Lendas do Dragão do Céu: A sombra do Ranger – Capítulo 2

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Vida Nova

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por Gabriel Mendes

Ley cometeu um erro. Ou pelo menos pensou isso. O beijo de Wanda não lhe pegou surpresa, pois já era esperado. Seu erro foi trair a amizade de Guilherme. Até onde ele sabia, Guilherme e Wanda ainda estavam namorando. Trair o namorado com o melhor amigo dele tornava Wanda uma vadia. Ele parou de repente, afastou-a de si por um instante.

– Isso é um erro. Vocês ainda estão namorando. – Disse ele.

– Não estamos. Logo depois daquele grito dele… – Ley lembrou-se que Guilherme gritou tão alto que o círculo de silêncio não conseguiu contê-lo – Eu não aguentei. Acabou. Por isso ele saiu. – Wanda fitou o nada por um instante. Estava se libertando. Acabou. Ela soltou um longo suspiro – Acabou.

Ley fitou-a por um longo momento. Olhou dentro dos olhos dela e finalmente entendeu. Ela tinha tirado um peso das costas, estava livre. Ele ainda achava que seria um erro para com Guilherme, mas Wanda precisava de sua ajuda e ele não podia deixá-la na mão. Guilherme e Wanda eram seus melhores amigos. Ele não podia abandonar nenhum dos dois, o que o colocava em uma situação impossível. E após ponderar sobre isso por alguns segundos ele tomou a decisão. Puxou Wanda para si e voltou ao que estavam fazendo. “Repetindo a dose”, como ela havia descrito. Há muito que ela queria fazer amor com seu namorado, mas nos últimos meses houve: a crise no relacionamento dos dois, o incidente com Gustaff e o anel de poder e eles ainda viajaram pelo interior de Harud e reinos próximos procurando “focos do Mal” (era assim que Ley os chamava) e destruindo-os durante dois meses. Fazia ao menos quatro meses que ela queria ter uma noite com seu namorado, mas não tinha tido a chance. E quanto ela chegou, não tinha mais Guilherme. Outra situação impossível.

Passaram grande parte da noite acordados fazendo aquilo. E quando, finalmente, foram dormir, nem se preocuparam em vestir de novo as roupas. Dormiram juntos, aquecendo-se com o calor do abraço e o lençol que os cobria. Foram acordados de manhã com batidas na porta. Estavam na mesma posição que dormiram. Aquele abraço. Ley deixou Wanda na cama, coberta com um lençol. Jed batia na porta freneticamente. Ley vestiu suas roupas e abriu a porta.

O círculo de silêncio da noite anterior sumiu quando Ley dormiu. Era uma magia parte contínua parte permanente. O círculo permanecia durante horas, mas precisava de “recargas” para continuar funcionando.

– Diz. – Ordenou ele.

– Guilherme sumiu. – Ele olhou para Wanda. Apenas a cabeça não era coberta pelo lençol. – Ele deve ter saído muito cedo ou então durante a noite, porque nem mesmo a dona da estalagem sabe para onde ele foi.

– Guilherme saiu durante a noite, precisava esfriar a cabeça. – Confirmou Ley.

– Os dois brigaram de novo? – Ley respondeu a pergunta de Jed com um aceno de cabeça.

–  Sim. – Ley assentiu – Ele deve voltar logo. Que horas são?

– São dez horas da manhã. – Respondeu Jed – Todos estão tomando café da manhã. Vim acordar vocês.

– Missão cumprida, meu caro. Agora um pouco de… Privacidade. – Pediu Ley – Já vou descer, mas Wanda ainda deve dormir um pouco.

– Estaremos esperando. – Jed fechou a porta e voltou para a mesa onde Lily e Gustaff conversavam, estavam falando sobre animais de estimação. “Que assunto interessantíssimo!” ironizou Jed em seus pensamentos.

– Vocês ouviram gritos e gemidos ontem de madrugada? – Interrompeu ele.

– Eu dormi como uma pedra. – Respondeu Gustaff.

