[Manifesto] Por onde andará Francisquinha?

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Por Andrey Lehnemann

Noite passada, eu descobri que já fui dono de uma tartaruga. Quem diria! Nunca pensei que poderia algum dia colocar no túmulo: aqui jaz Andrey, amoroso, devoto, dono de uma tartaruga. Francisquinha era seu nome. Saudosa Francisquinha. Ela fez parte de minha vida, segundo meus pais, por volta dos meus 10, 11 anos. Comecei a ter vislumbres de sua personalidade esquecida, claro, quando a busquei na biblioteca da memória. A biblioteca estava bem empoeirada, como se eu não entrasse nos anos 2000 há muito tempo, portanto foi difícil achar algo relativamente significativo sobre a história da Francisquinha.

O que achei: bastante sociável, a tartaruga sempre subia na rampa que dava para a piscina da minha casa a fim de observar eu e meus amigos se divertirem na água. Muitas vezes, inclusive, o meu pai me deixava colocá-la ali para vê-la nadar assustada, mas ansiosa e feliz com suas nadadeiras ditando o ritmo. Ela desapareceu num de seus períodos de hibernação. Toda tartaruga hiberna de 7 a 8 meses e a pequena tartaruga de nome diminuto não fazia exceção à sentença; porém, ela não voltou mais para a casa depois de um desses períodos. Ninguém sabe o que aconteceu com ela.

Eu tive outra tartaruga tempos depois, quando o meu pai achou uma na beira da praia, frente à nossa antiga casa, com o casco extremamente debilitado. Alguns jovens a encontraram e começaram a dar pauladas no animalzinho. Não durou muito e morreu logo depois, mas agora me lembro dela com certa nostalgia. Talvez fosse a própria Francisquinha que, de certa forma, havia encontrado o caminho de casa e seus donos originais.

***

Da série “nos bosques da depressão”:

Solidão

Não há ninguém.
Desci para o corredor,
não os vi.
Olhei pela janela: eles não estavam lá.
Abri a porta; porém, nada.
Saí pelas ruas, mas aonde ir?
Procurei nas esquinas,
bares,
clubes,
escolas,
trabalhos por onde passei,
faculdades,
em papéis jogados foras,
caixas vazias,
nas mais impensáveis trincheiras da vida;
e zero.
Seria possível que havia sido imaginação?
Que era isso desde o princípio?
Os encontrava diariamente em folhas de papel,
nas rodas de bebidas,
nos clubes dançantes.
Durante a faculdade, soube que não iriam ficar;
no trabalho, fui enganado.
Agora vago por aí,
perguntando:
onde estão todos?