nada; era só porque o autor, Peter Van Houten, parecia me entender dos modos mais estranhos e improváveis. Uma aflição imperial era o meu livro, do mesmo jeito que meu corpo era meu corpo e meus pensamentos eram meus pensamentos.

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É esse exatamente o sentimento que Hazel, enquanto protagonista de A Culpa é das Estrelas, causa em seus leitores. A obra em si não é genial, mas seus personagens verossímeis – sua protagonista real – desperta a nossa simpatia. Superficialmente a história não passa de um romance adolescente para adolescentes, mas Hazel Grace traz um toque a mais para essa história. Ela reúne em torno de si um grupo heterogêneo, estranho, deslocado e perfeitamente plausível.

Eram quatorze degraus. Eu só pensava nas pessoas que vinham depois de mim, a maioria adultos falando vários idiomas diferentes, e fiquei com vergonha. Sei lá, eu me sentia como um fantasma que tanto traz consolo quanto assombra, mas consegui chegar ao fim da escada, finalmente, num cômodo sinistramente vazio. Eu me apoiei na parede, meu cérebro dizendo a meus pulmões está tudo bem está tudo bem fiquem tranquilos está tudo bem e meus pulmões dizendo ao meu cérebro ai, meu Deus, nós estamos morrendo aqui.

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Por isso, embora muitas manifestações em contrário, eu digo: Hazel Grace não é só uma modinha. Existe força ali, jovem padawan. Se ainda não deu uma primeira (ou segunda) chance para ela, eu aconselho que dê. Que esqueça esse rótulo bobo de “modinha” (que bom seria se a leitura fosse, de fato, uma moda das mais comuns) e descubra com Hazel que o mundo continua igual mesmo no pior dos cenários. Quem determina ou não as mudanças é você.

Era muito provável que eu nunca mais fosse ver o oceano de uma altura de trinta mil pés de novo, uma distância tão grande que não dá nem para distinguir as ondas, nem nenhum barco, de um jeito que faz o oceano parecer um enorme e infinito monólito. Eu poderia imaginá-lo. Eu poderia me lembrar dele. Mas não poderia vê-lo de novo, e me ocorreu que a ambição voraz dos seres humanos nunca é saciada quando os sonhos são realizados, porque há sempre a sensação de que tudo poderia ter sido feito melhor e ser feito outra vez.