– Eu acordei no meio da noite por causa de algum barulho, mas aí eu percebi que era o mago roncando. – Respondeu Lily referindo-se a Gustaff. O mago a fuzilou com o olhar, o que não fez diferença alguma. – Qual o motivo da pergunta? – Ela quis saber.

– Nada. É que eu pensei ter ouvidos alguns, mas deve ser coisa da minha cabeça…

Ley voltou-se para Wanda sem saber se ela ainda dormia. Beijou seus cabelos e acariciou sua cabeça. Nunca mais seriam os mesmos. Eles se conheceram em Angband três anos antes. Wanda foi acolhida pela resistência após perambular por Angband durante alguns meses, tornando-se amigos em questão de semanas, e após isso, confidentes. Ela começou a namorar Guilherme algumas semanas após ser acolhida, formando um casal improvável, perfeito e um tanto peculiar. Ley pegou uma muda de roupa para Wanda e colocou ao lado dela. Ela estava acordada.

– Obrigada. – Sussurrou. Ela sorria. Aquilo deixou Ley feliz. Ele estava feliz. Mas agora precisava lidar com mais um problema: “Onde está Guilherme?”.

Ley desceu as escadas. Estava vestindo seu cinto de adagas e a espada presa às costas pela bainha. Foi até a mesa onde todos estavam sentados quase terminando a refeição, se aproximou sem que o ouvissem e conseguiu ouvir um pequeno trecho da conversa antes de o notarem.

– Que diabos aconteceu naquele quarto ontem? Eu tenho certeza que os barulhos vieram do quarto de Guilherme, Wanda e… – Dizia Jed.

– Ley. – Interrompeu Lily com um sussurro. Jed e Gustaff estavam de costas e Lily só percebeu Ley quando ele estava se sentando à mesa.

– Sobre o que conversavam? – Ley deu um sorriso sádico – Porque boa coisa é que não era.

A garçonete da estalagem, uma jovem de catorze anos, veio perguntar o que Ley queria comer.

– Me traga alguma bebida alcoólica, a mais forte que vocês tiverem, e uma cesta de pães.

– Isso é tudo?

– Azeite, manteiga, queijo. E por enquanto é só. Mais dois ainda devem chegar.

A menina passou por debaixo do balcão do bar e foi até a cozinha, Ley voltou-se para os colegas.

– Querem saber o que aconteceu ontem? – Perguntou Ley. Todos estavam assustadíssimos pelo tom de voz. Como ninguém respondeu, Ley prosseguiu – Então eu vou dizer o que aconteceu ontem. – Ley dirigiu seu olhar assustador a Jed. O lutador abaixou a cabeça. – Guilherme e Wanda estavam discutindo. Eu, assim como vocês também, já estou farto dessas discussões e então decidi me poupar de ouvir os assuntos deles. Fiz um círculo de silêncio e depois de algum tempo discutindo, gritando muito alto, por isso os murmúrios; Guilherme saiu puto da vida. Foi isso que aconteceu ontem à noite. E sobre os barulhos que você ouviu… – Ley voltou-se para Jed mais uma vez – Não queira saber o que era. Ouviu bem? – A ameaça era clara.

A menina trouxe para Ley um grande copo de madeira cheio de cerveja escura.

– Obrigado, minha cara. – Agradeceu ele – Agora… Sobre o que vocês querem conversar? – O tom de Ley ainda era sério e um tanto ameaçador. Todos permaneceram calados – Ainda bem.

A menina já trazia a cesta de pães e um prato com azeite, manteiga e queijos diversos. Todos terminaram de comer enquanto Ley devorava a cesta de pães. Ele não precisava comer, mas gostava de se dar o prazer de uma boa refeição. Usava muitos acompanhamentos nos pães, que eram de diversos estilos. Enquanto Ley comia, Jed e Gustaff voltaram ao quarto. Lily ficou na mesa bebericando café e comendo uma sobremesa. Pouco depois Guilherme entrou na estalagem. Ele encarou o Ranger por um instante e o chamou. Guilherme trazia pendurado às costas um arco negro. A aljava, também presa às costas, mostrava penas de corvo. Guilherme se sentou de frente para Ley. Estava com olheiras, mas aparentava estar muito satisfeito.

