[Conto] Boa noite

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mulher-amarradaPor Thiago Tenório Albuquerque

Ah, finalmente…

Boa noite, mein lieb.

Calma. Calma, está tudo bem.

Não precisa ficar tão agitada.

Já te explicarei tudo.

Espero que estejas confortável, que as amarras não tenham tirado a sensibilidade de seus membros.

Gostou da cadeira?

Vamos mein lieb, pare de gritar.

Pare de gritar.

Ninguém virá para te socorrer.

Fique calada mein lieb, só vai te cansar…

E me irritar.

Por favor, pare.

Cale a boca.

Cale a boca!

Cale a boca, sua rameira imunda!

Cale a sua maldita boca!

Espere um instante, já acabarei com essa sua rebeldia.

Pronto.

Isso.

Agora que a fita adesiva trouxe o silencio de volta para nós, mein lieb, deixe que te explique tudo.

E para isso, preciso que respondas a tão somente uma pergunta. Uma pergunta que imagino ser bem fácil.

Lembra-se de mim?

Sim?

Não?

Não?!

Há, há, há, há, há!…

Eu imaginava.

Tente fazer um esforço.

Não ainda? Olhe bem?

Dar-te-ei uma pista.

Para mim, você foi a única, a minha luz e a minha razão.

Não?

Pista ruim não é mesmo? Afinal, bem sei que jamais fui o único para você, e que outros, antes e depois de mim, caíram ante sua sedução.

Vamos lá, olhe com atenção. Se esforce.

Sei que os anos foram cruéis comigo, meu viço se foi já faz anos, até por que o lugar para onde fui enviado, não era um solar tão confortável e faustoso quanto o que você vivia até hoje. Viver lá, se o que passei, pode ser chamado de vida, cobrou-me alto preço.

E então? Lembra-se de mim?

Ah, tolice a minha, pensar que você se ocupou um segundo que seja a pensar ou lembrar-se de mim.

Crianças más e mimadas como você, logo se esquecem dos joguetes usados e destruídos, das promessas não cumpridas e do mal feito por mera leviandade.

Mas vamos lá mein lieb, puxe pela memória. Se esforce.

Não?

Ajudar-te-ei mais uma vez então.

E dessa vez a pista será algo que somente nós dois sabemos.

Então preste atenção.

Lembra-se do lago? Aquele onde nos encontravamos?

Sim?

Que bom.

Uma noite, estávamos nós dois, a passear em suas margens, você vestia um belo vestido negro. Era uma noite clara e sem nuvens, a Lua cheia estava em seu pleno esplendor.

Você parou nossa caminhada, tomou minhas mãos e olhando profundamente em meus olhos, com os seus, que um dia tanto amei, disse com o tom de voz mais doce, que sempre sentiu medo e solidão, mas que não mais, pois, agora tinha a mim.

Que expressão de surpresa é essa?

Diga-me mein lieb?

Lembrou-se?

Sim?

Finalmente.

Diga então o meu nome.

Vamos, diga.

Diga…

Diga!

Fala!

Fala o meu nome sua meretriz!

Não vais falar?

Pois bem, espere um pouco.

Está vendo essa ferramenta? É um alicate de poda, mas não cortará qualquer planta que seja hoje.

Dá-me aqui sua mão, isso mesmo, muito bem.

Lute.

Assim será muito mais prazeroso.

Agora preste atenção mein lieb, contarei até três, caso não pronuncies o meu nome, cortarei uma falange de suas lindas mãos. Até que fiques sem dedo algum.

Vamos lá?

1…

2…

3…

Não falará?

Muito bem.

Pois bem? Nada? Realmente és turrona, nem mesmo um grito.

Pensa que assim desistirei de que diga meu nome?

Asseguro-te que não.

Mais uma vez.

1…

2…

3…

Não?

Pois bem.

1…

2…

3…

Não?

Não falará?

Vais falar sim sua imunda!

Fala!

Fale o meu nome!

Espera…

Que tolice a minha.

Há, há, há, há, há!…

Perdão. Havia me esquecido que tens a fita a selar seus lábios.

Deixa-me tirar isso.

Então?

Diga o nome.

Pare de gritar mein lieb, ninguém virá te socorrer. Ninguém.

Diga o meu nome.

Não?

1…

2…

Ah, sim. Isso mesmo. Você se lembra.

Então acho que já não preciso explicar coisa alguma, não é? Já que pode negar para o mundo seus crimes contra mim, mas não pode fazer o mesmo comigo.

O que?

Não.

Não implore.

Implorar de nada adiantará.

Pois já não há qualquer coisa humana em meu coração, a não ser, o ódio.

O que?

Fale devagar.

Dinheiro?

Não mein lieb, nem todos os tesouros do mundo, me trariam a satisfação, que sinto agora.

Heim?

Não acredito que tenhas feito isso.

Que tenhas tentado me comprar com seu corpo.

O que te faz pensar que quero seu corpo?

Que quero seus beijos e carinhos?

Do seu corpo, quero apenas a dor que ele te trará.

Pare de chorar mein lieb.

De nada te servirão as lágrimas.

Não entendi?

Matar-te?

Não…

Ainda não.

Por muito tempo, repetirei isso…

Ainda não.

Brincarei com você mein lieb. Torturando sua alma e corpo, pelo máximo de tempo possível. Humilhar-te-ei, ferirei e magoarei, tanto quanto fui por você e seus atos.

E tenha certeza, nada será tão horrível quanto o que foi feito a mim no lugar para onde fui mandado graças as suas mentiras.

Mas não se preocupe, contarei para você toda a minha história, já que passaremos muito tempo juntos, mein lieb.

Não chore e pare de pedir perdão.

Já lhe disse…

Nada adiantará.

Agora descanse, amanhã continuaremos a brincar.

Pare de gritar.

É inútil.

Veja.

Socorro!

Socorro!

Sou uma maldita que não quer aguentar as consequências dos meus atos!

Socorro!

Viu?

Nada.

Ninguém.

Ponha uma coisa em sua cabeça mein lieb, como um dia você me prometeu e te faço agora cumprir…

Você me pertence.

Descanse.

Durma um pouco.

Apagarei a luz para que possas dormir melhor, até por que, a escuridão combina com sua alma.

Boa noite mein lieb.

Bons sonhos.