RESENHA: “FÚRIA LUPINA: BRASIL”, UM UIVO IMPONENTE QUE FAZ PENSAR O QUE É CIVILIZAÇÃO

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Capa

Autor: Alfer Medeiros
Editora: Madio Editorial
Origem: Brasileira
Ano: 2010
Edição: 
Número de páginas: 320
Skoob
Sinopse: A natureza lupina liberta. A natureza humana destrói. Qual é a origem do mito do lobisomem? Maldição, doença, dom, herança ou eventos aleatórios? Ou será que todas essas hipóteses são aplicáveis? Em Fúria Lupina – Brasil, as peças do quebra-cabeça são apresentadas no decorrer de algumas décadas. Quando, no ano de 2009, essas peças começam a se encaixar para formar a imagem final, homens e feras aparentemente desconexos entram em uma alucinada rota de colisão, que resultará em sangue, violência e morte. Uma organização secreta, um grupo ecoterrorista, mercenários, lobisomens com variações de raça e conflitos de natureza humana permeiam toda a trama, que passa por Estados Unidos, México, Noruega, São Paulo e Mato Grosso, finalmente desembarcando na Amazônia brasileira, onde muitos destinos serão traçados. Você está pronto para descobrir qual é o maior predador do planeta?
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Análise:

“Ao final da metamorfose, uma poderosa criatura levanta-se da posição fetal em que se encontrava. Uma grande cabeça de lobo move-se para a direita e para a esquerda, saboreando avidamente o que a noite tem a oferecer.”

—Pág. 11.

Saudações, caros leitores! Vampiros e lobisomens são dois dos grandes ícones das histórias de terror e em suas raízes carregam unanimemente um jeito que mescla mistério e pavor, emoção que é inspirada em todos aqueles que interferem em suas vontades, além de muitos outros elementos, e o livro de hoje pode ser considerado uma meditação acerca do mito do lobisomem em suas origens, as várias leituras que já foram feitas e qual o sentido que abriga em seu cerne, afinal os mitos sempre carregam algo nas entrelinhas, isso é o que concede a cobiçada “imortalidade”. Começar essa leitura foi como mergulhar em um mar esperando encontrar um baú cheio de ouro e vocês querem saber o que consegui achar em minha busca? Convido-o a sentar-se e esquecer tudo o que está acontecendo na selva de pedra, prometo não lhe tomar mais tempo que o necessário, e vou dar o meu relato sobre “Fúria Lupina: Brasil”.

Primeiro, saliento que este é um romance principalmente sobre o típico conflito de homem e fera, apesar de outros temas serem desenvolvidos paralelamente, portanto, se você prefere histórias em que os homens-lobos sejam bestas sem um norte, sinto muito em lhe informar, mas aqui o que é elaborado é mais complexo e talvez não agrade ao seu paladar literário. Contudo, se você busca uma experiência de terror, simulado obviamente, e uma generosa dose de ação: você está lendo sobre o livro certo!

De certa forma, todo o livro busca validar um pensamento: “A natureza lupina liberta. A natureza humana destrói.” Nesse momento, provavelmente, estou sendo indagado da seguinte maneira: “Então a obra, dentro de seu contexto ficcional, procura defender que o melhor a fazermos é assumirmos um modo de vida animalesco?” Então eu replico com outra pergunta: “Mas o que vem a ser uma ‘forma de vida animalesca’?” Esse nosso breve diálogo serviu-me para introduzir a questão de um dos principais pensamentos que os lobisomens criados pelo Alfer nos suscitam, ou seja, a pergunta sobre o que é ser animal e o que é ser humano, seria isto uma condição puramente biológica? A realidade nos prova que não, pois quando um humano comete atos hediondos (assassinatos, por exemplo) frequentemente nos referimos a ele como um monstro, algo que não mais é semelhante a nós mesmos. Fico profundamente feliz como leitor quando tenho a oportunidade de, a partir de obras bem elaboradas, refletir acerca de questões tão fundamentais para a sociedade, mas que são ignoradas no dia-a-dia da chamada vida moderna.

O autor também não se contenta em nos retratar a camada mais superficial dos lobisomens, a sua aparência que faz pessoas congelarem somente ao vislumbrarem a silhueta ou correrem como se o próprio inferno estivesse em seu encalço (poucos são os corajosos que entram em um embate), como normalmente vemos na maioria dos filmes (muito ruins, por sinal), mas também conduz uma descrição minuciosa de suas emoções e pensamentos, permitindo que o leitor sinta-se na pele dos lobos. Não é de se estranhar esta característica no texto, uma vez que os lobisomens são os grandes protagonistas, apesar de uma das colunas da história ser um humano, muito inescrupuloso e sádico, aliás.