– Que arco é esse? – Perguntou Ley – Cansou de armas feitas de madeira?

– Que bom que perguntou. – Respondeu Guilherme – Eu estava querendo lhe mostrar isso. – O Ranger deitou o arco sobre a mesa. Ley observou o arco enquanto comia. Viu que era feito de um metal negro, a corda era semitransparente, mas o que lhe chamou a atenção foram alguns detalhes em vermelho. Não pareciam runas, eram pintados em algumas cavidades do arco, o que era sinal de magia negra e utilizava almas humanas.

– Onde conseguiu isso? – Ley estava preocupado.

– Andando por aí. Ainda veio com brindes. – Guilherme sorriu enquanto tirava as adagas cinto. Colocou-as com cuidados sobre a mesa, ao lado do arco. Não ostentavam nenhuma marca de encantamento, mas só pioravam os pensamentos de Ley. Onde e como Guilherme conseguira aquilo era importante e de certa forma perturbador, pois Ley sabia infinitos jeitos de se conseguir armas como aquelas. Apenas dois eram bons.

Ley pensou por alguns instantes, recapitulando os últimos meses e considerando as possibilidades. Chegou à conclusão que Guilherme estava sendo corrompido por alguma força das Trevas e que com certeza servia ao Mal. Só restava saber que tipo de força. Ley acertou na mosca.

– Eu tomaria muito cuidado se fosse você. – Disse ele.

– Não entendi.

– Essas sombras são o tipo de corrupção mais ordinário que existe. – Explicou Ley – Elas te oferecem poder em troca de favores, devoram sua alma aos poucos e quando você não pode conseguir mais poder para elas, te abandonam e te deixam desalmado, sem poder algum e sem nada.

– E você acha que sou tão fraco?

– Pelo modo como foi corrompido, você é mais fraco do que eu. – Ley mordiscou um pão. O comentário não agradou Guilherme. Mas antes que a discussão piorasse, a garçonete os interrompeu.

– O que o senhor deseja comer? – Perguntou ela. Guilherme olhou a cesta de pães. Havia o bastante para ele e Ley.

– Traga uma tigela de molho.

– Que molho o senhor deseja?

– Qualquer um. – Guilherme falou de um jeito ríspido, sinalizando para que a menina fosse embora. Ley observou a menina sair e retomou a conversa.

– Não me leve a mal. Quero dizer que esperava mais de você. Esperava que você ao menos me consultasse antes de fazer uma merda dessas.

– Você acha que eu fiz merda? – Guilherme percebeu que não pediu bebida. Ele costumava ser assustador de propósito, mas não tivera intenção na hora.

– Tenho certeza. – Ley bebeu o que restava da cerveja. A garçonete trazia uma tigela grande com um molho vermelho dentro.

– Pode trazer-nos mais uma rodada dessa ótima cerveja, amiga? – Perguntou Ley. A menina atendeu ao pedido prontamente, indo até o bar e trazendo dois copos de madeira grandes cheios até a borda com a cerveja escura – Obrigado. – Agradeceu Ley. Entregou três moedas de prata a garota e voltou à conversa.

– Muito bom esse molho. – Comentou Guilherme. Era um molho de tomate cozinhado com pedacinhos de carne moída e manjericão.

– Muito boa essa cerveja. – Ley ofereceu o copo para o amigo.

– É muito alcoólica?

– Até demais para uma cerveja. – Os dois brindaram, batendo os copos no ar, tomando um longo gole, erguendo os copos na altura dos olhos e batendo-os na mesa. Um típico brinde de Angband. Ley tinha uma forte resistência alcoólica por causa da sua maldição. Já Guilherme tinha uma resistência alcoólica um pouco maior devido a seu tamanho e constituição física. Continuaram a comer e conversar.

– O ruim desse tipo de corrupção é que você literalmente se prostitui para uma entidade ridícula. Isso que me deixa decepcionado. – Disse Ley.

– Não é qualquer entidade ridícula que te dá presentes assim. – Retrucou Guilherme apontando para as armas.

– Posso examiná-las?

