RESENHA: “RITUAL” DE MO HAYDER

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Capa
Autora: Mo Hayder
Editora: Record
Origem: Inglesa
Ano: 2011
Edição: 
Número de páginas: 420
Skoob
Sinopse: Pulga é uma mergulhadora profissional que trabalha para a polícia. Certa manhã, ela encontra na água sob o porto flutuante de Bristol, uma mão humana. O mais surpreendente, porém, é que os investigadores logo descobrem que o homem a que a mão pertencia ainda está vivo, e desaparecido.
Na busca para resolver o mistério, o leitor é levado pelo submundo da cidade, onde reinam vícios e estranhos rituais.

Análise:

“Agora ele percebe que existe todo um universo lá fora, um universo sobre o qual ele é ignorante, um universo de horror e desespero mais sombrio do que ele jamais sonhou ser possível.”

—Pág. 180.

Saudações, caros leitores! Como os visitantes e amigos há mais tempo já sabem, sou um grande admirador de histórias de terror e suspense, logo resenhar um livro de um desses gêneros é um grande prazer para mim, pois quando o assunto é suspense ou terror me sinto mais habilitado a comentar, anos e anos assistindo e lendo trabalhos sobre esses dois temas me fizeram um viciado em tramas complexas que façam o meu cérebro se revirar procurando conexões entre fatos para chegar a uma explicação para acontecimentos cercados de mistérios e às vezes algum elemento que foge à lógica humana, pois, como disse Shakespeare: “Há mais coisas entre o céu e a Terra do supõe nossa vã Filosofia.” Foi justamente isso que preencheu a minha mente ao terminar “Ritual” de Mo Hayder. Agora, vamos nos debruçar sobre a resenha e procurar as pistas, os motivos, que me fazem pensar assim.

Esse foi um dos livros que peguei emprestado com o meu vizinho que também possui o hábito de ler (Já contei que foi ele que me apresentou vários escritores? Inclusive Stephen King). A ansiedade para colocar meus olhos em contato com as letras desse livro era enorme, pois a sinopse me atraiu imediatamente, a capa já fazia a minha imaginação tecer possíveis cenas e, como a Mo Hayder era uma autora nova para mim, me sentia estimulado a desbravar a sua obra, afinal novas experiências de leitura é um prazer que somente quem o sente pode saber o quão estupendo é!

Vou começar descrevendo os meus sentimentos acerca da capa, pois esse é o primeiro passo no flerte entre livro e leitores e nesse caso em especial achei que ela conseguiu uma sintonia grande com o enredo. A capa retrata um cômodo completamente em estado de degradação, a pintura descascada, chão e paredes absurdamente sujas, um pequeno raio de luz que entra pelo que pode ser uma janela e uma única cadeira em estado de conservação não muito distante daquele do ambiente. Esses elementos falam muito sobre a história, porém não de forma a estragar surpresas. “Como assim?” vocês podem perguntar e eu lhes esclarecerei. É o seguinte: conforme avancei as páginas, comecei a perceber cada vez mais uma forte ligação do mistério com a capa, todavia a capa também me fez conduzir os pensamentos para uma solução diferente da que testemunhei no desfecho, mas sem fazer a capa perder a sua importância. Achei fantástico como a capa mesmo sendo algo estático, conseguiu obter um nível de interatividade alto com a minha experiência nesse livro.

A “introdução” desse livro não é exatamente um texto que já nos apresenta alguma cena inicial para a história, mas um curto texto que descreve algo que já nos deixa em uma grande perspectiva sobre o que podemos esperar desse livro. Essa introdução é um perfeito convite ao leitor para que saia de seu conforto de uma realidade que, apesar de suas turbulências, é um porto seguro em que o leitor já possui pontos de referência para o livro em que sombras dançam.

