[Coluna] “Tudo vai ficar bem”

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Algumas de nossas sensações existenciais se repetem, conforme vamos levando nossa vida. Hoje, por exemplo, não consigo mais chorar. E isso me mata por dentro. Não conseguir extrair minhas angústias, meus problemas de mim. Tudo fica ali, escondido, reprimido, esperando o momento que desencadeará um problema muito maior. Uma úlcera ou um aneurisma, quem sabe. Estava vasculhando alguns dos meus textos para ver se o que sinto atualmente já pertencia à alguma outra neura pessoal. Pertencia. E decidi readaptá-la, pois serve perfeitamente para ilustrar minha história recente:

Certo dia, eu percebi que havia mudado as embalagens de Kit-Kat, relançadas em solo brasileiro há alguns anos. Na minha mente, perpetuava a imagem do chocolate na cor vermelha, em abundância, mais clássica, charmosa e chamativa. Doce, apetitosa e que hoje só me lembra um sonho adolescente distante. As embalagens do que já foi meu chocolate favorito entraram na globalização desenfreada. Viraram produtos automatizados. Em nada, lembram os maiores sonhos de criança que um dia foram e os escapes da realidade que eram. Hoje, só nos traz para a realidade capitalista. Uma embalagem vazia, sem charme, feita apenas para vender e lucrar.

Há uma “(in)comedida” impessoalidade no mundo de hoje. Tudo é muito distante. Nossos maiores sofrimentos, temores ou neuras são sempre escondidos em nosso âmago para passarmos despercebidos pelo mundo. Experimente responder um “está tudo bem?” com um não para ver a reação cambaleante e surpresa da outra pessoa. É uma forma de dissimulação social inflexível. Uma maneira de forjarmos uma sensação de empatia pouco frutífera.

Lembro-me que há algum tempo trabalhava em uma empresa de telemarketing e obtive a oportunidade de conversar com Clóvis Rossi. Na época, já editor da Folha de São Paulo. Conversamos por telefone por horas e nos despedimos com uma sensação boa. Nós retornamos a conversa por e-mail, mas com um tom impessoal gigantesco e que infringiu na conversa. Interessante como o e-mail é uma coisa prática, rápida e dá um grande dinamismo para uma conversa, mas sempre falta algo. Falta a intimidade e a pessoalidade que uma carta escrita de próprio punho significa ou até mesmo da cumplicidade com a outra pessoa em um telefonema. O problema do correio eletrônico é o mesmo problema do Kit-Kat: algo automatizado, rápido, fácil, porém, sem sabor.

O interesse momentâneo e o passageiro do e-mail me lembra da resposta à pergunta: “está tudo bem?!”. Indagações receosas, fabricadas e de pouco tato. Hoje, eu sinto uma imensa saudade da minha infância, uma época em que ainda escrevia cartas – textos com um princípio, meio e fim. A minha vida escolar pouco permitia o uso da internet, restritivo à sites de pesquisa. Mas é curiosa a liberdade que sentia. Maior do que hoje, talvez. A pessoalidade de usar uma caneta, um lápis e a grafia individual para transformar os pensamentos em algo organizado era uma forma cansativa, mas entusiasmada de se expor.

Acho que é por isso que, de vez em quando, surge-me uma vontade gigantesca de pegar uma caneta apropriada, produzir os primeiros rabiscos numa folha de papel almaço, cuidadosamente fechar as folhas num envelope e mandar o que sinto para, sei lá, um local distante de mim. Porém, eu sempre acabo me contentando com aquela embalagem vazia e automatizada de kit-kat e quando me perguntam se estou bem, apenas respondo: “tudo vai ficar bem…“.