– Pode… Se não for destruir. – Respondeu Guilherme. Ley pegou o arco, analisando-o centímetro por centímetro. Queria entender tudo sobre aquela arma. O metal era o mesmo das facas, sem dúvida. Ele iria testar isso depois. Quis analisar os encantamentos do arco. Tentou tencionar a corda, sem sucesso – Só eu posso puxar a corda desse arco. – Disse Guilherme com a boca cheia.

– Vínculo de alma? – Ley riu – Não é pouca merda. Então essas armas aqui são de boa qualidade, ao menos isso. Descobriu mais alguma coisa sobre os encantamentos?

– Quando eu atiro e vou errar o alvo por pouco, a flecha corrige a trajetória e acerta. – Guilherme tomou um longo gole de cerveja – Testei com as flechas que ele me deu e com as que eu tinha. O encantamento é no arco.

– Entendo… – Ley ainda analisava o arco – O que me preocupa é que esses encantamentos foram feitos com almas humanas.

– Almas humanas? – Guilherme engasgou ao ouvir aquilo. Ele não fazia ideia de que isso era a fonte de poder do arco.

– Sim. – Ley suspirou – Mas não dá pra saber os encantamentos, nem se as almas eram puras ou corrompidas.

– Hum… – Guilherme estava pensativo, mas logo se acalmou. Ele iria se conformar com aquilo. Viu que Ley olhava para cima. Quando se virou viu Wanda descendo as escadas. Ela vestia uma camiseta sem mangas e um short. Era completamente incomum vê-la usando roupas assim, pois ela sempre cobria grande parte do corpo. – Ela tá bonita hoje. – Comentou Guilherme.

– Ela sempre foi bonita, você é que tinha se esquecido. – Ley concordava com o amigo. Ele sabia que Wanda gostava de usar roupas que a faziam se sentir bem. Quando a conheceram, eles estavam em Angband. Angband é um país muito frio, então eles pensaram que ela sempre cobria o corpo por pudor. Mas Ley descobriu alguns meses depois que ela o fazia por sentir frio e que continuou fazendo porque estava namorando Guilherme e não queria provocar crises de ciúme no namorado – Pena que você a perdeu por ter se corrompido.

Guilherme fitou Ley. O que ele quis dizer com aquilo?

– Você a viu trocar de roupa ontem? – Perguntou o Ranger. Ley não elogiava mulheres gratuitamente a não ser quando falava com elas ou quando era perguntado.

– Fiz pior do que isso. – Respondeu Ley. Ele falou de um jeito que dizia tudo ao amigo. Wanda não havia ficado apenas se lamentando como ele pensou que faria, ela se reergueu.

– E eu pensei que você tivesse caráter. – Guilherme estava aborrecido.

– Eu pensei que você fosse mais forte do isso. – Ley tomou outro gole de cerveja.

– O que você fez foi imoral!

– O que você fez foi imoral. Somos só amigos, Guilherme, ela não me ama. – Mordeu o pão – E eu não amo ela. – Tomou um gole de cerveja.

Wanda foi até o outro lado da mesa, sentando-se de frente para Lily, que estava chocada. Ela nunca vira Wanda se vestindo daquele jeito.

– Vamos dar privacidade às damas. – Ley falou alto o suficiente para que elas ouvissem. Levantou-se e levou a cesta de pães, o molho, a manteiga, o azeite e os queijos até uma mesa para dois, encostada na parede do bar. Guilherme levou suas armas. Apoiou o arco na mesa, como sempre fazia, ajudou Ley a organizar as comidas e voltou a conversar.

– Que roupa é essa, Wanda? – Perguntou Lily, ainda em choque.

– Uma roupa confortável. – Respondeu ela com simplicidade. A garçonete se aproximava da mesa. Perguntou o que Wanda queria comer e beber – Eu vou querer um suco de laranja, uma cesta de frutas e mel, docinho. – Wanda entregou uma moeda de prata à menina.

– Mas você está praticamente nua! – Indignou-se Lily – Você não é assim.