A narração é toda feita em terceira pessoa e apesar de muitos personagens aparecerem ao longo do livro, pouquíssimos recebem mais do que algumas páginas. Inicialmente acompanhamos o desenrolar dos eventos ao lado de “Pulgas” Marley (Phoebe Marley), sargento e mergulhadora da policia da cidade de Bristol, que repentinamente se defronta com um caso macabro que a fará entrar em contato com o seu passado, um lugar em que a angústia e incertezas lhe oprimem. Pouco tempo depois também conhecemos Jack Caffery, um detetive vindo diretamente de Londres para auxiliar no mais recente macabro caso de Bristol. Caffery possui um visual de detetive clássico, um homem na faixa dos 30 anos, com uma existência conturbada que busca refúgio em relacionamentos fugazes com prostitutas, devido a um evento que lhe causou um trauma psicológico na infância, e desconfiado da maioria das pessoas que lhe cercam. O terceiro personagem que nos acompanha os passos por esse livro é Ian Mallows, conhecido como Mossy, um viciado em drogas que diante de uma crise de abstinência, durante a qual acreditou que poderia vencer o vício, busca um meio de saciar o clamor de seu organismo, contudo o caminho que escolheu para conseguir o que queria se prova mais mortífero do que imaginou. Apesar de haverem outros personagens sem os quais a história não iria fluir, optei por mencionar somente estes para não acabar “dizendo demais” e estragar a surpresa de vocês.

Conforme a investigação sobre a mão humana encontrada progride, o suspense se eleva e um tempero aparentemente sobrenatural chegar para tornar o livro ainda mais forte. A incerteza sobre a realidade e a maneira como “O Mal” é abordado no enredo criam uma trama claustrofóbica, mas mesmo com o pouco espaço para respirar o leitor vai querer avançar, seja para fugir do que pode estar nas sombras ou justamente por se sentir atraído pelas sombras. A maneira como o mal se manifesta em “Ritual” foge completamente do que estamos habituados em ver nos livros de suspense. Normalmente o mal se materializa na figura de um assassino que é claramente um sujeito humano que acima de qualquer suspeita guarda um terrível segredo, o prazer em atuar como Deus, decidindo quem vive e quem morre por meio de um sistema extremamente lógico para ele mesmo, mas que definimos como pura insanidade.

“O Mal” neste livro é muito sutil na maior parte da história. É uma presença que deixa um rastro que conseguimos perceber somente como uma espécie de vulto no canto dos olhos ou um vento gelado que passa perto de nossos pescoços. Essa maneira angustiante e indefinida com a qual Mo Hayder descreve “O Mal” achei extremamente deliciosa de se ler e um grande ponto alto em seu estilo que é diferente de tudo o que já li e me conquistou.

Gradualmente o livro vai se tornando mais perturbador, pois além de mergulharmos em um lado sombrio da cidade de Bristol em que talvez até demônios caminhem disfarçados de seres humanos de aparência simpática, também passamos a sentir pelas três almas atormentadas que nos guiam por um submundo onde caso você não tenha dinheiro, pode negociar com algo mais vital.

A narração de vez em quando avança ou volta no tempo e isso faz o leitor ser ainda mais participativo na história, uma vez que para tentar compreender os acontecimentos temos de tentar as peças em seus devidos lugares. Como há essa oscilação na narração acabamos ficando com incerteza sobre o futuro de um personagem e somente no final temos uma definição. Claro, não direi quem é a pessoa.

Uma figura que apesar de não estar sob os holofotes da trama, consegue roubar a atenção nas cenas em que aparece é alguém que é chamado unicamente pelo nome de “Andarilho”. O Andarilho é uma figura cujo passado é superficialmente explicado e que age como um tipo de consciência para o detetive Jack Caffery. As explanações do Andarilho acompanharam perfeitamente os meus sentimentos pelo livro e especialmente pelo Jack, pois me senti mais envolvido com o seu drama do que com o problema da sargento “Pulgas” Marley. Acho que Mo Hayder conseguiu de uma forma impressionante se colocar no lugar em que estariam os seus leitores e isso é um talento que nem todos os escritores possuem. Às vezes até me assustei com a exatidão com que ela conseguiu prever o que estaria sentindo.

Com o desfecho se aproximando pude confirmar que o personagem mais complexo é mesmo Jack Caffery, pois a resolução do mistério parece se comunicar especialmente com ela, como se fosse algo que aconteceu justamente para que ele pudesse se confrontar com um fantasma do passado que o impedia de viver. No final, Mo Hayder se prova uma talentosa escritora, pois a maravilha de sua obra reside não somente no mistério, mas nos dramas bem estruturados e que nos fazem sentir empatia por alguns personagens. Com certeza esta foi uma aventura incrível pelo submundo de uma cidade na Inglaterra onde segredos, que podem existir em nossas próprias cidades, buscam sempre o conforto da noite. Recomendo e dou cinco selos cabulosos! Abraços e até outro momento!

NOTA: