[Manifesto] Entre Versos

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Existe uma breve teoria na literatura cinematográfica que assimila que você assistir a um mesmo filme pode lhe render pontos de vista divergentes. Na psicologia, isso diz respeito a percepção de uma obra quanto a julgamentos diferentes: numa linguagem mais coloquial, guia-se por etapas momentâneas. A música causa a mesma sensação em mim. Há outro discernimento quando estamos experimentando outras fases. A banda Pública é meu exemplo mais recente. Ao ouvir pela primeira vez os versos de Sessão da Tarde nunca imaginei que aquela música divertida e esperançosa se tornaria no futuro uma associação tão melancólica e nostálgica da vida: “queremos ser como vocês, que não temem o amanhã“. Como no cinema, assumimos nossa realidade no contexto do que ouvimos, criando empatia ou semelhança com o personagem que nos é apresentado. Às vezes é bom, muitas ruim. A vida é uma eterna dependência de contextos.

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Nelinho e Silvinha haviam se conhecido no trabalho. Ela usava uma roupa de lã vermelha no dia em que trocaram o primeiro sorriso. Com uma beleza daquelas, logo pensou que a moça era comprometida e qualquer tentativa de cortejo seria ineficaz. Mas o destino insistiu. Aos poucos, os dois começaram a trocar conversas, experiências e, logo, suas roupas. Não tardou muito, porém, trocaram de relacionamentos. Ela foi para São Paulo, ele continuou no Rio Grande do Sul. Agora, Nelinho e Silvinha trocam cartas. E seu relacionamento nunca foi melhor.

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Revirando alguns e-mails antigos encontrei sentimentos antigos, com o perdão do clichê. Lá estavam os meus primeiros trabalhos da faculdade, as primeiras declarações, as primeiras indicações, os meus primeiros amores, os primeiros colegas, enfim, as primeiras saudades. Vasculhando, eu percebi um convite de casamento do meu grande amigo e o jornalista que mais admirei na adolescência, Fernando Evangelista. Dizia: Para Andrey e J… . Acho que deve ter sido a primeira vez que fui chamado para um evento social acompanhado de outro nome, um convite com a soma: “e”. Antes disso, os convites eram individuais, particulares, solitários. Outras pessoas não vinham acompanhadas de meu nome. Nem metaforicamente. A acompanhante do meu convite foi meu primeiro e único amor. E, como todo o amor verdadeiro pode virar, transformou-se numa amizade inesquecível. Virou minha companheira da vida. Mesmo que esteja longe. Observei o poder do passado, nesta noite, quando ele me trouxe ela de volta.