[RESENHA] Pantaleão e as visitadoras, de Mario Vagas Llosa

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pantaleao e as visitadoras - capaEdição: 1
Editora: Alfaguara
ISBN: 9788560281121
Ano: 2007
Páginas: 246

Sinopse:

O jovem capitão Pantaleón Pantoja foi treinado para ser um dos mais eficientes oficiais do Exército peruano. Disciplinado, respeitador das hierarquias, estava preparado para enfrentar qualquer tipo de missão militar. Mas a tarefa que lhe foi designada superava todas as expectativas de um sério oficial de carreira: organizar um bordel na selva amazônica e amenizar a fome sexual da soldadesca que, no isolamento da mata, passara a violentar as mulheres locais, pondo em risco a reputação das Forças Armadas nacionais.
(fonte: primeira orelha do livro)

A premissa em si já parece ser uma piada. Mas é a forma como Llosa desenvolve a trama é que captura e prende o leitor inexoravelmente. Intercalam-se capítulos que se alternam entre a narrativa que acompanha o protagonista e a reprodução de documentos oficiais do exército – ofícios e relatórios – de recortes de jornal e de programas de rádio. E tanto um quanto outro são, a seu modo, incomuns.

A narrativa quase todo o tempo mistura diálogos de duas cenas diferentes. E quando digo “mistura”, significa que não há qualquer limite visível entre uma e outra. Os diálogos se sucedem simultaneamente como se pertencessem à mesma cena. E cabe ao leitor “se virar nos 30” para destrinchar o imbroglio e acompanhar cada uma das conversas. Admito, no primeiro capítulo, perplexidade e confusão se revezavam durante minha leitura. Creio que voltei ao início duas ou três vezes, até compreender o que ocorria, pegar o jeito e conseguir continuar. Mas o que pode parecer complexo revela-se até uma diversão para o leitor que se deixar levar pela travessura narrativa de Llosa. É um exercício mental que incrementa a experiência de leitura.

“- Quer dizer, a abstinência transforma o cara num corrupto daqueles – diz o general Victoria. – Provoca desmoralização, nervosismo, apatia.
– É preciso dar de comer àqueles famintos, Pantoja – solene, olha-o nos olhos o Tigre Collazos. – É aí que o senhor entra, é aí que vai aplicar seu cérebro organizador.
– Por que ficar tão perdido e caladinho, Panta? – guarda a passagem na bolsa e pergunta onde é o portão de embarque Pochita. – Vamos ter um grande rio, camos poder nadar, fazer visitas às tribos. Anime-se, bobo.
– O que você tem que está tão esquisito, filhinho – observa as nuvens, as hélices, as árvores dona Leonor. – Não abriu a boa a viagem inteira. Por que está tão preocupado?
– Nada, mamãe, nada, Pochita – afivela o cinto Panta.”
(p.16)

Mas a veia humorística de Llosa se revela totalmente nos capítulos que reproduzem a documentação oficial. À primeira vista, relatórios e ofícios não são o que se pode chamar de material de leitura interessante. Ledo engano. Toda a empreitada de Pantoja é tratada com seriedade por ele e encarada como qualquer outra missão oficial – administrar a cozinha do quartel ou cuidar das fardas do batalhão, atividades que ele já tinha cumprido com louvor. E todos os ofícios são de uma riqueza de detalhes que beiram a obsessão.

Pantoja, antes de iniciar a estruturação necessária ao cumprimento de sua missão, solicita informações minuciosas aos oficiais sobre as preferências relativas ao serviço a ser prestado. Baseado nessas respostas, monta um relatório conciso e detalhado – a média de “atendimentos” esperada versus a capacidade real de atendimento, o tempo médio de atendimento esperado versus o período disponível das visitadoras, o tipo de serviço prestado, as acomodações necessárias, a elegibilidade dos soldados o serviço, a forma de pagamento, entre outras informações. Destaque para o relatório em que discorre sobre a influência da alimentação local sobre a libido dos soldados e para o que descreve o sucesso da “operação piloto”. Não há como conter o riso ao ler essa documentação toda formal, repleta de termos técnicos militares, examinando questões relativas à quantidade de prostitutas, ao pagamento da cafetina, ao desempenho sexual e afins.

Contudo, o livro não é apenas debochado. Subrepticiamente, há, sim, crítica à burocracia e à hipocrisia da máquina militar, à falsa moral de uns e outros, à facilidade com que um pseudo guia religioso arrebanha as massas, ao poder da mídia. Enfim, com pleno domínio da palavra, Llosa constrói uma trama divertida e irônica, que envolve o leitor até a última página.

Nota

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