O conceito de civilização também é posto em xeque, pois os humanos que vemos são, em sua maioria, pessoas de pouco caráter e capazes de ações egoístas e cruéis sem qualquer remorso posterior, enquanto os lobos costumam exibir uma estrutura social extremamente unida e baseada em cooperação, capaz até de perdoar as maiores ofensas dos humanos, desde que elas não ponham em risco as vidas deles. Isso me lembrou o romance O Chamado Selvagemde Jack London em que Buck, uma cria de um São Bernardo com uma Pastora Escocesa, é forçado em uma jornada que culminará em seu encontro com a sua herança genética, seu lado mais primitivo e exuberante de vida, mas sempre permeado por um senso de coletividade, honra e nobreza. Definitivamente, concluímos que uma sociedade com maquinas sofisticadas não implica em pessoas melhoras e antes de queremos ser referência em riquezas matérias, deveríamos trabalhar os nossos valores. Nesse sentido, aprendemos muito com o jeito rústico dos lobos.

O Alfer Medeiros não deixa de lado o nosso folclore, mesmo o centro das atenções sendo um mito mundial, e usa algumas das figuras mais conhecidas de nossa nação, como: Curupira, Saci, Boto e, uma que eu não conhecia, o Corpo-Seco. A participação deles é brevíssima, porém exercem uma importância fundamental na trama. Adorei esta singela homenagem, pois o nosso país tem riquezas culturais, basta que mentes hábeis segurem estas coisas e trabalhem em seus devidos campos artísticos, assim como ocorreu neste livro. Acreditem, depois dessa leitura vocês nunca mais vão zombar do Saci! Querem saber o motivo desta minha declaração? Somente vão descobrir ao adquirirem o livro.

A obra é alicerçada em diferentes pontos (personagens) que nos possibilitam formar uma visão abrangente do mito dos lobisomens e suas diversas interpretações (literárias e cinematográficas), além de deixar a narração dinâmica. Estas peças realmente não demonstram uma ligação muito forte inicialmente, porém com um compasso harmônico, tudo vai sendo orquestrado para nos presentear com um desfecho em que as partes se unem para formar algo de sentido maior que qualquer um pensou anteriormente. Como a história se passa ao longo de algumas décadas, cada detalhe torna-se coerente, pois a construção da mente dos personagens e suas ocasionais mudanças de temperamento ou como enxergam o mundo tornam-se plausíveis. Ao fecharmos o livro, concluímos que até nós mesmos carregamos um lobo dentro de nós, aquela consciência que às vezes consideramos rudimentar, mas que nos sussurra sempre que cometemos uma infração, propositalmente ou não, contra o nosso planeta ou um semelhante, ou quando sentimos uma ligação poderosíssima com alguém, seja uma pessoa conhecida há anos ou alguém que nunca vimos. Enfim, o lobo é aquele nosso instinto em preservar o que está ao nosso redor, zelar pelos nossos semelhantes e pesarmos nossas atitudes com uma visão clara. Quanto às falhas, isso é fruto de nosso lado mais soberbo, aquele que se gaba de um título tão vago e que constantemente não é analisado (ser racional), este lado da moeda se chama natureza humana. Seria sadio ouvirmos mais o nosso “lobo interior”.

Para finalizar, comento que a diagramação e a revisão estão perfeitas, não há qualquer coisa do que reclamar. As letras possuem um tamanho bom para leitura, o que torna as páginas brancas, que são mais cansativas para a leitura, perfeitamente suportáveis (páginas brancas e letras pequenas, não colaboram na leitura). O livro é dividido em oito capítulos, iniciados por uma ilustração em preto e branco de um lobisomem uivando para a lua, sendo cada capítulo dividido em subcapítulos e estes em várias partes, os capítulos, assim como os subcapítulos, recebem nomes que adquirem sentido com os eventos subsequentes, mas nenhum deles chega a ser um spoiler, menciono isso porque já teve livros em que os capítulos possuíam nomes e eles revelavam além do que é necessário. A Madio Editorial fez um ótimo trabalho, meus parabéns. Depois desta avaliação, dou cinco selos cabulosos e digo: comprem este livro!

Nota:

Cinco Selos Cabulosos