[Resenha] O Chamado da Floresta do Jack London

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Saudações, leitores! A resenha de hoje é sobre o livro “O Chamado da Floresta” do escritor norte-americano Jack London. O único livro que li dele, antes desse obviamente, foi “Caninos Brancos”. Adquiri esse livro devido à minha profunda vontade em conhecer mais este autor de estilo tão visceral que me conquistou pelo modo como consegue desenvolver uma história a partir da perspectiva de um animal, símbolo de um lado nosso que às vezes negamos, mas que sabemos que existe. Acompanhem-me por essa jornada, sigam as pegadas de Buck e ouçam o chamado da floresta!

A narração do livro é feita em terceira pessoa e nunca oscila para outras posições. O narrador é como um amigo nosso que presenciou todos os acontecimentos e em um dia qualquer resolve nos relatar a sua aventura. Apesar de o tom das palavras ser o de alguém que não participa ativamente do desenrolar da história, os olhos a partir do qual enxergamos são os dos lobos e os pensamentos deles servem de medida para a intensidade do que acontece. O caráter amigo do narrador nos deixa mais à vontade na leitura e atravessamos as páginas sem percebermos as horas.

Uma coisa que me deixou extremamente empolgado foi o fato de ser muito bem aliada a descrição dos aspectos dos cenários com os sentimentos e condições pelos quais o protagonista (Buck) passa. No início, ele vive em um local ensolarado onde a sua existência é luxuosa e o alimento sempre farto, porém repentinamente se vê arrebatado para uma realidade fria, assim como as terras do Alasca. Nesse novo contexto é colocado à prova constantemente, com pouquíssimo tempo para descansar e menos ainda em quantidade de alimento.

Os humanos são poucos descritos ao longo do livro e a maioria tem a imagem de indivíduos dotados de aparência maligna com vestes esfarrapadas e sujas. Acredito que isso foi um meio utilizado pelo escritor para representar esteticamente a degradação de caráter gerada pela ganância humana, visto que o período em que a história acontece é a febre do ouro. A maioria dos seres humanos faz o leitor odiá-los devido às suas condutas execráveis, para falar a verdade só consegui perceber um humano que não odiei. O modo como o leitor é levado a se sentir em relação aos humanos o metamorfoseia em um dos lobos da matilha e torna a leitura ainda mais uma experiência profunda. Não há maneira de escapar da atração das páginas uma vez que damos o primeiro passo.

A jornada espiritual de Buck é marcada por instantes de dor profunda, tanto psicológica, quanto física. Entretanto essa dor é fundamental para a sua transformação e posterior evolução. A dor, assim como na nossa própria vida, assume um papel de elemento necessário, pois quantas vezes necessitamos dela para perceber algo que estava evidente, mas que por desatenção ou comodismo sequer conseguimos vislumbrar? Na dor e intempéries são quando as nossas índoles são verdadeiramente testadas, pois se vivemos sempre em uma estação de bonança, como podemos ter certeza de que somos aquilo que dizemos ser? Ser bom quando temos sempre o luxo ao nosso redor é muito fácil, pois ceder um pouco de nós mesmos quando o temos em abundância é um ato de se livrar de algo que é excessivo e não verdadeiramente uma prova de boa índole.

Buck faz amizade com outros cães, alguns antipatizam com ele, porém a maioria o trata com respeito e um temor que cresce conforme ele abandona o seu estilo doméstico e entra em contato com a sua herança primitiva e desenvolve os instintos até ficarem à flor da pele. O único membro da matilha, além do protagonista, que chega a ter um grande destaque é Spitz, o antagonista de Buck e personagem que serve de divisor de águas na história, pois antes dele acompanhamos um Buck totalmente dependente de seu antigo lar e mordomias e após seguimos as pegadas de uma criatura que passa a conhecer as suas raízes.

A forma como Buck amadurece é evidente. Os seus primeiros passos nas terras gélidas são hesitantes e frequentemente motivo de riso para os seus iguais, todavia é digno de admiração como o seu andar vai se tornando firme na exata medida em que ele se conecta com o seu espírito indomável que estava mergulhado na letargia da vida moderna com seus utensílios que transformam os homens em seres acomodados e mimados.

A realeza que Buck possuía em seu antigo lar é transformada em uma supremacia pelo instinto na medida em que as adversidades do Alasca lhe apresentam provações. O chamado espiritual que Buck começa a escutar lhe aprimora como cão. Seu próprio corpo parece estar mais vivo e a mais simples ação, como correr pela neve, se torna uma experiência sensorial que afirma a vida como uma magnífica beleza e banquete dos sentidos. Quanto mais o chamado conquista os ouvidos de Buck, mais ele se sente acolhido em um coletivo que torna o ambiente inóspito bem menos assustador.

Caro leitor, você é daquele tipo de pessoa que se admira quando depois de um longo tempo reencontra alguém e se espanta quando constata que aquela pessoa mudou radicalmente, seja em estilo de se vestir, modo de falar ou qualquer outro aspecto? Então, prepare-se, pois Buck sofre uma mudança completa se comparamos o início e o fim do livro, mas pode ficar tranquilo, isso não é feito repentinamente, mas progressivamente.

Agora alerto, leitores, a história não é formada somente de acontecimentos felizes e coisas que nos fazem avançar com destemor no livro. Às vezes você sentirá receio pelo destino de alguns personagens e de vez em quando precisará fechar o livro para recuperar seu fôlego e evitar que emoções lhe dominem demais. Jack London sabe criar trechos de uma brutalidade avassaladora, mas também sabe atingir o coração do leitor com palavras mais ternas, delicadas. Quando a morte bate à nossa porta, nos tornamos um único conjunto, o conjunto dos seres mortais. Ouvir o canto da morte gera angústia e também nos faz assumir a possibilidade de que poderíamos estar no lugar daquele que está falecendo.

Esse livro me fez repensar alguns conceitos, assim como imaginava que faria ao vê-lo em uma prateleira, e em algumas passagens me imaginei abandonando aquilo a que chamamos civilização para poder vivenciar a felicidade mais natural. A felicidade de sentir a vida em cada um dos meus poros, sentir o ar de uma floresta em que os sons de máquinas fossem apenas lendas, caçar a minha própria comida e sentir o doce sabor da recompensa após um árduo trabalho de perseguição. Enfim, também escutei o chamado da floresta!  As notas de roda-pé que explicam alguns detalhes sobre os caminhos que a matilha de cães percorre e sobre as espécies de cães que aparecem no livro são muito boas e deixam o livro mais rico literalmente. Recomendo este livro! É belíssimo! Foi uma leitura que mexeu mesmo comigo e sem dúvida alguma mexerá também com você! Abraços e boa leitura! Até outro momento! Uma obra poderosa, merecedora de cinco selos cabulosos!

Nota:

05-selos-cabulosos

livro
Autor: 
Jack London

Editora: L&PM Pocket

Origem: Americana

Ano: 2008

Edição: 

Número de páginas: 144

Sinopse: Em meio à febre do ouro, Buck, um cão doméstico de uma família californiana, é roubado de seu ambiente e contrabandeado para o Alasca e em sua jornada entra em contato com sua natureza primitiva.

Análise:

“Ele estava avançando a frente da alcateia, perseguindo um animal selvagem, cuja carne era viva e saborosa; e queria matar com seus próprios dentes e molhar ao focinho até os olhos no sangue quente.”

—Pág. 52.