– Lily, eu não estou “praticamente nua”. Só estou usando uma roupa confortável. Estamos em Beleriand, no verão, em um reino de clima quente e seco. Eu prefiro usar essas roupas do que cozinhar dentro das roupas que eu usaria em Angband.

– Wanda, você está mostrando suas pernas! Essa camisa delineia seus seios com exatidão, você vai ser vista como uma biscate! – Lily era uma feminista extrema. Ela acreditava na superioridade feminina e que os homens não deveriam ocupar cargos de importância. Acreditava que as mulheres deveriam “se valorizar”, ou seja, ter pudor extremo, impedir que qualquer homem as tratasse como objetos e sempre mandar neles.

– Lily, algumas verdades que vão soar como tapa na cara para você… – A menina trouxe uma bandeja com o suco, as frutas, duas torradas e mel – Obrigada, meu anjo, mas eu não pedi torradas. – Ela se interrompeu.

– Elas são cortesia. – Explicou a menina.

– Obrigada. – Agradeceu Wanda, dando à garota duas moedas de prata e um beijo na testa – Voltando ao assunto. Primeiro: Eu não estou mais namorando.

– Não? – Isso era uma novidade para ela.

– Não. Guilherme terminou comigo ontem à noite. – Wanda mastigou uma uva – Esse era o motivo de eu sempre me cobrir toda. Não queria despertar ciúmes nele.

– E eu pensei que você tinha moral. – Lily balançou a cabeça mostrando decepção.

– Segundo: Eu não tenho peitos grandes que nem você! Eu posso usar camisetas assim sem me preocupar. – Wanda gesticulava com o garfo – Sobre minhas pernas eu até concordo. Eu tenho coxas e panturrilhas grossas, quadris largos, mas e daí? Eu to me sentido bem e é isso que importa.

– Mas vão ficar olhando para a sua bunda! Como você pode permitir isso? – Lily estava indignada.

– Como você acha que pode impedir isso? – Retrucou Wanda – Eles olham sem que a gente perceba, Lily. E olham pra mim, pra você, pra todas. É como um jogo em que o desafio é olhar sem ser notado. E nem adianta tentar esconder, porque eles usam a imaginação para ver através das nossas roupas.

– Como você descobriu isso? – Perguntou Lily. Ela sabia que os homens olhavam, mas desconhecia todos esses detalhes.

– Digamos que um amigo me contou. Terceiro: Os olhos são deles e a bunda é minha! Para de se intrometer na minha vida, porque a última coisa que eu preciso é de uma mal-amada me enchendo o saco porque eu penso e ajo diferente dela.

Lily se levantou visivelmente enfurecida. Estava prestes a dar um sermão em Wanda, mas a loira a interrompeu.

– Senta que ainda tem mais! – Disse Wanda. Lily obedeceu contrariada – Quarto: vai arranjar um homem pra você, porque você tá precisando!

Aquilo Lily não aguentou. Levantou-se com o rosto vermelho, andou enfurecida até o quarto e bateu a porta com força. No fundo, Wanda estava satisfeita. Finalmente tinha dado o troco em Lily. Já não aguentava mais os sermões e discursos sobre a “superioridade feminina” ou então a “revolução feminista”. Wanda não acreditava em nada daquilo. Ele acreditava na igualdade, acreditava que homens e mulheres tinham talentos iguais. Que o fato de ser mulher não faz a pessoa cozinhar melhor ou o fato de ser homem torna a pessoa mais forte ou boa de briga. Wanda acreditava que todos tinham talentos. Alguns talentos são mais comuns em mulheres, como cozinhar ou organizar coisas, e outros em homens, como lutar com espadas ou levantar coisas pesadas, mas o sexo não influencia no talento ou na qualidade dele.

– Posso examinar as facas? – Perguntou Ley.

– Pode. – Respondeu Guilherme – Essa cerveja é realmente muito boa.

