“No final, o que separa um homem de um escravo? Dinheiro? Poder? Não. Um homem escolhe; um escravo obedece.”
Andrew Ryan, Bioshock
Poucos sabem, mas o aclamado jogo Bioshock, escrito e dirigido por Ken Levine, foi inspirado no livro A Revolta de Atlas, da escritora, dramaturga, roteirista e polêmica filósofa Ayn Rand. Desenvolvido pela Irrational Games (antiga 2K Boston), foi lançado em 2007 para Xbox 360, PlayStation 3 e Windows, obtendo sucesso na crítica especializada e se tornado posteriormente um ícone da sétima geração dos vídeo games.
Bem-vindo a Rapture
É assim que a trama se inicia após um acidente de avião levar o protagonista até a utópica cidade de Rapture, uma metrópole no fundo do mar, com grandes prédios que dividem espaço com baleias e lulas gigantes. Nela, vive uma sociedade liberal e sem governo, em que seus moradores, fugidos das cidades da superfície, encontraram liberdade criativa e ideológica, onde a religião e o moralismo não atrapalhavam o progresso e o sucesso pessoal. Nesta cidade, apenas as mentes capazes de alçar as mais altas escalas sociais gozavam do respeito e admiração, sendo repudiada qualquer tipo de ajuda nessa escalada. É o Objetivismo posto em prática. Porém, engana-se quem pensa que Bioshock é uma homenagem à filósofa Ayn Rand. Mas, antes, o que era mesmo Objetivismo?
Ayn Rand e A Revolta de Atlas
De origem russa, Ayn Rand emigrou para os Estados Unidos em 1926, onde desenvolveu sua filosofia, chamada de Objetivismo. Um sistema que consiste no individualismo e crescimento pessoal como meta para a felicidade, repudiando qualquer sistema social que impeça tal crescimento em prol de um bem maior. Sua filosofia tem fortes ligações com o liberalismo econômico e busca um cenário onde o Estado tenha a mínima atuação e o capitalismo possa se desenvolver livremente.
Com um incrível domínio da literatura, sua ideologia tornou-se conhecida quando seus primeiros livros foram lançados e obtiveram boa recepção do público e da crítica, mas foi com Quem é John Galt? ou A Revolta de Atlas, novo título de relançamento em 2010, que Ayn Rand ficou famosa. Com o nome original de Atlas Shrugged, o livro foi lançado em 1957 e foca na protagonista Dagny Taggart, vice-presidente de uma empresa ferroviária que sofria com problemas de administração e com medidas populistas do governo que dificultavam o sucesso da empresa. Conforme o Estado aumentava suas intervenções, empresário, artistas, pensadores e tantas outras mentes notáveis começavam a desaparecer.
A Revolta de Atlas expõe todas as ideias da autora, como o livre mercado, o egoísmo racional e a felicidade alcançada pelo próprio esforço como princípios morais. Seu livro se tornou o segundo mais influente nos EUA, ficando atrás apenas da Bíblia e é leitura obrigatória nas escolas. Sabendo-se disso, de que forma Ken Levine fez sua crítica?
Quem é Atlas?
Fazendo referência à famosa frase “Quem é John Galt?”, Bioshock toma muitos elementos do livro (o fato do fundador de Rapture se chamar Andrew Ryan não é coincidência) e os aplica em uma cidade impossível, em que seus moradores fossem o modelo ideal da filosofia de Ayn Rand. Mas uma das primeiras coisas que descobrimos é que nem tudo deu certo.
Abusando do livre mercado, Rapture começou a ruir, o individualismo impedia decisões conciliatórias e a demanda de mercado sofria com a falta de oferta, que, por ordem de Andrew Ryan, não podia importar produtos da superfície. Nesse cenário surgiu Frank Fontaine, que contrabandeando das cidades em terra, enriqueceu e se tornou um exemplo de cidadão. É claro, sem que soubessem de suas atividades ilícitas. Sua indústria, então, começou a fornecer um tipo de droga, chamada ADAM, que sem qualquer meio de regulamentação, deixou a população viciada e à beira de uma crise.
Como medida paliativa para resolver a falta de ADAM, meninas foram sequestradas e treinadas para vagar pela cidade em busca de corpos daqueles que morreram por overdose. Elas foram chamadas de Little Sisters. Com o alto índice de mortalidade das mesmas, já que, descontrolados, os viciados as matavam em busca de mais ADAM, Frank Fontaine investiu na criação de guardas, que vestidos em escafandros, protegiam-nas. Estes, ícones do jogo, foram chamados de Big Daddies.
Com todo esse pano de fundo, o jogo se inicia apresentando uma cidade de arquitetura incrível, personagens enigmáticos e mostra uma possível consequência dos ideais de Ayn Rand.
Um homem escolhe; um escravo obedece
Bioshock aborda várias questões, como livre arbítrio, altruísmo, moral, capitalismo e socialismo e o pós-humano e a tecnologia. A leitura de A Revolta de Atlas é recomendadíssima para entender o pensamento americano, conhecer melhor uma das questões mais atuais da nossa sociedade e riscar mais um livro da sua lista de clássicos.
Nesse post especial de estreia da coluna Livros Que Criam Jogos, dois clássicos apresentaram suas ideologias e após essa superdica só resta uma coisa a se fazer: ler e jogar!
Descubra quem é John Galt, descubra quem é Atlas e escolha, no fim, de que lado você está.