– Não beba demais. – Brincou Ley. Ele pegou a faca de caça de Guilherme, que tinha ao todo 40 cm de comprimento e sacou seu facão, que tinha o mesmo tamanho. O facão de Ley tinha a lâmina maior, mas o cabo da faca de caça equilibrava o tamanho das duas. Isso porque a faca de Guilherme era multiuso. Servia para tarefas do dia-a-dia, como cortar lenha e fazer a barba, mas também servia para arremessar. Já o facão de Ley, batizado Deströyer, servia também para uso do dia-a-dia, mas era melhor para lutar do que arremessar. O metal que formava Deströyer era chamado de Ang. Um metal negro, reluzente, extremamente durável e pesado. Na verdade era uma liga metálica durável e pesada. Ele comparou o peso das duas armas. A faca de caça era um pouco mais leve. Ley raspou uma na outra com a parte chata da lâmina. A faca de caça foi arranhada, o que indicava que o metal era mais mole do que Ang. Depois de pensar um pouco, comparar os pesos, testar mais algumas coisas ele chegou a uma conclusão.

– É Ébano. – Anunciou Ley.

– Mas “ébano” não é uma madeira? – Perguntou Guilherme.

– Sim. Mas há um metal, uma mistura deles na verdade, que tem cor de ébano. – Ley mostrou as facas a Guilherme – O metal que compõe essas facas é cor de ébano. Você as testou?

– Sim. Afundam em paredes de pedra com certa facilidade. – Guilherme cruzou os braços e se inclinou na cadeira, relaxando.

– Então isso só confirma minha teoria. Ébano é o quinto lugar na escala dos metais e terceiro lugar em durabilidade. – A Escala dos Metais era uma tabela que os ferreiros usavam para trabalhar. Ela dá características aos metais e os classifica em densidade, durabilidade e outros quesitos e depois dá uma classificação geral de quais são os melhores metais. Esta tabela inclui ligas metálicas e outras ligas semelhantes.

– Nossa! Esse metal é bom. – Guilherme se impressionou com a novidade. Ele lembrou que Ley já havia citado Ébano algumas vezes, mas raramente falava do metal – Que nota você dá para as armas?

– 7,5 para a faca de arremesso, 8 para a faca de caça e 8,5 para o arco. – Respondeu Ley prontamente.

– Média 8? – Guilherme arregalou os olhos – Pensei que ia ser melhor.

– Culpe a faca de arremesso. – Justicou Ley – Já vi arcos melhores também. – Ley sorriu, encostou seu copo no de Guilherme e bebeu o resto da cerveja. Guilherme fez o mesmo.

– Daqui pra frente é vida nova para todos nós, não é? – Perguntou Guilherme enquanto comia o último pão da cesta.

– Está certíssimo. – Respondeu Ley – E eu tenho que te livrar de uma baita encrenca.

– Que encrenca?

– De se corromper do jeito errado. Preciso te colocar no caminho “certo” antes que seja tarde demais.

– Ainda não entendo o motivo da preocupação.

– Você está seguindo por um caminho sem volta. Mas eu ainda posso te salvar. É só isso.

Wanda subiu as escadas após terminar de comer. Jed a esperava na porta do quarto.

– Que foi tudo aquilo ontem? – Perguntou ele.

– Aquilo o quê?

– Eu ouvi uns gemidos vindos do seu quarto. Queria saber o que era.

– Não é da sua conta.

– Mas eu sou curioso. – Wanda tentou entrar no quarto, mas Jed a impediu – E eu insisto.

– A gente transou. – Wanda não queria falar sobre aquilo. Muito menos com Jed, que não sabia guardar segredos.

– Mas Guilherme saiu ontem… Antes dos barulhos começarem.

– Ele não era o único homem no quarto. – Retrucou Wanda.

– Mas… vocês… – Jed não entendeu.

– Eu e o Guilherme terminamos. Pense um pouco uma vez na vida! – Ela o empurrou, abrindo caminho e entrando no quarto.

– Wanda, você e o Ley… – Jed entrava no quarto. Estava visivelmente desconcertado.

– Saia! – Ordenou Wanda. Ela fez uma cara que aprendeu com Ley. Uma expressão de seriedade extrema, que fazia ordens serem obedecidas. E Jed obedeceu. Saiu do quarto e fechou a porta, ainda com a cara de desconcertado. Wanda sorriu. Aquele truque funcionava, afinal.